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Brasileiros se veem prontos para evitar mortes no vôlei, mas médico cita fatalidades e exime italianos

Médicos tentam reanimar Bovolenta após jogador de vôlei sofrer mal súbito em quadra - Reprodução
Médicos tentam reanimar Bovolenta após jogador de vôlei sofrer mal súbito em quadra Imagem: Reprodução

Paula Almeida

Do UOL, em São Paulo

27/03/2012 06h01

Fato que passou a acontecer com certa frequência no futebol, o mal súbito em atletas acometeu no último sábado o italiano Vigor Bovolenta, vice-campeão olímpico de vôlei. Aos 37 anos, o central se queixou de dores no peito durante um jogo da quarta divisão do Campeonato Nacional, desmaiou em quadra e morreu a caminho do hospital. Enquanto se esperam a necropsia no corpo do jogador e a divulgação de seus exames de pré-temporada no Forli, no Brasil os clubes da elite se gabam de realizar avaliações intensivas nos atletas e os especialistas destacam a exigente medicina italiana para eximir de culpa a equipe de Bovolenta.

Embora a CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) e as principais federações estaduais do país não detalhem os testes físicos aos quais os jogadores devem ser submetidos, requisitando apenas laudos de aptidão ou inaptidão esportiva, as grandes agremiações brasileiras têm seguido os moldes de clubes de futebol e das próprias seleções nacionais de vôlei e feito avaliações rigorosas de início de temporada.

“Basicamente, a gente faz uma avaliação no começo da temporada de todos os atletas, tanto uma avaliação física geral quanto uma cardiológica. O atleta faz ecocardiograma, eletrocardiograma e faz prova de esforço, além dos exames de rotina convencionais”, explicou ao UOL Esporte o Dr. Marcio Régis de Souza, médico do Medley/Campinas. Apesar do curto tempo de existência – apenas dois anos –, a equipe campineira apresenta grande infraestrutura e tem um acordo com uma clínica local para realizar os testes cardiológicos.

Outra referência em termos estruturais, o Vôlei Futuro detalhou à reportagem a extensa lista de exames aos quais os atletas dos times masculino e feminino do clube são submetidos anualmente e revelou que quatro jogadores já tiveram problemas cardíacos diagnosticados ao longo de 10 anos de avaliações físicas. O clube ainda destacou que, além dos exames, faz questão de acompanhar cotidianamente os hábitos dos atletas fora das quadras. “Atualmente o conceito de saúde do Vôlei Futuro abrange uma investigação que deve ser detalhada e combinada com hábitos de vida e alimentares dos atletas”, explicou Fabio Correia, coordenador do departamento de preparação física da equipe de Araçatuba.

Ainda que a maioria dos médicos que cuidam dos departamentos de vôlei dos clubes sejam ortopedistas, eles garantem repassar para especialistas quaisquer queixas dos atletas que não sejam de sua alçada.

“A gente presta muita atenção. Eu sou ortopedista, e qualquer queixa que fuja dessa área, a gente logo pede avaliação de um especialista. Nós não medicamos fora da nossa área e temos total respaldo do clube”, ressalta o médico do Medley.

EXIGÊNCIAS NA ITÁLIA

Após o mal súbito que causou a morte de Vigor Bovolenta, passou-se a especular que uma arritmia cardíaca que o tirou das quadras por quatro meses em meados dos anos 1990 teria alguma relação com a tragédia do último sábado. Não é o que imagina o Dr. Jomar Souza, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.

Avaliando o caso de longe, o médico acredita que Bovolenta tenha sido vítima de um infarto fulminante. “Nessa faixa etária [37 anos], estatisticamente falando, a principal causa de morte súbita é o infarto agudo do miocárdio. É bem possível que o evento agora que culminou com a morte não tenha sido causado pela arritmia, mas por um infarto. Mas só a necropsia vai dizer se tinha aumento anormal do músculo cardíaco ou se tinha áreas de isquemia ou alguma obstrução das artérias coronárias”, explicou Souza.

EXAMES DURANTE A TEMPORADA EM CASO DE NECESSIDADE

  • Fabio Rubinato/AGF/Divulgação

    Embora os clubes brasileiros façam avaliações físicas rigorosas nos atletas apenas na pré-temporada, os especialistas garantem que esses exames têm validade de quase um ano, ainda que um jogador possa, raramente, desenvolver alguma patologia neste período.

    Médico do Sollys/Nestlé, o Dr. Tiago Fruges Ferreira destaca que se algum teste diagnosticar qualquer problema, o atleta passará por novas avaliações no meio da temporada.

    "O check up, na realidade, tem a função de identificar fatores de risco. Geralmente, quando alterações a padrões pré-estabelecidos são encontradas, novos exames são realizados para investigação ou confirmação da suspeita diagnóstica", afirmou. "Durante a temporada, alguns exames específicos podem ser repetidos para alguma atleta. Ao surgir alguma queixa, também, exames são realizados".

O especialista ainda duvida de que o Forli não tenha feito adequadamente os exames de pré-temporada. “A medicina esportiva italiana é uma das mais conservadoras do mundo. Inclusive, a avaliação pré-participação em eventos esportivos é um eletrocardiograma de repouso. Para se ter uma ideia, como comparação, nos Estados Unidos o atleta pode ser liberado apenas com um questionário preenchido por ele mesmo”, ressaltou Souza, vendo como uma fatalidade casos como o de Bovolenta e o de outros atletas de clubes de alto nível.

“Muitas vezes, o primeiro indício de que o atleta pode ter uma morte súbita é a própria morte súbita. Isso não é incomum, são fatalidades. Logicamente que o aumento da expectativa da vida atlética vai desencadear maiores problemas, uma ocorrência maior de morte súbita. Mas por mais que os atletas sejam bem avaliados, nenhum exame consegue abolir totalmente qualquer risco de problemas desse tipo”, concluiu.

Principal brasileiro do vôlei italiano na atualidade, o oposto Leandro Vissotto, do Cuneo, reitera a preocupação dos clubes daquele país. "Os times de alto nível mantêm uma rotina de exames mais rígida. Sempre antes de começar a temporada sou submetido a exame de sangue e teste de esforço. Na seleção, fazemos a mais o ecocardiograma. Em um exame desses encontraram o problema do Roberto Minuzzi, que certamente naquela época evitou uma tragédia", lembrou o oposto referindo-se ao caso do ponteiro Minuzzi, que em 2005 teve de passar por uma cirurgia após descobrir um aneurisma na aorta. O atacante voltou às quadras quase um ano depois e ainda está em atividade, no Apav/Canoas.