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Pioneira em ensaio nu, Ida incentiva atletas a terem carreira 'paralela'

Ida tem se dedicado a aulas de vôlei de praia e projetos de bem estar social - Eduardo Knapp/Folha Imagem
Ida tem se dedicado a aulas de vôlei de praia e projetos de bem estar social Imagem: Eduardo Knapp/Folha Imagem

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

06/03/2013 06h00

Ana Margarida Vieira Álvares, a Ida, se destacou na seleção brasileira de vôlei no fim dos anos 80 e começo dos 90. Faz parte, como ela mesmo diz, da história vitoriosa do time, que teve seu ápice com o bicampeonato olímpico de 2008 e 2012. "Passei por três gerações e peguei todas transições. Não me sinto responsável [pelas conquistas atuais], mas sinto que faço parte dessa história”, falou Ida, 48 anos, ao UOL Esporte.

Mais do que as questões de quadra, Ida - hoje aos 48 anos -  também é lembrada por seu pioneirismo fora de quadra. Seu ensaio nu publicado em 1996 causou furor na seleção do já famoso linha-dura Bernardinho.   

O que hoje virou uma opção para atletas com potencial para ensaios sensuais, como fazem Mari Paraíba e Luciane Escouto, era na década de 90 uma alternativa vista com desconfiança. Para ser a primeira em seu meio, Ida pediu permissão ao técnico Bernardinho e se escorou na questão financeira para poder realizá-lo. E diz acreditar que jogadoras têm sim que usar essa possibilidade artística como algo paralelo à carreira esportiva.

"Eu estava sem clube, falei pro Bernardo que era chance de ganhar uma grana. Ele falou que tudo bem, mas que só sairia depois da Olimpíada", disse Ida. "Curti, curti muito ter feito. Me trataram bem, foi bem diferente. As jogadoras são lindas e todo mundo tem espaço pra fazer", afirmou a ex-jogadora, que participou das campanhas do sexto lugar nos Jogos de Seul-88, do quarto em Barcelona-92 e, enfim, do bronze em Atlanta-96, a primeira medalha da equipe.

Ida fez as fotos meses antes da Olimpíada de Atlanta, última competição que disputou pela seleção. O ensaio foi publicado durante uma excursão da seleção, já sem ela, pela Ásia, para a disputa do Grand Prix.

Numa época em que a internet engatinhava, era impossível ver o ensaio sem a revista em mãos. E muitas das ex-companheiras queriam ver como Ida tinha se saído na produção. Tanto que ver as fotos virou até “prêmio” para o time e causou alvoroço na China, onde foi disputada a última etapa da competição.

O auxiliar técnico Radamés Lattari dizia às jogadores ter a revista e que só mostraria caso o time vencesse os jogos. Muitas duvidavam, até que Radamés avisou às atletas para irem ao seu quarto, pois provaria que estava falando a verdade. Mas a brincadeira acabou em invasão do quarto pelo grupo, que tinha atletas como Ana Flávia e Leila. As jogadores tomaram a revista de Radamés e, no fim, o incentivo deu certo, já que o time foi campeão.

“Eu passei o mês todo falando que se equipe fosse bem, mostraria as fotos da Ida, e elas duvidavam. Até que um dia que eu consegui a revista, falei que poderiam fazer fila atrás da porta do meu quarto para verem pelo buraco da fechadura. Eis que quase botaram a porta abaixo, empurraram e eu caí. Invadiram o quarto e pegaram a revista”, lembrou Radamés Lattari, bem humorado. 

“Ele me contou isso, de toda essa curiosidade delas para ver e que no dia que chegou invadiram o quarto. Antes disso elas me perguntavam como foi, se não foi, como me senti. Mas como foi antes da Olimpíada, não perguntavam tanto porque estávamos muito focadas”, lembrou Ida.

Hoje, Ida se prepara para uma possível oportunidade no esporte profissional com um curso de gestão pública para somar à sua experiência para entender as mudanças de hoje e orientar as atletas.

“Na minha época não se ganhava dinheiro como elas. Eu não tinha carro, pegava ônibus para ir ao treino. Brigava pelo uniforme, ganhava lanche. E hoje tem menina de 14 anos já ganhando dinheiro e sustentando a família. Por isso acho que eu adoraria fazer parte disso. De sentir como é poder ajudar, pode falar ´tomar cuidado com isso, procura fazer um curso. É algo que eu gosto, da relação com as pessoas.”

IDA POSOU COM "REGRAS" DE BERNARDINHO E VÊ BOA CHANCE PARA ATLETAS

  • Reprodução/Playboy

    Ida afirmou que fez o ensaio por conta de uma boa proposta financeira e que só realizou porque estava dentro dos moldes do que pedia o técnico da equipe. Mas diz que é uma boa opção paralela para a carreira de jogadoras de vôlei. “Quando conversaram comigo a primeira vez, a grana não era tão boa. Falei que não faria por aquilo. E depois aumentaram e falei que tinha que falar com Bernardo. Eu estava sem clube, falei pro Bernardo que era chance de ganhar uma grana. Ele falou que tudo bem, mas que só sairia depois da Olimpíada. Iriam falar que se perdeu é porque ficou tirando foto”, lembrou. “Curti, curti muito ter feito. Me trataram bem, foi bem diferente. As jogadoras são lindas e todo mundo tem espaço pra fazer. Bom é que mulher tem esse privilégio de ganhar uma graninha com isso. Homem além de queimar o filme, ganha pouco”, declarou, em tom de brincadeira.

Vontade é orientar jogadoras fora de quadra

Depois dos Jogos de 96, Ida migrou para o vôlei de praia e jogou até 2002. Chegou a exercer a função de  treinadora em Alagoas e até morar na França. Atualmente vive em São Paulo com projetos esportivos que visam a levar bem estar para a população. Dá aulas de vôlei de areia no clube Pinheiros e leva projetos sociais de prática esportiva para algumas cidades do litoral.

“Faço várias coisas ligadas ao esporte, não consigo ficar longe. Ajudo hoje no esporte que visa ao bem estar, e não a formação. Trabalho com gente depressiva e que precisa de atividades física e não tem vontade de fazer academia e acaba indo para o vôlei de praia, por exemplo. É algo de bem estar”, declarou.

“O grande campeão é o cidadão, e a intenção não é só fazer grandes atletas. Temos que fazer que a educação física na escola realmente aconteça e usar o esporte como ferramenta de educação e não só atividade de bola. Pra ter uma Olimpíada, precisamos ter atleta, e tudo tem que começar na base. Você tem que massificar o esporte como prática para a saúde para depois sair o alto rendimento. Hoje a briga com crianças é computador e videogame. É essa preocupação que temos que ter”, continuou.

Apesar da felicidade com sua atual carreira no lado social, Ida deseja ter novas experiências e passar seu conhecimento dentro e fora das quadras também para o esporte de alto rendimento. Diz acreditar que pode aprender mais pessoalmente e também ajudar a direcionar a carreira de atletas com conselhos e orientações de quem vivenciou a mudança de uma era até então ignorada pela atual geração.

“Gostaria de trabalhar com uma equipe até pra sentir qual é a cabeça de hoje e fazer parte desse preparo. Tem coisas que podemos falar e ajudar pela experiência adquirida. Sempre temos coisas para passar. Seria uma grande experiência. Poder falar pra jogadora o que precisa para se preparar para quando for abandonar a carreira, por exemplo”, falou.