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Calendário do vôlei deixa astros da seleção brasileira sem férias

FIVB/Divulgação
Imagem: FIVB/Divulgação

Daniel Brito

Do UOL, de Brasília

17/10/2014 06h01

Assim como no futebol, o calendário do vôlei brasileiro é um problema que obriga os melhores jogadores do país a considerar como férias um descanso de dois dias e meio. A maratona é tamanha que até matou no nascedouro a ideia de se criar um grupo de jogadores para reivindicar melhorias. O motivo? Falta de tempo dos atletas.

Veja, por exemplo, o caso do ponteiro Lucarelli, um dos novos talentos do vôlei nacional. O jogador, de 22 anos, desembarcara em São Paulo com a medalha de prata do Mundial da Polônia com a seleção brasileira na terça-feira, 23. Na sexta-feira seguinte, 26, já estava em quadra pelo Sesi para enfrentar o São Bernardo pelas quartas de final do Campeonato Paulista.

“Eu não tinha ponteiro no time para substituí-lo. Dois jogadores da posição estavam na seleção de base e eles também tinham disputado o Brasileiro sub-22. Tive de pedir ao Lucarelli para fazer esse sacrifício”, justificou Marcos Pacheco, técnico do Sesi. Lucarelli ajudou a equipe a fazer 3 a 0 no São Bernardo.

O atleta esquiva-se de polêmica ao comentar as “férias”. “Depois eu negocio com o Pacheco uma folga para compensar”, desconversou o mineiro de Contagem, eleito melhor ponteiro do Mundial e um dos integrantes da seleção dos melhores do campeonato.

Três dias após a vitória sobre o São Bernardo, na segunda-feira, 29, se reapresentaram ao técnico Pacheco, do Sesi, o central Lucão e o ponteiro Murilo. Eles também serviram à seleção no Mundial, e chegaram havia  menos de uma semana da Polônia.

Em Taubaté, as férias também foram minúsculas para o levantador Rapha e o ponteiro Lipe. Eles compuseram o grupo de Bernardinho na Polônia, também chegaram na terça-feira, 23, mas já estavam em quadra contra o Rio Claro no sábado, 27. No mesmo time, Felipe, líbero, e Sidão, central, seguiram o roteiro de Lucão e Murilo no Sesi, e treinaram com menos de sete dias de repouso desde a viagem de volta do Mundial.

“Nem adianta pensar que vou ter três semanas de descanso entre o fim dos trabalhos na seleção e o início dos treinamentos nos clubes, porque não vou ter”, disse, resignado, Lucão. “Desde 2005, quando me tornei profissional, eu não sei o que é ter umas férias de 30 dias. E vai ser assim pelos próximos cinco ou seis anos. Mas eu já sabia que minha vida seria assim”, contou.

Clubes x seleção
O calendário do vôlei é dividido em duas metades: sete meses para as competições estaduais, nacionais e internacionais entre os clubes, que são os responsáveis pelos salários dos jogadores. Os melhores costumam ser convocados para a seleção, onde servirão pelos outros cinco meses do ano, seguindo um cronograma de amistosos, torneios continentais, Liga Mundial e Campeonato Mundial, que não ocorrerá em 2015. Em compensação, serão realizados o Sul-Americano e Pan-Americano de Toronto.

Pode parecer tempo suficiente para clubes e seleções, mas não é. A Superliga, por exemplo, é uma das poucas competições no país a marcar jogos para os dias 22 de dezembro ou 29 de dezembro. Aconteceu na edição passada. O calendário 2014-2015 ainda não foi publicado pela CBV (Confederação Brasileira de Vôlei). Sem contar nos jogos agendados para as 10h ou 11h da manhã, hábito brasileiro, para atender a uma exigência da TV.

No ano passado, a Superliga começou em meio às finais do Paulista. Assim, Sesi e Brasil Kirin disputaram três jogos na sequência, dois dos quais valendo o titulo estadual. Neste ano, o torneio de São Paulo se encerra em 25 de outubro. A Superliga começa quatro dias mais tarde. Pior ainda foi o Campeonato Mineiro-2013: começou em agosto e terminou na segunda quinzena de dezembro, na metade do primeiro turno do Nacional, por falta de datas.

O campeão olímpico em Atenas-2004, Gustavo Endres, detonou a programação para a temporada 2014-2015 anunciada pela CBV. “Somos muito desorganizados. Temos que organizar todos juntos. Nacional e estaduais para termos um calendário único e não uma adaptação aqui outra ali devido a esses jogos. E o que vai acontecer com a Superliga? Correria de novo. Dois e às vezes três jogos em oito dias com viagens e tudo mais”, postou em seu perfil no Facebook o atleta que defenderá o Vôlei Canoas, do Rio Grande do Sul.

Bom Senso Vôlei Clube
Alguns atletas tentaram iniciar uma espécie de Bom Senso FC do vôlei na temporada passada. Anunciaram a adesão de mais de 250 jogadores, entre eles alguns habitués das seleção de Bernardinho, como Vissoto, Bruninho, William, Gustavo e seu irmão, Murilo, Lucão, entre outros.

“Não conseguimos avançar muito no grupo porque ninguém tinha tempo para se reunir e conversar, debater ideias de calendários, horários de jogos e outros assuntos que precisam ser melhorados. Houve também algumas divergências, que são normais’, contou Lucão. “Talvez, mais para frente, quando encerrar a carreira, a gente volte a se reunir e a se dedicar a isto”, previu.

O cronograma da equipe nacional também é bem apertado. Após sete meses de competição, os convocados de Cruzeiro e Sesi, finalistas da última Superliga, tiveram duas semanas até se apresentarem à seleção para iniciar a preparação para a Liga Mundial. Aliás, nem o próprio Bernardinho estava à espera dos atletas, porque o calendário da Superliga feminina, que participa como treinador do Rio de Janeiro, estava em andamento. Mas ao final de três meses de disputas e longas viagens para três continentes pela Liga, os jogadores ganharam uma semana até recomeçarem os trabalhos para o Campeonato Mundial.

“É preciso ver o calendário dos clubes e da seleção”, defendeu Pacheco, do Sesi. “Caso contrário, vamos matar os jogadores. Pelo menos, a CBV está aberta a nos ouvir”, afirmou o treinador.

O que diz a CBV
A Confederação Brasileira de Vôlei respondeu em nota assinada pelo superintendente de seleções, Paulo Márcio Nunes da Costa, superintendente de competições de quadra, Radamés Lattari.

A entidade afirma que não interfere no calendário das federações estaduais, embora elas sejam suas afiliadas. “As federações estaduais desenvolvem seus calendários de maneira independente, mas certamente optam por ter os ídolos das seleções participando dos campeonatos estaduais, ao menos nas fases finais”, diz a nota.

A entidade garante que o cronograma de competição nacional é formulado em consonância com os dos demais países, obedecendo as datas da FIVB (sigla em inglês para Federação Internacional de Vôlei). “O período de seleções internacionais há alguns anos é definido entre os dias 15 de maio a 15 de outubro, no restante do ano, os atletas estão disponíveis para os clubes. As competições continentais também obedecem esse período, justamente para respeitar o período em quem os atletas ‘servem’ exclusivamente à seleção”,

A confederação afirma que é improvável que um atleta tenha 30 dias de férias, e contesta a queixa de Lucão. “Este ano, por exemplo, Lucão jogou a final da Superliga no dia 13 de abril, se apresentou dia 28 de abril à seleção e foi dispensado dia 23 de setembro, com o fim do Mundial Masculino. Neste período, o atleta recebeu folgas durante o período de treinamentos aos finais de semana, depois de encerrada a Liga Mundial durante uma semana, e definitiva do dia 23 de setembro à 15 de outubro”.

A entidade alega que nenhum atleta jamais se queixou oficialmente da programação de treinamentos e competições. “O calendário da CBV foi tema de debate intenso nas oficinas que a entidade realizou em setembro com clubes, técnicos, federações estaduais, preparadores físicos. A iniciativa organizada pela Fundação Getúlio Vargas, que foi contratada para auxiliar na gestão da CBV, quer identificar onde estão os pontos críticos e melhorar ainda mais o calendário nacional”.