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Bernardinho revela tumor maligno e pedido de demissão em 2013

Do UOL, em São Paulo

19/12/2014 12h43

O escândalo de corrupção envolvendo os chefes da Confederação Brasileira de Vôlei tem afetado o técnico da seleção masculina, Bernardo Rezende. Dono de seis medalhas olímpicas, Bernardinho, de 55 anos, fez uma revelação forte nesta semana: em entrevista à revista Veja, ele admitiu que retirou, há três meses, um tumor maligno no rim.

“Extirpei o tumor e estou aparentemente bem. A cirurgia completou três meses. Fico ruminando essa história, porque há um ano e dez meses não tinha problema de saúde. Mas a irresponsabilidade vai te maltratando e maltratando”, disse o técnico.

Bernardinho também admitiu que chegou a pedir demissão em 2013, quando soube de problemas de corrupção. Ficou no cargo, mas triste com a situação. E ainda disse, pela primeira vez, que se arrepende da briga com os jogadores pela premiação no Pan de 2007, no Rio de Janeiro: “Achei que não era correto e defendi a instituição, imaginando que realmente não houvesse como atender. Hoje eu peço desculpas publicamente porque fui enganado. Havia dinheiro, sim”.

A crise em 2007 fez o levantador Ricardinho ser cortado da equipe brasileira. Na época, era tido como um dos melhores jogadores do mundo e era ainda o capitão da seleção. Bruninho, filho de Bernardinho, acabou sendo convocado para o seu lugar.

Confira os principais trechos da entrevista

O escândalo de corrupção

Eu me sinto traído, isso sim. As pessoas dizem que estou por trás dessas acusações. Não estou por trás de nada. Primeiro, porque, se tiver de fazer algo, faço pela frente. Muito mais que revoltado, hoje estou triste.

Foi só em outubro de 2013 que eu soube de um problema que tinha acontecido em Volta Redonda. A equipe da cidade havia sido impedida de disputar a Superliga. Existe uma norma segundo a qual o time que estiver inadimplente não pode participar do campeonato, e era esse o caso. Ao que consta, houve uma chantagem por parte dos dirigentes do Volta Redonda. Se fosse vetada a participação deles na competição, tornariam público uma operação irregular realizada junto com os dirigentes da CBV. Pensei: “Não é possível que vão ceder a uma chantagem dessa natureza”.

A participação de Ary Graça, ex-presidente da CBV e atual mandatário da Federação Internacional

É um grupo, não foi apenas o Ary Graça. Mas em 2012, quando soube que ele estava pleiteando a candidatura à presidência da Federação Internacional, fui ao seu gabinete pela primeira vez e disse: “Doutor Ary, o senhor hoje dirige a maior confederação esportiva do país fora o futebol. Quebre esse sistema de poder, profissionalize esse sistema”. Ele dirigia uma “empresa” com R$ 100 milhões anuais de faturamento e tinha muito que fazer ainda no esporte brasileiro. Ele não me deu ouvidos.

O pedido de demissão

Voltei a Saquarema (RJ), a sede da confederação, e comuniquei a minha insatisfação: “Eu sei disto aqui e, se vocês não consertarem, amanhã sou demissionário e vou dizer por que estou saindo”. Aquilo me fez muito mal, apesar de garantirem que estavam cancelando os contratos sob suspeita. Não sabia se iria ao Japão para disputar a Copa dos Campeões. Acabei viajando, mas visivelmente triste, incomodado. Não queria representar aquelas pessoas.

(Não deixei a seleção) Pelos rapazes, pelos atletas. Ao contrário do que muitos dizem, não tenho essa relação patológica com o poder. Se pudesse ficar só com a equipe feminina da Unilever, ficaria. Não vou deixá-los agora, pela relação de cumplicidade.

A premiação do Pan-2007

Os dirigentes do voleibol afastaram o esporte da sua essência, de valores como trabalho em equipe e disciplina. Acabou virando um balcão de negócios. Isso fere muito, e os jovens estão feridos. Numa época, em 2007, cheguei a brigar com os jogadores. Antes do Pan do Rio de Janeiro eles queriam uma premiação que não havia sido estipulada. Achei que não era correto e defendi a instituição, imaginando que realmente não houvesse como atender. Hoje eu peço desculpas publicamente porque fui enganado. Havia dinheiro, sim.

O tumor no rim

Ainda não sei que desdobramento vai ter, mas faço aqui uma revelação. Cheguei do Mundial na Polônia e num exame de rotina descobri um tumor no rim direito. Nele havia células malignas. Extirpei o tumor e estou aparentemente bem. A cirurgia completou três meses. Fico ruminando essa história, porque há um ano e dez meses não tinha problema de saúde. Mas a irresponsabilidade vai te maltratando e maltratando. O médico do Hospital Sírio-Libanês que me atendeu disse assim: “O que tirei do seu corpo é uma metáfora do que deve ser ex­traído do país”. A sensação que tenho hoje é essa mesmo: tudo o que está acontecendo com o vôlei é uma pequena célula doente de um organismo. Pode haver mais.

A recusa a se candidatar a governador

Não me sentia totalmente capaz (de ser governador). Embora até hoje as pessoas me cobrem na rua por eu não ter me candidatado. E, depois, acho que é preciso certo dom para isso. E não sou um ser muito político. Se alguém morrer na porta de um hospital, vou me sentir pessoalmente responsável por isso. Isso, na minha cabeça ingênua, não pode acontecer. Iria ficar realmente mal, iria lá. Só que não se pode fazer isso com milhões de pessoas. Outra razão que me fez refutar a campanha política foi ter lido o livro do Antônio Ermírio de Moraes, uma pessoa admirável. Tinha um carinho enorme por ele. No livro ele relata sua experiência na política, e pensei comigo: “Como é que euzinho posso querer ter a capacidade de enfrentar esse monstro se esse super-homem não conseguiu?”.

Convite para trabalhar no Ministério do Esporte

Quando o Aécio passou para o segundo turno, levantou-se a possibilidade de eu chefiar o Ministério do Esporte. Acho que participar de uma equipe, seja ela da natureza que for, prover alguma coisa em prol do esporte e da educação, é uma coisa que me atrai muito, porque é o que tento fazer atualmente. Houve uma pressão grande para que eu aceitasse. Seria difícil dizer não. Mas, quando chego em casa, a Fernanda (Venturini, ex-jogadora de vôlei) me pergunta se não vou viajar com a família. Eles me cobram, começa a me doer um pouco mais. E o susto que tomei há três meses me fez pensar: “Caramba, minha vida pode ser interrompida”. Não que eu me arrependa das minhas escolhas, fiz aquilo que meu coração mandou. Mas me dói um pouco também. Vou de lá pra cá, mas e minha família? E minha vida um pouquinho? É muito trabalho, muita solicitação. Eu me doo tanto para os outros, me aperta o coração quando paro e penso nos meus. Mas quero deixar claro que não sou salvador da pátria, não sou nada disso. Sou apenas um profissional, e quero fazer as coisas da melhor maneira possível. Vou continuar lutando.