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Viagem para a Itália e filho: planos e bastidores da aposentadoria de Fofão

Guilherme Costa

Do UOL, no Rio de Janeiro

27/04/2015 06h00

Há planos que viram certezas, mas outros ficam pelo caminho. E em alguns casos, o melhor é não ter planos. No último domingo (26), a levantadora Fofão conseguiu exemplificar com perfeição essas três situações. A jogadora de 45 anos fez sua despedida do voleibol nacional – decidida a se aposentar após o término da atual temporada, ainda vai disputar o Mundial de clubes – e foi a melhor em quadra na vitória do Rexona/Ades por 3 sets a 0 sobre o Molico/Nestlé na HSBC Arena, no Rio de Janeiro.

A aposentadoria é o plano que está perto de virar certeza. Desde o início da temporada, Fofão já havia decidido e anunciado que esse seria o período derradeiro de sua carreira.

O plano abandonado foi conter as lágrimas. Fofão havia dito que não queria chorar no dia de seu último jogo de Superliga, mas a promessa não durou sequer até o término da execução do hino nacional. As primeiras lágrimas foram contidas a ponto de mal terem sido notadas, mas o autocontrole durou apenas o tempo do jogo: a levantadora desabou depois do término, sobretudo quando a mãe entrou em quadra para homenageá-la.

Depois do título nacional e das homenagens, Fofão está cada vez mais perto do período para o qual ainda não tem planos. Até aqui, a levantadora evitou fechar projetos para o pós-carreira – ela tem convite para trabalhar na CBV (Confederação Brasileira de Voleibol), por exemplo. As únicas ideias concretas são festas, uma viagem para a Itália e maternidade.

Os planos para o pós-carreira

Nos dias que precederam a decisão da Superliga e na entrevista coletiva após o título, Fofão usou expressões similares para justificar a aposentadoria: é hora de cuidar da família, algo que ela negligenciou deliberadamente em nome da carreira no esporte.

“Eu me fechei em nome do voleibol. É o que eu sei fazer e é o que eu faço. A vida pessoal eu deixei de lado, e isso é algo muito claro. Graças a Deus eu tive um marido que sempre entendeu e compartilhou, e agora eu quero retribuir. Quero viver a vida dele um pouco, estar com ele de outra forma. A vida do vôlei é linda, é maravilhosa, mas o desgaste existe”, contou a levantadora.

Dar mais espaço à rotina familiar inclui o único plano concreto que Fofão já estabeleceu para o pós-carreira: uma viagem de um mês para a Itália, país em que ela viveu durante quatro anos – a levantadora defendeu o Perugia.

“Depois que a gente cumprir toda a agenda aqui no Brasil, depois do Mundial, a gente vai para a Itália passar um mês lá com os amigos. A gente já recebeu centenas de mensagens e até duas ligações de lá. O pessoal assistiu à decisão pela internet e chorou. Tem um grupo de amigos nossos que não se encontrava havia dois anos, mas eles se reuniram para ver o jogo da Fofão”, contou João Márcio, marido da atleta.

A outra ideia é menos concreta: Fofão e João Márcio pensam em aumentar a família. “Vamos tentar. Quando a gente constitui uma família, quando inicia uma paquera, um namoro, um noivado e um casamento, a gente tem de continuar seguindo a linha. Tem a idade, é claro, mas hoje essa coisa não influi tanto. A gente precisa ter um filho. Nem que adote”, completou o marido.

Após viajar para o Rio, família prepara churrasco

A agenda de Fofão pós-carreira também incluirá uma série de compromissos com a família. A levantadora é natural de São Paulo, e a maioria dos parentes dela vive na capital paulista. A ideia é fazer um churrasco em homenagem a ela depois do Mundial.

“Depois do Mundial a gente espera ela lá”, disse Silvana, prima da atleta, que esteve na HSBC Arena para ver a decisão da Superliga. Entre parentes e amigos, Fofão movimentou um contingente superior a 30 pessoas. “Uma parte veio de van, mas outros viajaram de carro, ônibus e avião. Alguns ficaram na casa dela, e outros estão em hotel e hostel”, completou a cunhada Márcia.

Os parentes levaram faixas e cartazes com o nome da levantadora. Depois do título, Fofão recebeu das mãos da mãe uma placa comemorativa feita pela CBV. As atletas do Rexona/Ades aproveitaram um adereço levado pela torcida – um número 7 de papel laminado, alusivo à camisa usada pela atleta – e o técnico Bernardinho preferiu dar a ela uma coroa do mesmo material. A festa era de um título nacional conquistado pela equipe da casa, mas a comemoração tinha dona.

Levantadora ficou nervosa antes da decisão

Fofão chegou a dizer depois do título que teve de trabalhar o autocontrole para não ficar emotiva demais antes da decisão. As pessoas que convivem com ela, porém, perceberam que a levantadora estava diferente. "Ela estava nervosa, implicando com coisas com as quais não costuma implicar. Ela disse que o carro estava torto na garagem e perguntou se ninguém ia arrumar, por exemplo, algo que nunca tinha chamado atenção. No outro dia ela questionou a mãe porque estava lavando louça tarde. São coisas com as quais ela jamais implicaria, mas foi a ansiedade pelo jogo", contou João Márcio, marido da atleta.

Fofão foi tema de conversa entre jogadoras do Rexona/Ades

Na véspera da decisão da Superliga, as jogadoras do Rexona/Ades fizeram uma reunião no hotel em que a equipe estava concentrada. O tema do encontro foi a despedida da levantadora e capitã do time.

“Todo mundo falou o que significava essa partida, esse momento, aproveitar a chance de ter a Fofão”, contou a líbero Fabi. “É um momento histórico. Independentemente da vitória ou da derrota, você poder estar presente no palco em que a Fofão se despediu e poder falar isso é motivo de orgulho”, completou.

Na despedida, Fofão faz agradecimento a novata Gabi

Um dos momentos mais emocionantes da despedida de Fofão foi uma reverência da levantadora à ponteira Gabi, maior pontuadora da edição 2015 da Superliga. A jogadora de 20 anos estava na sala em que a levantadora deu sua última entrevista coletiva na competição. Durante a conversa com jornalistas, a veterana foi questionada sobre transição entre gerações.

“Foram aprendizados, experiências, jogadoras que me ensinaram tudo que eu sei e que me deram referência para ser capitã, para ser líder. E jogadoras de geração mais jovens, como a Gabi... ela não tem noção do quanto me ajudou neste ano. Ela é especial. Acordar todo dia e olhar para ela... ela não sabe o quanto me fez bem. A alegria dela contagia todo mundo, e eu precisava disso. Virei moleca do lado dela e fazia coisas que a vida inteira eu me travei de fazer porque tinha muitas responsabilidades. Ela me fez ser feliz de novo”, respondeu Fofão.

“Torcedora” Fernanda Venturini pede que Fofão siga no esporte

E por falar em transição, Fernanda Venturini, levantadora que precedeu Fofão como titular da seleção brasileira, esteve na HSBC Arena. Esposa do treinador Bernardinho, a ex-atleta comemorou o título do Rexona/Ades e aproveitou para fazer um pedido a Fofão.

“Ela vai deixar de treinar, não vai ter mais jogos. O uniforme dela pode ser guardado na gaveta. Eu passei por esse processo, e isso é diferente. Eu torço para que ela continue no esporte, que entre mesmo na CBV para voltar os valores do voleibol de antigamente. Nós estamos moralizando o voleibol, e eu espero que ela possa ajudar nesse processo”, disse Fernanda.

Sucessora de Fofão encara problema de timidez

A atual reserva de Fofão é Roberta, levantadora de 24 anos nascida em Curitiba. É uma jogadora de 1,85m (13cm a mais do que a antiga dona da posição) e desponta como principal candidata a herdar a vaga. Para isso, porém, ela precisa vencer um problema de timidez.

“É um desafio como vários que eu venho passando. Sim, eu tenho um jeito mais tímida, mais quieta, e o Bernardo me cobra demais por isso. Todos os técnicos já me cobraram e eu também me cobro demais. É uma coisa que eu tento mudar um pouco, mas acho que jogando ali talvez eu vá alterando com mais rapidez. É mais uma barreira para passar”, admitiu a candidata a sucessora.

Inicialmente, Bernardinho deu grande voto de confiança à levantadora: “Eu acredito que ela esteja pronta, mas é preciso dar suporte para que ela suporte a pressão. Acredito que a Roberta esteja em situação propícia para seguir, mas tem de tomar cuidado para não cair em comparações. Substituir a Fernanda Venturini e a Fofão [levantadoras que passaram recentemente pelo Rexona/Ades] não é simples”.

A própria Fernanda Venturini também cobrou assertividade de Roberta. “Ela vem sendo preparada desde a minha época. É uma jogadora que tem tudo para pegar esse lugar e continuar com um time campeão. Eu acho que o problema dela não é técnico e nem físico, mas de cabeça. Ela precisa ter mais personalidade, assumir as responsabilidades e querer ganhar. Comandar, mesmo. Ela precisa ser uma estrela, e não mais uma coadjuvante”, avisou a ex-atleta.

“Eu creio que a cada ano eu venho aprendendo mais. Venho sentindo, amadurecendo, e e o próprio Bernardo vem me dando uma resposta. Acho que agora falta jogo: entrar, jogar e sentir essas situações”, disse Roberta. “Eu convivi com a Fernanda Venturini, a Fofão e a própria Dani Lins. Agora é só botar em prática”, completou.