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Ricardo Oliveira abre o coração e faz discurso emocionante por 11 minutos

Atacante pediu apoio ao torcedor que anda desconfiado com a irregularidade do Galo - Bruno Cantini/Divulgação/Atlético-MG
Atacante pediu apoio ao torcedor que anda desconfiado com a irregularidade do Galo Imagem: Bruno Cantini/Divulgação/Atlético-MG

Thiago Fernandes

Do UOL, em Belo Horizonte

04/09/2018 18h49

A irregularidade do Atlético-MG no Brasileirão, assim como os recentes gols perdidos por Ricardo Oliveira, tem deixado o torcedor desacreditado sobre o time. Mas, experiente que é, o atacante aproveitou sua entrevista coletiva desta terça-feira para abrir o coração e dar um depoimento emocionante sobre sua situação particular e a do clube na temporada. Por onze minutos, Ricardo falou da infância difícil, dos desafios na vida de atleta, fez uma autocrítica e também avaliou o desempenho da equipe, mas focou em pedir apoio à torcida que o impressionou nos últimos anos com o grito de "Eu acredito" para, juntos, somarem forças neste restante de ano e seguirem na briga por um título do Brasileiro.

Confira o depoimento do atacante de 38 anos na íntegra:

"Antes de responder a pergunta, quero trazer à memória algo que aconteceu comigo no final do ano. Tive a possibilidade de permanecer no Santos, de sair para outros lugares, mas uma coisa mexeu muito comigo. Sou movido a desafios. Nunca me dei bem em zona de conforto. Para quem saiu do bairro do Carandiru, tive que comer do lixo, catar papelão, viver no meio da comunidade e ter que dormir no chão por causa de tiro que perfurava o barraco onde a gente morava. As coisas não foram fáceis na minha vida. Aquilo que não vem fácil não tem sabor vitorioso, não tem sabor de conquista que teve que suar para conquistar.

Assisti ao Atlético jogar em 2013 ou 2014, onde o time tinha que se reinventar a cada partida. E tinha o canto da torcida que contagiou o Brasil, o 'eu acredito, eu acredito, eu acredito’, que virou música. Todos os jogos no Independência ou no Mineirão, quando o Atlético jogava lá, vinha o grito.  Eu joguei contra e era de arrepiar. É algo que me motivou a vir para cá, além do financeiro, que também foi bom para mim. Eu não sou hipócrita para dizer que não foi. O que me motivou foi sentir esse calor, esse grito ao meu favor, essa torcida empurrando o time do coração para a frente.

Cheguei aqui debaixo de muita desconfiança e incertezas por causa da minha idade e problemas físicos atípicos no Santos, como caxumba e pneumonia, que não tem como evitar. Joguei pouco, fiz 12 gols em 40 jogos no ano, e estou batendo os 40 jogos aqui, sem nenhuma lesão, estou com 18 gols, brigando pela artilharia do campeonato. Mas sinto que o torcedor está inseguro e triste. Não sei se pelo fato de a gente não estar conseguindo fazer o jogo que eles gostariam, que de fato queremos apresentar. Acredito que o resultado até agora não é dos melhores, mas também não é dos piores. Estamos a cinco pontos do quarto colocado, brigando pelo G4, e com seis a mais do do terceiro. Estamos a duas vitórias de bater lá em cima.

Restando 16 jogos no Campeonato Brasileiro, não é esse ambiente que quero enfrentar aqui. O ambiente não é hostil, mas não é favorável que eu gostaria de sentir. Eu gostaria de transmitir essa mensagem positiva para o torcedor. O que vem de fora para dentro contagia. De dentro a gente transmite para fora. E aí, junto, a gente é muito mais forte e ninguém ganha. Vi que o Atlético fez nos anos passados e quem vinha aqui perdia, por causa do grito dessa torcida. O cara se sente um gigante lá dentro e ele vai. Se ele erra uma bola, o torcedor não vaia, ele aplaude e joga ele para cima. Num esporte coletivo, quando falta um, quando um não está envolvido, se sentindo pressionado, compromete o coletivo.

Aceitei esse projeto do Atlético e falei que daria o resultado dentro de campo. Não estou satisfeito com o resultado num todo, o meu, pessoal. Sei que posso melhorar e vou melhorar. O time vai crescer. Nos últimos dez jogos foram três vitórias, quatro empates e três derrotas. Não importa. Eu não desisti de sonhar e acreditar que isso daqui vai virar. Vai virar porque o trabalho consegue o resultado que ele busca. Aqui tem trabalho, aqui tem qualidade, aqui tem pessoas que estão envolvidas. Quando o presidente Sérgio me chamou, através do Alexandre Gallo, aceitei o projeto, recebi o carinho do torcedor, e quero que o torcedor não deixe de transmitir esse carinho para nós.

Não quero que ele pegue um ponto negativo, pessimista, e acabe jogando esse peso para cima do time, quando na verdade temos muitos jogos pela frente e coisas grandes para disputar dentro dessa competição. Eu acredito, eu acredito, eu acredito. Esse discurso não é para jogar para cima. Eu acredito porque sou um cara de fé. Como eu falei, de onde eu saí, por não ter me envolvido com droga, não ter roubado, não ter feito nada de errado. Acreditar no trabalho é você saber que vale a pena vir para cá, dar sua vida, se dedicar, dar seu melhor e voltar para casa feliz porque deu o seu melhor. Receber um abraço do filho ou da esposa porque estavam com saudade, porque você saiu de casa e voltou.

E quando a gente volta para casa com uma derrota é triste, a gente não dorme direito, a gente fica dando voltas na noite… Quando eu perco gol torcedor, é a mesma coisa, é assim também. Eu não fico feliz não, custo a dormir, custo para digerir, principalmente quando compromete o resultado coletivo, como foi contra o Vitória. Eu também sinto essa tristeza. Eu não deixo ela tomar conta, não deixo ela me derrubar. Serve de estímulo. Venho para cá e trabalho mais, trabalho mais, trabalho mais… acho que o torcedor precisa, neste momento, demonstrar que ele é Galo mesmo, que é apaixonado por esse clube. Ele vai abraçar esses jogadores que estão aqui. Não depende só de nós, dependemos deles também. É uma parceria e precisamos disso.

Fiquei preparando, pensando muito no que falar para vocês (jornalistas). Mas venho com esse discurso, porque eu queria sentir novamente esse torcedor do meu lado, me jogando para cima, me carregando nos braços e falando: ‘Vamos, estamos juntos. São 16 jogos, estamos juntos. Deu errado em alguns, mas vamos lutar e vamos estar com vocês até o final’. Em cada um que errar, saibam que ninguém errou porque quis errar. A gente trabalha para acertar. É com esse discurso que venho aqui falar e é por isso que estou feliz de estar aqui no Atlético. Mas eu gostaria de sentir esse calor que eu vi de fora. Gostaria de ver o torcedor envolvido comigo, envolvido com os jogadores. Nunca fui muito bom de fazer merchandising, de fazer marketing. Eu fui bom de demonstrar, nisso sou bom. Quando me coloca dentro daquele campo verdinho, dentro das quatro linhas. Aí eu sou bom. Sou bom em dar o meu melhor. Erro muito, com 38 anos eu erro demais. Mas trabalho pra caramba e sei que vou acertar muito mais do que errei.

O índice de sucesso na vida de uma pessoa corresponde à 15% de 100, 85% é fracasso dos homens de sucesso que não desistiram por isso. Não sou eu que vou desistir. Será que o torcedor vai abrir mão de seu clube do coração, que é a paixão do torcedor? Não vai, não foi isso que vi de fora. Não é isso que vejo aqui dentro. Aqui ninguém abre mão de nada. Não é fácil, não é um discurso para jogar para cima. É bom é não ser fácil. Vamos lutar com todas as forças para reverter essa situação, trazer alegria para o torcedor, colocar alegria no coração, no sorriso. A gente trabalha juntos, conheço cada funcionário. Quando a gente perde, sei como é no dia seguinte. Isso não pode condicionar a minha vida. Um dia ruim, uma semana ruim, um mês ruim, um ano ruim não podem significar que eu tenho uma vida ruim. Para mim não é assim.

Sei onde estou, a camisa que estou vestindo, sei o peso da minha torcida, os companheiros que tenho do lado. Estou com campeões da Libertadores aqui, caras que fizeram história no clube. Estou com pessoas jovens aqui, que têm ideias e projetos incríveis para esse clube, que estão tentando desenvolver e colocar em prática. E eu, com 38 anos, sendo um dos mais velhos deste time, continuo sonhando, como uma criancinha. E é isso que me motiva. Fico feliz com o resultado, mas sei que posso melhorar e vou trabalhar para dar muito mais. Mais gols, mais títulos, para fazer com que o torcedor atleticano tenha essa alegria novamente de gritar Atlético, lutar, lutar, lutar e eu acredito, eu acredito, eu acredito."