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Estrela da final da WNBA usou basquete como escape contra abuso na infância

Breanna Stewart WNBA título MVP - Brad Mills/USA Today
Breanna Stewart WNBA título MVP
Imagem: Brad Mills/USA Today

José Edgar de Matos

Do UOL, em São Paulo (SP)

14/09/2018 04h00

A WNBA consagrou na última quarta-feira Breanna Stewart. Fenômeno do basquete universitário com quatro títulos nos quatro anos em Connecticut, a ala alcançou o topo do basquete profissional americano em sua terceira temporada com o Seattle Storm. Hoje estrela no país e reconhecida como a MVP da decisão contra o Washington Mystics, a jogadora de apenas 24 anos usou o esporte como válvula para um trauma terrível de infância.

Ao mesmo tempo em que recebia o incentivo dos pais para trabalhar fundamentos do jogo incomuns para uma atleta de sua altura – hoje ela mede 1,93m -, Breanna Stewart sofreu abusos sexuais de um parente próximo. A própria atleta, campeã olímpica com os Estados Unidos no Jogos do Rio-2016, foi quem se abriu sobre a violência sofrida na infância, quando começava a se apaixonar pelo esporte da bola laranja.

Em texto publicado no The Players  Tribune, a estrela da WNBA relatou com detalhes sobre como virou vítima enquanto dormia na casa de um parente, de identidade não revelada pela ala do Storm. O basquete surgiu como um tipo de apoio para uma então criança traumatizada.

“Não sei bem como dizer esta parte; não contei para muitas pessoas. Não sou a pessoa mais vulnerável – mal falo sobre os meus sentimentos -, então isso é desconfortável. Fui molestada por anos. A TV tremulava, e tudo ficava em silêncio. Ele dizia: ‘está tudo bem’. Ele me tocava e tentava que eu o tocasse”, relatou a grande estrela da decisão da liga feminina.

Breanna Stewart WNBA - Nick Wass/AP - Nick Wass/AP
Breanna Stewart chegou ao topo na liga profissional
Imagem: Nick Wass/AP

“Às vezes eu tentava puxar meu braço para longe, mas não era forte. Eu era só uma criança. Sempre vinha aquele cheiro: sujeira e cigarro”, relembra.

O período de abuso coincidiu com os primeiros arremessos de Breanna Stewart. Aos poucos, o que era uma diversão virou um escudo. O basquete se tornou a maior defesa para a criança, que via a bola laranja e a quadra como refúgio psicológico para se afastar da violência familiar.

“Jogava há uns dois anos. Meus pais me colocaram no esporte para me deixar ocupada. Eu era uma criança com muito tempo livre e nada para fazer. Eventualmente, ninguém me obrigava a ir. Eu simplesmente queria jogar. Basquete se tornou uma espécie de espaço seguro para mim. Mas nenhum espaço era completamente seguro”, relembra.

O trauma (físico) terminou somente no momento em que Stewart se abriu. Ela tinha 11 anos quando acordou a mãe em uma madrugada e contou sobre os anos de violência. Os pais procuraram a polícia, e horas depois o abusador acabou preso. Breanna diz conviver com ‘buracos negros’ na memória, mas relembra que tinha apenas um desejo naquele momento.

“Tive treino de basquete naquela noite. Fui com o meu pai e disse que queria ir. Ele não poderia acreditar. Por tudo o que passei, a única coisa que queria era ir e jogar basquete”, recorda a atleta, autora de 30 pontos, 8 rebotes e 2 roubos de bola na partida decisiva contra o Washington Mystics (98 a 92).

Breanna se inspirou em ginastas

Breanna Stewart The Players Tribune - Reprodução/The Players Tribune - Reprodução/The Players Tribune
Breanna Stewart ao compartilhar sua história no The Players Tribune: "Posso salvar vidas"
Imagem: Reprodução/The Players Tribune

O abuso sexual sofrido pela grande estrela da WNBA na atualidade veio a público graças ao movimento entre as ginastas americanas, que denunciaram o médico Larry Nassar por anos de abuso. A  principal inspiração se direcionou para a campeã olímpica McKayla  Maroney, autora de um dos depoimentos mais marcantes do processo de Nassar.

“Nossas experiências são diferentes e como lidamos cada uma também é diferente. Mas, o que importa são as nossas vozes. Também penso sobre o que meu pai disse uma vez: ‘não é um segredo sujo. Quando você se sentir confortável com isso e se sentir confortável para se abrir sobre isso, você pode salvar a vida de alguém’”, refletiu a ala-pivô, que usou a sua projeção como plataforma para denúncias de casos anônimos.

“É por isso que escrevi isso. É maior do que eu. (...) Se você está sendo abusada, conte para alguém. Se essa pessoa não acreditar em você, conte para outra. Pais, membros da família, professor, técnico, amigo dos pais…a ajuda está aí”, concluiu a agora melhor jogadora da decisão da WNBA.