Anti-herói do boxe, Don King 'definha' agarrado a caricatura de seu passado
Não tem jeito: quem acompanhou o boxe por pouco que seja, já viu um gordinho de jaquetas com as cores norte-americanas, cabelos arrepiados e um permanente sorriso forçado. É Don King, maior empresário da nobre arte, que desde os anos 1970 se envolveu com os maiores nomes do esporte, de Muhammad Ali a Mike Tyson. Hoje aos 81 anos, o cenário mudou muito para o esporte e também para ele, que vive seus últimos atos de uma carreira marcada pelo sucesso, os milhões de dólares e as polêmicas acusações de seus antigos lutadores.
Don King teve um grande baque com a derrota de seu principal lutador, Tavoris Cloud, para Bernard Hopkins - que se tornou o mais velho campeão do boxe, aos 48 anos, no começo de março. O site Grantland, dos EUA, acompanhou duas semanas de trabalho do velho promotor e registrou todo o processo que levou ao combate Cloud x Hopkins e que era considerado decisivo para a carreira do veterano.
A conclusão da longa reportagem publicada nesta semana está em seu título: “O fim e Don King”. O caricato personagem é retratado como um homem que vive do passado e que, se sua personalidade era intimidadora e centralizava atenções no passado, agora virou algo sem significado, quase como uma piada.
Ele próprio parece admitir, em uma metáfora com sua característica mais peculiar, seus cabelos. King, que passou quatro anos na prisão por matar um homem na cobrança de uma dívida, divide sua vida em antes e depois do xilindró.
“Meu cabelo é a aura de Deus. Tudo subiu quando sai da penitenciária. Um dia eu estava deitado com minha mulher e meu cabelo começou a levantar e enrolar - ping, ping, ping, ping! Eu sabia que Deus estava me dizendo para ficar no caminho correto e que ele poderia me puxar lá para cima um dia para ficar com ele”, afirmou ele, acrescentando o detalhe mais atual. “Quando tudo está bem, o cabelo sobe na hora. Agora as coisas estão mais difíceis, o cabelo está menos espetado...”.
Hoje ofuscado por Bob Arum, empresário de Manny Pacquiao, e pela empresa de Oscar de la Hoya, King segue vivendo do passado. E inclusive se agarra na nostalgia. Suas coletivas de imprensa falam mais de Ali e Tyson do que dos atuais clientes. Os discursos, histórias e ditados proferidos se mantém, mas cada vez menos se ligam com a realidade de hoje. Boa parte deles ainda é ligado à questão racial.
Mesmo que sua juventude tenha sido num ambiente muito mais preconceituoso do que se vê hoje, o empresário se considera um trabalhador em prol dos negros e pobres: “Sou um promotor do público, para o público e pelo público. Minha mágica reside nos laços com o povo”, diz ele, que cita Sun Tzu e Martin Luther King como se estivesse entre estas figuras marcantes da história.
“As pessoas nunca vão dar os créditos pelo que conquistei. As pessoas me demonizam, mas quem superou a pobreza como eu e deu milhões a jovens garotos que não tinham nada?”, defende ele. O passado também está em seu escritório já desgastado na Flórida, e no pessoal de sua empresa, todos com idade avançada e décadas ao seu lado.
O combate de Cloud acabou mostrando muito da decadência de King, apesar de o lutador negar esta pressão pela vitória: “Ninguém vai impedir King de promover lutas, cara!”. Tavoris Cloud perdeu e Hopkins ainda provocou o ex-empresário, com quem teve grandes problemas: “eu o aposentei.”
Don King não foi à coletiva de imprensa, mas segue se negando a parar: “Foi um tropeço. Você se levanta, sacode a poeira e volta ao jogo. Eu absolutamente erradiquei a palavra fracasso do meu dicionário”. Mas, de acordo com a matéria do Grantland, desta vez ele fracassou.
APÓS POLÊMICA, BRASILEIRO REATA COM DON KING
O brasileiro Marcus Ratinho faz parte do plantel de Don King. Recentemente, ele teve divergências e chegou a anunciar uma recisão de contrato, pelo fato de lutar menos que as três vezes por ano previstas por contrato. No entanto, as partes se acertaram. O meio-pesado, que tem 25 vitórias, um empate e uma derota, teve prometido um combate para maio, para enfim tentar embalar e ampliar a série de oito vitórias consecutivas que coleciona, com direito a sete nocautes. Ratinho não vê King em crise. “O Don King se afastou dos negócios quando faleceu sua companheira, em 2010, mas ele voltou a comandar pessoalmente seus negócios e este ano planeja grandes eventos”, disse ele, ao UOL Esporte. “Ele realmente procura um novo astro e estou batalhando para que eu seja este cara.”
Histórico
Sempre envolvido com a máfia, Don King acabou migrando para o boxe depois de ser liberado da prisão. Ele conseguiu organizar uma exibição de Muhammad Ali em um hospital e depois acompanhou George Foreman x Joe Frazier na Jamaica. Na volta, organizou um dos eventos esportivos mais importantes do século 20, o duelo em que Ali derrotou Foreman no Zaire (hoje Congo), em 1974.
O sucesso da ousada empreitada fez com que sua ascensão fosse explosiva. Mas sempre com polêmicas. King foi acusado por diversos lutadores de se apropriar indevidamente do dinheiro que seria deles, encarou dezenas de processos e ficou com a fama de ser sujo nos negócios que faz - um gângster, como foi na juventude.
Nos últimos anos, o interesse pelo boxe decresceu, o número de estrelas ficou restrito a Pacquiao, Mayeweather e aos irmãos Klitschko, e King se viu sem grande apelo. Devon Alexander e Tavoris Cloud fracassaram, e o veterano segue atrás de um novo astro, para manter os cabelos espetados e o sorriso aberto nas coletivas, pesagens e lutas.
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