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Lutar com concussão expõe lutadores de boxe a morte, dizem especialistas

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

22/06/2017 04h00

Uma morte e três casos de coma. Este é o saldo do boxe nas últimas duas semanas. Acidente de trabalho na opinião de pugilistas profissionais. Neurologistas têm outra explicação.

Como em todos os esportes de luta, o objetivo do boxe é causar uma concussão no adversário, afirma o professor da Faculdade de Medicina da USP Renato Anghinah. Ele explica que quando o lutador cai ou falam que está grogue é porque este estado foi atingido. O segundo estágio é haver uma contusão ou trauma craniencefálico.

“Concussões repetidas são um risco. A partir da segunda, ocorre a chamada síndrome do segundo impacto. Já existe um processo inflamatório no cérebro. Se ocorre outra concussão, pode haver um edema importante e entrar em coma. Existe ainda a possibilidade de desencadear uma hemorragia".

Lutador morreu no sábado

Foi exatamente uma hemorragia que matou Tim Hague. O peso-pesado que lutava no Canadá sofreu diversas quedas em apenas dois rounds e ainda assim o árbitro não interrompeu o combate. Quando ele foi a nocaute, o oponente, Adam Braidwood, percebeu que a situação era grave.

“Eu vi ainda no ringue. Eu vi a forma como ele caiu. Fiquei esperando de joelhos, torcendo para que Tim se mexesse”.

O caso se enquadra no conceito de segundo impacto explicado por Renato Anghinah. A situação foi a mesma no outro caso registrado no final de semana.

No sábado, o argentino Saúl Peralta passou pela mesma situação. O meio-médios sofreu várias quedas até sair da luta direto para a UTI. A mulher dele informou que o estado é grave e o atleta respira com ajuda de aparelhos. O professor de Medicina tem uma sugestão para evitar estas situações.

“Deveriam mudar a regra. Quando sofrer uma queda, deveriam acabar com a luta”.

Sai capacete, entra sangue

Mas ele ressalta que as regras do esporte vão na direção oposta. O boxe amador usava capacetes, até ser transmitido pela televisão americana. “Por exigências contratuais, pediram para tirar (o capacete) porque não sangra. Para o espetáculo precisava sangrar”.

Renato Anghinah diz que o sangue pelo menos tem um componente positivo. Ele causa comoção e faz o médico exercer seu poder de interromper o combate. Quando não aparece, a luta é prolongada, assim como o risco.

Lista de feridos

Os outros pugilistas em estado grave são: David Whittom, canadense da categoria cruzados que sofreu nocaute no 10º round; e Daniel Franco, peso-pena que foi derrubado no oitavo round em luta nos Estados Unidos.

Médico da Confederação Brasileira de Boxe, Bernadido Santi ressalta que em quase todos os casos houve quedas a partir do sexto round. Ele explica que desta fase da luta em diante os atletas estão mais cansados e o reflexo defensivo diminui.

“O tempo de resposta é mais lento e a exposição maior. Lutas mais longas têm mais lesões e elas são mais graves”.

Ele faz esta observação porque a Associação Internacional de Boxe Amador, entidade a qual faz parte, tem combates com até seis rounds justamente por este motivo. Bernadino diz que mesmo com todo o esforço para proteger os lutadores, não existe risco zero.

“Boxe é esporte de contato. Mesmo com regras protetoras, quando (um soco) atinge a cabeça o cérebro bate no crânio”.