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Caos atual no comando do Santos só expõe crise institucional de décadas

José Carlos Peres antes de Santos x Independiente - Marco Galvão/Fotoarena/Estadão Conteúdo
José Carlos Peres antes de Santos x Independiente
Imagem: Marco Galvão/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Samir Carvalho

29/08/2018 04h00

Há quem diga na Vila Belmiro que o Santos foi desclassificado na Copa do Brasil pois não conseguiu inscrever a tempo Carlos Sánchez e os outros estrangeiros para o jogo de quartas de final. A escalação irregular mesmo após conseguir inscrever Sánchez, por ironia do destino, foi o que também eliminou a equipe alvinegra da Libertadores, após a Conmebol punir o clube com derrota por 3 a 0  para o Independiente no jogo de ida das oitavas de final. 

A frase do técnico Cuca após a eliminação para o Independiente, com derrota nos tribunais e confusão nas arquibancadas, dá o tom do caos atual que vive o clube na parte administrativa. “Eu posso ser mandado embora, mas vou falar. O Santos tem que melhorar muito profissionalmente, internamente, muito, não é pouca coisa não. Isso que ocorreu é um erro muito grave e muito grande, é ‘beabá’ do futebol, de situações. Isso resulta em tudo que aconteceu hoje. O torcedor já veio louco da vida para o jogo. A gente veio sem poder dormir. Precisamos melhorar e muito. Eu quero o bem do Santos”, afirmou Cuca.

A verdade é que estes dois erros recentes da gestão do presidente José Carlos Peres só expõem uma realidade que perdura no Santos há mais de duas décadas – crise institucional e erros de gestões considerados imperdoáveis. E o curioso é que Peres fez escola em todas essas diretorias neste período.

Ele foi coordenador da sub-sede do clube paulista nas gestões de Marcelo Teixeira e Luis Alvaro de Oliveira e gerente de marketing internacional de Modesto Roma, todas elas com os seus casos polêmicos. Na gestão de Modesto, por exemplo, Peres ganhava R$ 35 mil por mês e não fez “nada” para justificar esse salário. Por conta disso, ele foi mandado embora para virar o rival do ex-aliado na eleição. O final desse confronto nós já sabemos.

Os oposicionistas, aliás, alegam que Modesto é o culpado por tudo o que acontece de ruim atualmente na Vila Belmiro, pois não ouviu conselhos de seus aliados – estes o instruíram a manter Peres no cargo com a intenção de evitar um concorrente nas urnas. Mas Modesto subestimou o rival. Vale dizer aqui também que Modesto Roma não foi nenhum santo em sua gestão (longe disso) e vamos explicar isso mais para frente nesta coluna.

Caso Sánchez nos faz lembrar de Giovanni em 2005

Giovanni em 2005 - Fernando Santos/Folhapress - Fernando Santos/Folhapress
Imagem: Fernando Santos/Folhapress

Peres começou a trabalhar com Marcelo Teixeira no mesmo período em que o atual presidente do Conselho Deliberativo cometeu uma falha também envolvendo inscrição de jogador na Libertadores. O caso foi em 2005, quando o dirigente repatriou Giovanni para ser a "cereja do bolo" do time na competição continental. No entanto, uma má interpretação do regulamento expôs a sua diretoria. O “Messias” foi contratado após o jogo de ida contra o Atlético-PR nas quartas de final, pois a diretoria entendeu que poderia inscrevê-lo para o jogo de volta. O então técnico Alexandre Gallo treinou o time com Giovanni como titular, mas não pôde utilizá-lo pois a Conmebol avisou algo que a cúpula alvinegra não sabia: só poderia inscrever reforços no início de cada fase. Neste caso, o Santos também sequer fez uma ligação para saber se poderia escalar o jogador. Partiu da entidade sul-americana o aviso.

Marcelo Teixeira ainda carrega diversas acusações de opositores na época. A principal delas diz respeito aos acordos feitos com a DIS, braço esportivo do Grupo Sonda. Em 2008, quando o clube estava “quebrado” financeiramente, ele cedeu porcentagem de diversos jogadores da base (entre eles, Ganso e André) para que os investidores contratassem gringos medianos: Molina, Sebastián Pinto, Tripodi e companhia.

O caso Neymar é discutível. Ele até convenceu a DIS a comprar a parte dos direitos do jogador para mantê-lo no clube, já que o atual astro brasileiro já havia visitado o Real Madrid e ameaçava ficar por lá. O grande problema envolvendo Neymar faria parte de outro capítulo da política santista.

Laor vende Neymar: negócio mais polêmico da história do clube

Neymar e Laor - Ricardo Saibun/SantosFC - Ricardo Saibun/SantosFC
Imagem: Ricardo Saibun/SantosFC

E aí que começa a gestão de Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro. O Laor, como ficou conhecido, era bom de papo. Inteligente, ele seduziu a todos rapidamente, inclusive a imprensa paulistana, que o achava um inovador. Eu não. Logo no início descobri os “rolos” envolvendo a Teisa, que na calada da noite comprou do Santos porcentagem dos direitos de Neymar. Detalhe: a maioria dos integrantes do então Comitê Gestor de Laor constava na ata de fundação da Teisa, um “belo” conflito de interesses.

Mas o pior ainda estava por vir. Laor convoca a imprensa para anunciar o “fico” de Neymar em meio a uma proposta do Chelsea-ING. Lembro ele dizer na época algo que me arranca gargalhadas até hoje: “vencemos os ingleses por 2 a 0, pois seguramos o Neymar e tiramos o Rodrigo Possebon deles" (volante com passagem apagada pelo Manchester United e que não vingou no Santos).

O anúncio que para a maioria era o início de uma grande virada dos brasileiros contra o assédio dos europeus, me soou estranho por um motivo: pela primeira vez na história se renova o contrato de um jogador e diminui o período do vínculo ao invés de aumentar. De julho de 2015, o vínculo foi reduzido para julho de 2014.

Mas a situação piorou, pois Neymar foi vendido bem antes. Ele saiu "fisicamente" em 2013, mas foi negociado ao Barcelona-ESP dois anos antes. Aliás, o camisa 10 da seleção brasileira disputou o Mundial de Clubes da Fifa, em 2011, com a camisa do Santos contra o Barcelona, já pertencendo ao próprio clube catalão. Tudo isso porque o Laor liberou a negociação em uma carta assinada por ele e por seu departamento jurídico.

Odílio ou Modesto? Difícil saber quem foi pior

Odilio Rodrigues - Ricardo Saibun/Santos FC - Ricardo Saibun/Santos FC
Odílio Rodrigues foi muito criticado pelos acordos com a Doyen
Imagem: Ricardo Saibun/Santos FC

Estes dois últimos presidentes, Odílio Rodrigues e Modesto Roma, fizeram a torcida sentir saudades de Marcelo Teixeira e Laor. Vice-presidente do clube durante a primeira gestão de Luis Álvaro de Oliveira Ribeiro, entre 2010 e 2011, Odílio assumiu a presidência em agosto de 2013, já no segundo mandato de Laor, após pedido de afastamento por saúde do dirigente. Foram muitas passagens polêmicas.

A principal delas envolveu a contratação do centroavante Leandro Damião, em janeiro de 2014, considerado um dos piores negócios da história do clube.

Damião chegou com pompa, comprado com a ajuda do então desconhecido fundo de investimentos maltês Doyen, por 13 milhões de euros (R$ 42 milhões à época), a maior transação do futebol brasileiro.

A contratação, no entanto, não correspondeu e ainda acarretou em uma série de problemas nos bastidores. Além do fiasco pelo fraco desempenho dentro de campo, o Santos acumulou dívidas e viu no ano seguinte a sua principal aposta acionar judicialmente o clube por atrasos de salários.

Leandro Damião - Ricardo Saibun/Santos FC - Ricardo Saibun/Santos FC
Contratação de Leandro Damião é tida como uma das piores da história do Santos
Imagem: Ricardo Saibun/Santos FC

Damião encabeçou uma debandada, em janeiro de 2015, já na gestão de Modesto Roma Júnior, pelo legado do caos financeiro deixado por Rodrigues. O clube perdeu o lateral esquerdo chileno Eugenio Mena, o goleiro Aranha e o volante Arouca, todos titulares. Edu Dracena, hoje no Palmeiras, também chegou a um acordo para deixar a Vila Belmiro e se transferir para o rival Corinthians.

O legado Doyen na gestão Odílio, entretanto, não ficou restrito somente as consequências da vinda de Damião. O ex-presidente ainda pegou empréstimo com a empresa para comprar 40% dos direitos econômicos de Lucas Lima, mas gastou o dinheiro no fluxo de caixa do clube, o que causou revolta do Conselho Deliberativo. Posteriormente, o Santos ficou apenas com 10% do jogador e acabou não o negociando com o futebol europeu, perdendo o seu camisa 10 para o rival Palmeiras.

Por causa de uma dívida com o fundo de investimentos, Odílio Rodrigues ainda vendeu 80% em direitos das revelações do Santos por menos de R$ 7 milhões na reta final de seu mandato no clube, em 2014.

Os direitos foram vendidos da seguinte forma: 25% de Daniel Guedes por 250 mil euros [R$ 811 mil], 35% de Geuvânio por 750 mil euros [R$ 2,4 milhões] e 20% de Gabigol por 1,1 milhão de euros [R$ 3,5 milhões]. No total, o Santos cedeu os direitos dos atletas por R$ 6,7 milhões para pagar parte da dívida relacionada a Damião. A questão estourou em fevereiro de 2015 e revoltou a gestão de Roma Júnior.

Só no último ano, o clube chegou a um acordo para pagamento da dívida com a Doyen, costurado em 2017. O montante, segundo balanço do próprio Conselho Fiscal santista, é de 20,2 milhões de euros (R$ 96,4 milhões), sendo uma entrada de 5,2 milhões de euros (R$ 24,8 milhões), paga no mesmo ano e três parcelas de 5 milhões de euros (R$ 23,8 milhões), em 2017, 2018 e 2019.

Sob a gestão de Odílio, o Santos ainda sofreu com relação ao espaço destinado ao patrocinador máster da camisa, considerado o mais nobre e rentável. No período, o clube fez somente acordos pontuais, o principal foi com a empresa chinesa Huawei, para os últimos jogos de 2014. A ausência gerou um "buraco" no caixa do clube, que teve recorrentes problemas com atrasos de salários e premiações.

O dirigente teve suas contas reprovadas e foi expulso do quadro associativo santista junto com os ex-integrantes do Comitê Gestor. Em julho do último ano, eles foram reintegrados após pedirem pela anulação da decisão na justiça.

Modesto e o problema com empresários

Modesto Roma - Ivan Storti/Santos FC - Ivan Storti/Santos FC
Ligação com empresário Luiz Taveira foi muito criticada na gestão Modesto
Imagem: Ivan Storti/Santos FC

Além da debandada de atletas, os problemas de Odílio acarretaram aos primeiros dias de gestão de Modesto Roma Júnior dívidas até mesmo com uma floricultura da cidade, além de luz e telefones cortados. O dirigente, no entanto, também ficou marcado por problemas acarretados por falta de pagamentos, principalmente envolvendo os técnicos de sua gestão: Enderson Moreira, Dorival Júnior e Levir Culpi. Todos eles acionaram o clube alegando questões trabalhistas e pendências nos pagamentos. Levir, por exemplo, pede R$ 4 milhões. A pedida foi julgada parcialmente procedente, com quase R$ 1,7 milhão em cálculos favoráveis ao treinador.

Dorival pediu aproximadamente R$ 3,5 milhões alegando uma série de atrasados como férias, 13º salário e bonificações. O clube já reconheceu uma parte da dívida e as partes se encontram para nova audiência em outubro. Enderson é o caso mais encaminhado. Apesar de ter sido contratado pela gestão de Odílio, acabou demitido com Modesto Roma Júnior. O treinador recebeu sentença favorável e deve receber acima de R$ 2 milhões. O processo está em fase de cálculos.

Modesto também teve a sua gestão marcada pelo empréstimo feito com o empresário Giuliano Bertolucci, justificado na ocasião como rentável para o clube devido as taxas serem inferiores as dos bancos. O valor do empréstimo, R$ 6,6 milhões de acordo com o Conselho Fiscal santista, foi citado nas contas do clube de 2017, reprovadas pelo Conselho Deliberativo. O dirigente ainda deu garantias sobre "fatias" de atletas.

Modesto assumiu em janeiro de 2015 e precisou lidar com as ações, ainda legado da diretoria encabeçada pelo presidente Odílio Rodrigues. Na ocasião, logo na reapresentação dos jogadores para a pré-temporada, o mandatário reuniu todo o elenco para assumir o compromisso de quitar a dívida pendente até o fim de março e não atrasar novos salários à frente do clube. Sem conseguir cumprir integralmente o projeto, iniciou-se um novo período de atrasos e renegociações que passaram durante toda a sua gestão.

Modesto ainda foi acusado de ter "empresário de aluguel", priorizando negócios somente com um agente, e também sofreu acusações de compras de votos. A suspeita se baseou em reportagem da ESPN, publicada em novembro de 2017, que apontou que o clube recebeu mais de 2 mil associados entre novembro e dezembro de 2016, período próximo do limite estabelecido para que possam ser eleitores no pleito alvinegro.

Segundo a matéria, a adesão em massa beneficiaria Modesto Roma, atual presidente e candidato à reeleição. A matéria da ESPN dizia que, em apenas 17 dias, entre 23 de novembro e 6 de dezembro de 2016, o Santos ganhou precisamente 2.098 novos associados. Estes já seriam votantes no próximo pleito. O número levantou desconfiança por ser superior aos meses de julho a outubro somados, além de ter recebido uma série de adesões em dias iguais. A média mensal era de 462 pessoas antes.

A reportagem da ESPN ainda apontou a participação do empresário Luiz Taveira, o mais influente dentro do Santos na gestão de Modesto. De acordo com os levantamentos, de 23 a 29 de novembro, quatro parentes de Taveira se associaram ao clube junto com mais pessoas, mas utilizando os mesmos endereços.

Gestão de Peres sofre excesso de escândalos em meio ano

José Carlos Peres e Orlando Rollo - Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC - Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC
José Carlos Peres e vice Orlando Rollo já trocaram farpas publicamente
Imagem: Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC

Mas foi na gestão de Peres que o clube deixou de vez de virar notícia de esportes para figurar até nas páginas policiais. O caso de Carlos Sánchez é apenas o estopim de uma gestão que coleciona polêmicas. O clube foi punido pela Conmebol pela escalação irregular do uruguaio contra o Independiente, pelo jogo de ida das oitavas de final da Libertadores. Com a decisão, o placar de 0 a 0 na partida de ida foi alterado para 3 a 0 para o Independiente, culminando na eliminação na noite da última terça-feira com empate sem gols no Pacaembu. 

Se não bastasse isso, a gestão é marcada por racha político, aumento das dívidas, novos atrasos e, principalmente, polêmicas. Tudo isso em apenas oito meses de comando do principal mandatário santista.

O principal caso, sem dúvida, envolve Ricardo Marco Criveli, o Lica, então responsável por coordenar a equipe de análise de atletas nas categorias de base do clube. Lica virou alvo de inquérito da polícia por pedofilia. Pesou contra Peres o fato de Lica ser seu antigo sócio na empresa Saga Talent Sports & Marketing.

Em poucos meses, Peres foi alvo de dois pedidos de impeachment, todos protocolados por conselheiros oposicionistas, acentuando ainda mais o caos político. A representação foi fundamentada com embasamento jurídico e com base em diversas reportagens e documentos oficiais do governo brasileiro, a infração estatutária cometida pelo presidente, envolvendo as empresas "Saga Talent" e " e "Peres Sports & Marketing", e seus sócios em ambos os negócios que podem possuir relações empregatícias e judiciais com o Santos.

O outro pedido de impedimento fala das questões das empresas, mas junta a denúncia da Hi-Talent e os problemas apontados no relatório do 1º Trimeste de 2018. O autor é o conselheiro Alexandre Santos e Silva. A votação ainda não ocorreu devido a uma briga judicial entre as partes. Recentemente, o mandatário teve liminar que travava o processo "caçada" na última sexta-feira.

Peres foi eleito em dezembro após aliança com outra corrente política do clube, liderada por Orlando Rollo. Os dois, porém, já não se entendem e já trocaram farpas públicas em diversas oportunidades.

O "racha" começou logo na transição, quando o grupo de Rollo se sentiu desprestigiado na divisão das funções e "jogado de escanteio" na gestão. O vice-presidente ameaçou pedir licenciamento do cargo.

Orlando Rollo e companhia também alegam que José Carlos Peres ficou enciumado com a relevância que a imprensa e torcida empregam ao vice-presidente. Segundo eles, Rollo foi proibido de conceder entrevistas sob a alegação de que só o presidente falaria em nome do clube. Peres diz que não proibiu o vice-presidente, mas que o Conselho Gestor o escolheu para ser o único porta-voz do clube em relação aos jornalistas.

Peres foi muito criticado, também, por suas decisões que envolveram diretamente o futebol profissional. Ele demitiu o diretor executivo de futebol, Gustavo Vieira, com somente dois meses de trabalho. As mais recentes envolvem o técnico Jair Ventura. O treinador foi demitido, para a surpresa de muitos, após o dirigente conceder todo o tempo de preparação para Copa do Mundo a Ventura. Poucos jogos após a volta, ele deixou o clube.

O Conselho Fiscal tem pesado sobre as decisões de Peres. A viagem ao México para dois amistosos, por exemplo, é questionada pelo fato de não ter gerado retorno financeiro ao clube. Até doping por cocaína “caiu” na gestão de Peres, já que Diogo Vitor foi flagrado no antidoping e está suspenso do futebol pela Fifa.

Para finalizar, a notícia divulgada na última segunda-feira de que o clube acumulou R$ 44 milhões em dívidas nos primeiros seis meses de mandato do atual presidente e a triste constatação do parecer divulgado pelo Conselho Fiscal: o dinheiro da venda de Rodrygo por 45 milhões de euros ao Real Madrid não ficará muito tempo nos cofres do clube.

"A receita com a venda de nosso principal jogador já está totalmente comprometida para cobrir despesas recorrentes", aifrmou o relatório.

As cenas dos próximos capítulo ainda incluem a votação do impeachment de Peres no início de setembro. O clube onde muitos dizem que caem tantos "raios" dentro de campo, sofre para crescer pelas tempestades fora dele.

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