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Fernando Diniz reacende a eterna utopia que ronda o futebol brasileiro

Napoleão de Almeida - Thiago Ribeiro/AGIF
Napoleão de Almeida
Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF
Napoleão de Almeida

02/09/2018 04h00

"Não entendo por que vocês da mídia dão tanto espaço para o Fernando Diniz", me escreveu um torcedor no Twitter, quando anunciei que o ex-técnico do Atlético Paranaense iria participar de um programa de entrevistas/debates no Bandsports, casa em que trabalho além do UOL Esporte. Não o respondi lá, mas isso ficou me martelando a ponto de puxar essa crônica, na qual tentarei explicar: Diniz é, parafraseando um líder político brasileiro, uma ideia.

O problema: Diniz é mais uma ideia do que efetivamente uma prática viável. É uma utopia.

Primeiro, é preciso desmistificar uma coisa: o Atlético de Fernando Diniz, o primeiro grande clube que ele comandou, não jogou bem na maioria dos jogos que fez. Existem várias razões para tanto. Ele próprio apontou algumas. "Foi um time que encantou. E a gente teve, pela mudança, a gente não conseguiu estabelecer nas relações humanas, saber como lidar com aquele momento. Foram elogios exagerados. (...) Teve muito jogo que a gente jogou bem e o resultado não aconteceu, e aí veio uma crise de confiança e a gente não conseguiu sustentar", argumentou, sobre a fase de derrotas.

Diniz se defende citando o jogo mágico contra o Newell’s Old Boys, quando o Atlético fez 3 a 0 em um primeiro tempo digno de Barcelona, com mais de 15 finalizações e mais de 70% de posse de bola. A partir dali a coisa esfriou. "A gente teve um mês muito ruim, mas se eu tivesse continuado, a gente melhoraria", afirmou, idealizando que poderia recuperar o ânimo da equipe. Só que a fase englobou uma série de 9 jogos sem vitórias, seguida de outra, após uma vitória sobre o Santos, com mais 7 partidas sem vencer. Um time frágil, vice-lanterna, rumo ao rebaixamento.

Aí mora uma das utopias de Diniz: mesmo se considerarmos que a atuação contra o Newell’s tivesse sido um padrão, não há técnico ou clube que resista a 16 jogos sem vitórias. O Atlético já é um "outsider" em sua caminhada. Já é um clube que não tem – e até justificou a aposta em Diniz com isso – o mesmo poder de Corinthians e Flamengo, por exemplo, para brigar em cima. O espaço para erro é próximo a zero.

E o histórico de Diniz também não é inspirador. A despeito do vice-campeonato paulista em 2016 com o Audax, o mesmo Audax veio a ser rebaixado no Paulista seguinte em suas mãos, depois de um quase rebaixamento com o Oeste na Série B em 2016. Por outro lado, Tiago Nunes, 38 anos, já emplaca oito jogos sem derrotas com o Furacão, antes do jogo contra o Bahia.

Fernando Diniz no Audax - Mauro Horita/AGIF - Mauro Horita/AGIF
Fernando Diniz chegou à final do Paulista com Audax, mas quase foi rebaixado no ano seguinte
Imagem: Mauro Horita/AGIF

Mas voltemos a utopia, sem esquecer o ponto acima citado.

O que se busca em Diniz é o que se busca para explicar a derrota da seleção brasileira de 82 na Espanha. É aquele time mágico, encantador, que seja também vitorioso. Foi uma ideia de jogo que manteve a seleção como refém até 1994 e que volta a ser discutida hoje, quando se vê o "jogo bonito" se destacar em Espanha e Alemanha – o contraponto foi o jogo pragmático da França campeã mundial neste 2018.

E aí voltamos ao ponto acima, para falar do encantamento sobre Fernando Diniz: com Tiago Nunes, o Atlético também busca ser “propositivo”, o termo da moda para a equipe que domina o jogo na maior parte do tempo. Mas não busca a posse de bola com a mesma obsessão. É mais agressiva, é mais contundente e é mais segura. Não é exatamente reativa, especialmente nos jogos em casa.

É uma discussão que andou pela Alemanha quando o Bayern trocou Jupp Heynckes por Pep Guardiola. O jogo “furioso” do Bayern de Heynckes, com uma equipe veloz e que partia para cima, agradava muito mais aos alemães que o jogo cadenciado de Guardiola. Hoje, no City, Guardiola consegue unir as qualidades das ideias.

Foi então que questionei Diniz se ele não teria um mea-culpa a fazer, imaginando se não poderia recuar um pouco a linha de defesa, que estava exposta com três zagueiros, compondo com quatro defensores como hoje faz Nunes. “Eu tenho que melhorar a minha ideia de jogo, mas não um mea-culpa”, foi o que ouvi, “Talvez no Brasil só eu tenha essa mania de ser propositivo”, projetou, esquecendo do Grêmio de Renato Gaúcho, e ainda rebateu:

"Quando vem as derrotas, aí vem as críticas que você está sugerindo. E um negócio que poderia ser muito bom, que a gente tem que lidar com esse sistema, que é em cima do resultado, e acaba fragilizando. Porque não sou só eu. Tem os jogadores que ouvem e que acontece tudo isso. Quando a gente está falando da imprensa, de uma maneira geral, quer mudança, mas ao mesmo tempo não quer mudança. O Atlético está de parabéns pelo que está fazendo agora. Tiago está fazendo um excelente trabalho, porque é um excelente técnico. Mas a maneira de jogar é muito parecida com a que joga o Corinthians, com a que joga o Flamengo... mas não é a minha maneira de jogar".

Aqui mora o maior perigo. Ao atribuir as críticas a uma volatilidade da imprensa, Diniz esqueceu como essa mesma imprensa (na qual me incluo) comprou o sonho dele, querendo ver a seleção de 82 ou o Barcelona usando rubro-negro, falando português e tendo Nikão na vaga de Zico ou Messi. De “Casamento do Ano” a “jogo bonito”, ninguém poupou elogios nos bons momentos. Quase ninguém: de todas as vozes, de todos os analistas, só me recordo de ouvir o colega Fábio Piperno alertando: “Calma, que eu já vi isso mais de perto que você”. Mais do que as derrotas, o que colocou Diniz em xeque foram as atuações.

Sem mea-culpa, Diniz seguirá sendo uma utopia. E ele ainda tem lenha para queimar, mesmo que o mercado tenha sido reticente. No período desde que saiu do Atlético, foram demitidos técnicos no Santos, no Vasco, no Palmeiras; nenhum clube o cogitou, mas todas as torcidas imaginaram a possibilidade. A ideia ainda é muito viva, a utopia ainda é atraente. Mas, para materializá-la, é preciso dar um passo atrás. “Eu não vou mudar. Vou melhorar aquilo que estou fazendo. E se você me perguntar, o Atlético ainda é a equipe que tem mais calma para sair jogando. Você estabelecer relações humanas que queiram lutar contra o sistema. Isso é complicado”, me disse na insistência no tema.

Por fim, é importante pontuar: o futebol é um esporte que recompensa os gols marcados. Não se trata de ser baseado em resultados; é possível que Diniz dirija uma equipe mais talentosa no futuro, conte com um Neymar para tirá-lo de um sufoco de placar, mas é preciso que seus times não sucumbam moralmente como aconteceu com o Atlético e, principalmente, sejam mais objetivos. E ele precisa evitar isso como tem evitado reconhecer de público onde a ideia que encantou muita gente tem falhado.

“Não sou fincado no resultado. Dói, é sofrido, eu queria estar trabalhando, mas eu tenho uma ideia. Mas a minha ideia não muda de abril pra maio”, me disse por fim. Dezembro se aproxima e com ele um novo ciclo. Boa sorte, Diniz.

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