Topo

Coluna

Campo Livre


Campo Livre

Rildo ou Malcom, o futuro disse para Tite quem foi melhor

Dassler Marques - Buda Mendes/Getty Images
Dassler Marques
Imagem: Buda Mendes/Getty Images
Dassler Marques

03/09/2018 04h00

Pode parecer piada, afinal foram só 3 minutos, e então passou quase despercebido. Mas, em setembro de 2015, Tite barrou Malcom no Corinthians para escalar Rildo. Sensação ao ser lançado por Mano Menezes na temporada anterior, com 17 anos, o garoto não se adaptava bem ao jogo de muito desgaste que Tite solicitava a seus ponteiros. A solução foi o banco de reservas, mas o destino ajudou o treinador que reinicia seu ciclo com a seleção na próxima semana: Rildo se lesionou no começo do jogo, Malcom entrou e só saiu para ser vendido ao Bordeaux três meses depois. 

Esse episódio seria quase banal se fosse único, ou se Tite não precisasse lidar com uma de suas maiores dificuldades em uma carreira indiscutivelmente vitoriosa. Com a mesma facilidade que empilhou troféus, ele mostrou dificuldades em trabalhar com projeções para o futuro de jogadores jovens que treinou. Para chegar ao Qatar com uma seleção no auge da forma física e técnica, gerir o crescimento de cada um será algo fundamental no elenco. 

Um caso em que a dificuldade de Tite em projetar o crescimento veio à tona, e o incomoda muito até hoje, envolve Marquinhos. Melhor zagueiro brasileiro da última temporada europeia e reserva dos incríveis Miranda e Thiago na Rússia, ele também não seduziu muito o treinador quando saiu como revelação da Copa São Paulo 2012 para jogar nos profissionais do Corinthians. 

Publicamente, Tite costuma dizer que se empolgou quando viu o garoto de 17 anos recuperar bolas impossíveis e dar carrinhos altamente técnicos naquela final contra o Fluminense. Que o colocou para jogar contra o Santos e ele fez um jogo de manual contra Neymar. Na prática, a verdade é que duvidava de que ele pudesse se tornar zagueiro, porque era muito baixo, e concedeu mais oportunidades em outras posições [lateral e volante]. 

Quando Paulinho se preparava para ser vendido e o Corinthians viu um buraco no meio-campo, Tite foi consultado pelos dirigentes [que, como de praxe no clube, estavam doidos para vender] e autorizou a transferência de Marquinhos para a Roma. O combinado é que a negociação permitiria ao clube adquirir Guilherme Torres, volante sensação da Portuguesa que não emplacou no Parque São Jorge e não deslanchou na Europa. Os zagueiros corintianos da época eram Paulo André, Chicão e Wallace. Tite abriu mão de Marquinhos. 

Essa história é mais conhecida, mas não é a única em que ficou flagrante a dificuldade do treinador da seleção brasileira em mensurar o potencial de um jogador. Casemiro ainda era uma promessa rebelde do São Paulo, mas já identificado por scouts de clubes europeus como um dos maiores potenciais da posição. Forte, inteligente, técnico, dono de uma bola longa para causar inveja nos lançadores do passado, vivia seus momentos de pouco cuidado com o corpo e a carreira. Naquele momento, Tite não soube separar o joio do trigo. 

Em conversas com colegas de Corinthians, dizia que faltava torque, mudança de direção para aquele que se tornou provavelmente o melhor primeiro volante do futebol mundial. Tite admirava, sim, a qualidade técnica de Casemiro. Mas imaginava que essa limitação física – muito mais momentânea que inata – não permitiria ao então são-paulino se tornar um jogador de time grande. 

Os primeiros treinadores de Casemiro na Europa, para a sorte dele, pensaram diferente. Principalmente Lopetegui, que ajudou a liderar uma transformação pessoal e fez uma lapidação de fundamentos para que o volante crescesse. Algo que Tite teve dificuldade em fazer com Malcom, naquela época em que foi barrado para dar lugar a Rildo. Um tempo de muitos sacrifícios pela beirada do campo e o único momento, em anos, em que o jogador canhoto, talhado a atuar como ponta direita, foi escalado pelo lado oposto. 

No Corinthians, uma brincadeira que se popularizou entre muitos funcionários é que Tite é o treinador perfeito para ganhar títulos. Mas Mano Menezes é o melhor possível para identificar jogadores no mercado e na base. Não à toa, além de Malcom, ele também promoveu Guilherme Arana aos profissionais do clube com só 16 anos. Como você deve imaginar, as oportunidades com Tite não foram tão fáceis para o segundo lateral mais caro que o futebol brasileiro já vendeu para a Europa na história. 

No intervalo de Corinthians x Sport, com o titular Uendel lesionado, Tite conversou com os auxiliares se deveria, de fato, dar uma primeira chance a Arana. Naquela altura, o treinador já havia nos meses anteriores improvisado o zagueiro destro Yago e o lateral direito Edílson na posição. Este, no Beira-Rio, à esquerda, tomou um drible da vaca do beque colorado Paulão em um gol do Inter. Arana entrou, enfim, cresceu e teve em 2017 a melhor temporada de um jogador da posição do clube desde Kleber. 

A primeira convocação de Tite pós-Copa do Mundo mostra que ele ainda despreza potencial de evolução de atletas e prioriza rendimento, mesmo com o objetivo final de seu trabalho só daqui quatro anos. É evidente que os resultados e a estabilidade são fundamentais para uma renovação gradual, mas a escolha por Willian ao invés de Vinícius Jr, David Neres, Malcom ou Richarlison (depois chamado) mostram um "resultadismo" exagerado para quem vai enfrentar Estados Unidos e El Salvador. 

Principal lacuna da relação de 23 jogadores do Brasil na Rússia, a falta de um centroavante de ofício no grupo de Tite é fruto dessa mentalidade de curto prazo que ronda muitos treinadores. Em seu ciclo de dois anos, Dunga apostou em nomes sobre os quais se poderia prever, com tranquilidade, um declínio de nível internacional até 2018. Casos de Diego Tardelli, Ricardo Oliveira e Jonas – ou de Diego Souza, infeliz aposta de Tite em quatro convocações.

Campo Livre