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O drama do canhoto

Adriano Imperador pelo Flamengo em 2010 - Caio Guatelli/Folha Imagem/Folhapress
Adriano Imperador pelo Flamengo em 2010 Imagem: Caio Guatelli/Folha Imagem/Folhapress
Leandro Ramos

13/11/2018 20h18

Toda criança que chuta com a perna esquerda sabe que no Brasil o canhoto medíocre sofre muito preconceito. Desde pequeno, quando frequentei a escolinha do Marcelinho Carioca no campo do Balança Roseira em Jacarepaguá, minha sina foi sempre a mesma, quando eu dizia que era canhoto me colocavam pra jogar na lateral esquerda. Logo eu, que nunca fui exatamente um marcador veloz e sou uma mistura de Adriano Imperador com Souza Caveirão e uma pitadinha de Dimba, me via obrigado a acompanhar os laterais magros e ágeis que faziam a festa na avenida que eu deixava na defesa em vez de trabalhar lá na frente marcando gols, meu talento natural. Eu era odiado pelo time todo, mas como era o único canhoto, era titular absoluto, para desespero dos meus companheiros de equipe.

Porque no futebol infelizmente é assim, se você é canhoto ou você é habilidoso o bastante pra galgar uma ponta esquerda ou uma meia esquerda, ou você vai precisar aprender a jogar de lateral se quiser uma vaguinha no time. Acho que a culpa disso é do passado glorioso de tantos craques habilidosos como Gerson Canhotinha de Ouro, um Zagallo, um Djalminha, um Sávio, mas a verdade é que todo canhoto esforçado sabe do que eu estou falando. Quando você chega na pelada e diz que é canhoto, quem tá tirando o par ou ímpar já cresce o olho em você porque segundo a crença popular, canhoto ou é muito bom ou é muito ruim, não tem canhoto mediano. E minha teoria é de que todos nós, canhotos medianos, somos jogados para a lateral quando criança, o que acaba prejudicando nosso desenvolvimento enquanto atletas de nível médio nas demais posições.

Veja o caso do Adriano Imperador, ele foi lateral durante grande parte das categorias de base, apenas por ser canhoto, tenho certeza. Se Adriano não fosse o gênio que é, teria tido uma carreira medíocre como lateral por puro preconceito dos técnicos e talvez jamais se firmasse no Flamengo.

Outro preconceito que o canhoto sofre é com a fama de fominha. Pelo menos em Jacarepaguá, área onde atuei pelos mais diversos gramados (e campos de terra batida), sempre que dizia que eu era canhoto me falavam pra não prender a bola. Logo eu, que sou capaz de perder gols incríveis com pouquíssimos toques na bola, um pereba econômico que nunca foi fominha. Meu pai foi um grande zagueiro, não herdei esse talento futebolístico todo de papai, mas se tem uma coisa que ele me ensinou e levei pra vida é a máxima "meu filho, no futebol, quem corre é a bola e não o jogador." Sábias palavras de senhor Evandro, que foi zagueiro titular absoluto do Politheama, time do Chico Buarque, por mais de vinte anos e que reza a lenda, parou Afonsinho num jogo. Ele mesmo, o revolucionário do passe livre, perdeu muita disputa de bola pro meu pai.

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