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O japonês que venceu em Boston é mais parecido com você do que parece

O japonês Yuki Kawauchi venceu a Maratona de Boston de 2018 - Brian Snyder/Reuters
O japonês Yuki Kawauchi venceu a Maratona de Boston de 2018 Imagem: Brian Snyder/Reuters

Alexandre Sinato

Do UOL, em São Paulo

18/04/2018 04h00

Um dia é o frio, outro dia é uma dor de barriga. A preguiça também é implacável. Aí surge um compromisso social que parece inadiável e pronto, “longão” ameaçado. Ter uma rotina “normal” e se preparar para uma maratona já é um desafio tão grande quanto chegar no grande dia e percorrer os 42km. Mas encarar tudo isso e ainda deixar atletas de primeiro nível para trás em uma das principais maratonas do mundo é algo quase incompreensível.

Por isso, Yuki Kawauchi é mais que um fenômeno. A vitória desse japonês, um corredor amador de 31 anos, na Maratona de Boston, segunda-feira, desperta curiosidade, inquietação e níveis elevados de inspiração. Como esse funcionário público, sendo amador como tanta gente, conseguiu isso?

Pois saiba que Kawauchi é mais “normal” do que você imagina. Sabe como ele se define? Como uma pessoa que desanima facilmente. Sim, o maratonista que venceu Boston, corre sem treinador, faz academia em casa e trabalha em uma escola desanima facilmente.

A conta parece não fechar. Aos 31 anos, ele tem 79 maratonas sub-2h20min na carreira (um recorde mundial) e ainda assim diz que enfrenta batalhas mentais para achar a motivação diária para treinar. Kawauchi não esconde seu segredo: ele não tem vergonha de fazer longas corridas no fim de semana em ritmo lento.

Yuki Kawauchi - Brian Snyder/Reuters - Brian Snyder/Reuters
Imagem: Brian Snyder/Reuters

Seus “longões” muitas vezes chegam a 50km ou 100km (isso, sim, um diferencial) em um ritmo que muito amador conseguiria acompanhar. Ele explica que faz isso para ter a confiança de que suas pernas aguentarão bem os 42km da maratona, mesmo quando as dores aparecerem.

“Os atletas que correm perto de mim não fizeram treinos de 100km, então sei que serão as minhas pernas que aguentarão ficar em movimento quando as coisas ficarem difíceis. Isso ajuda muito uma pessoa como eu, que tende a desanimar facilmente”, explicou ele num longo artigo que traz suas visões sobre treino e corrida.

Sim, as pernas de Kawauchi também doem. A diferença é que, no fim do mês, ele corre 400km a menos que os profissionais, em média. Isso permite uma agenda cheia de maratonas ao longo do ano. Em vez de ficar obcecado em recordes, Kawauchi direciona sua felicidade para o combo “disputar maratonas e viajar”.

Kawauchi também tem um conselho para estreantes em maratona: correr sem pensar em tempo. Para ele, na primeira vez, o importante é cruzar a linha de chegada com a conclusão de que os 42km são divertidos.

Isso tudo vem de um funcionário público que fez 12 maratonas no ano passado. Isso mesmo, uma por mês, em média. E todas (TODAS!) abaixo de 2h20min. Correr uma maratona em 2h20min significa manter um pace médio abaixo de 3min20/km. Fazer treinos de tiro nesse ritmo não é fácil. Pois ele corre nesse ritmo, mensalmente, em maratonas.

Outro fator surpreendente: a frequência de treinos dele é mais parecida com a sua (caso você seja um amador) do que com a dos africanos que ele superou em Boston. Kawauchi só corre uma vez por dia. No fim de semana, quando está de folga do trabalho, o japonês faz o seu treino longo. Nada mais típico para um amador. A diferença é que ele gosta de passar dos 42km nos longões.

No fim do mês, em média, ele corre 400km a menos que os maratonistas profissionais. Sem nutricionista, suporte de última geração e um treino baseado em suas experiências, Kawauchi venceu a Maratona de Boston. De segunda a sexta-feira, porém, ele trabalha oito horas diárias em uma escola de Saitama. Mais do que estudar suas pernas, talvez valha vasculhar a mente desse japonês. Porque ele é mais parecido com você do que parece.