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Sochi tem sua versão do "Não vai ter Copa", que cobra genocídio de 150 anos

Bruno Freitas

Do UOL, Em Sochi (Rússia)

11/02/2014 06h00

Enquanto um esboço de levante de rua já esquenta o Brasil meses antes da Copa da Fifa, o outro grande evento esportivo do ano também enfrenta uma rejeição local. Um grupo organizado conhecido como "No Sochi" promete protestar sem parar durante a Olimpíada de Inverno na Rússia, em contrariedade ao uso do território que um dia foi palco de um genocídio, segundo os manifestantes.

O movimento representa o povo circassiano, grupo étnico que batalha o reconhecimento internacional dos 150 anos do genocídio de seus antepassados.  No episódio em questão, que teve a sede olímpica como palco central, 90% dos circassianos teriam sido mortos ou deslocados a mando do Czar Alexandre II (estima-se que entre 1 e 1,5 milhão tenham perdido a vida).

Segundo os circassianos, as montanhas de Krásnaya Polyana (Clareira Vermelha), onde acontecem as competições ao ar livre em Sochi, recebe seu nome pelo sangue derramado durante a batalha entre seu povo e o exército czarista.

O ativismo circassiano se define como “não violento”. O engajamento se dá basicamente por iniciativas de marketing puro. Por exemplo, o movimento "No Sochi" promete entregar kits sobre o genocídio para todas as delegações envolvidas na Olimpíada. O grupo ainda tem abordado grandes veículos de mídia de Estados Unidos e Europa em busca de espaço e, recentemente, comemorou a menção da causa em um discurso no parlamento americano. Mas os atos de rua devem se restringir a ativistas no exterior.

UOL Esporte conversou com Dana Wojokh, integrante do pelotão de frente do "No Sochi". Segundo a ativista, a realização da Olimpíada na região é entendida pelos circassianos como uma comemoração provocativa pelos 150 anos do episódio na cidade. Confira a entrevista:

UOL Esporte: Como você define a campanha e como ela começou?

Dana Wojokh: A oposição circassiana à Olimpíada começou quando Sochi era ainda candidata. A organização circassiana enviou cartas ao Comitê Olímpico Internacional detalhando Sochi como terra do genocídio circassiano, e organizar os jogos em 2014 é como celebrar o 150º aniversário disso. Desde a escolha de Sochi, circassianos começaram a se manifestar ao redor do mundo, todos unidos pelo "No Sochi 2014 Committee". A maior manifestação foi feita durante os jogos de Vancouver em 2010.

UOL Esporte: Você acha que a comunidade internacional que veio aos Jogos está ciente da história do genocídio do povo Circassiano? Eles ligam para isso?

Dana Wojokh: Grande parte da comunidade internacional não tem conhecimento da verdadeira história de Sochi. No entanto, por anos, o aspecto dos jogos vem sendo discutido em âmbito acadêmico. Na reta final antes dos jogos mais mídia do Ocidente vem levando o assunto a um público maior.

UOL Esporte: Você acha que os bilhões de euros gastos na preparação para a Olimpíada vão deixar algum legado para o povo da região?

Dana Wojokh: Os bilhões gastos pelo governo vão beneficiar poucas pessoas. Eu acho que o dinheiro poderia ter sido investido em outras iniciativas no resto da região do Cáucaso, ou então ter sido gasto para trazer de volta o povo circassiano preso no conflito da Síria. Se a Rússia quisesse inspirar boa vontade na região do Cáucaso, e mostrar ao mundo que é uma nação que assiste causas humanitárias, esta teria sido a melhor maneira de se comportar.

UOL Esporte: O movimento alerta para o risco de catástrofe ambiental na região. O que você acha que pode acontecer?

Dana Wojokh: A Olimpíada de Sochi foi construída sobre uma área de herança mundial da Unesco, onde fauna e flora únicas vivem. A construção de qualidade inferior e o inacreditável desperdício irrevogavelmente prejudicaram o meio ambiente em Sochi.

UOL Esporte: O movimento planeja que tipo de atividades durante os Jogos?

Dana Wojokh: O "No Sochi 2014" é coordenado entre uma série de organizações circassianas e outros grupos ao redor do mundo. Nos mobilizamos para um protesto unificado durante a cerimônia de abertura na sexta-feira, com atos em Nova York, Moscou, Londres, Amã, Istambul e Berlim. No final de semana grupos e ONGs ligadas ao movimento participaram de ações pela Turquia em oposição à Olimpíada em Sochi.

*a organização dos Jogos de Sochi informa que não restringe nenhum tipo de manifestação durante o evento, mas ressalta que eventuais protestos devem obedecer designações de locais do ministério do Exterior russo.