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Saque e Voleio

Rafa Nadal, novamente implacável

Alexandre Cossenza

11/09/2017 00h56

Enquanto Rafael Nadal esteve aquém de seu melhor tênis, o Estádio Arthur Ashe foi especialmente cruel com o espanhol. Foi lá, em 2015, que pela única vez na carreira em um slam Nadal abriu 2 sets a 0 e acabou derrotado. Foi duro para o então bicampeão do torneio ver Fabio Fognini sair comemorando depois de jogar em um belo nível e não conseguir mostrar a solidez de sempre para fechar um jogo. Naquela noite, Nadal teve seu serviço quebrado quatro vezes no quinto set.

O revés de 2016 foi tão ou mais duro. Nadal encarou Lucas Pouille em outro jogo que se arrastou até o quinto set. O francês teve 2 sets a 1 de vantagem, mas o espanhol parecia perto da vitória quando abriu 4/2 na parcial decisiva. Pois Nadal não só perdeu a vantagem como mais tarde, no tie-break, errou um forehand nada difícil com o placar em 6/6. Cedeu o match point e foi eliminado no ponto seguinte.

Duas derrotas doídas com um elemento em comum: Nadal mostrava uma vulnerabilidade raramente (ou nunca) vista. Todos sabiam que em 2015 e 2016 seu tênis não era dominante como até o início de 2014, mas ainda assim era estranho ver um multicampeão ser superado em momentos que costumava manipular rivais.

Pois o Nadal de 2015-16 nem passou perto do Ashe em 2017. Sempre que foi ameaçado, respondeu à altura, com um tênis inalcançável. Foi assim contra Taro Daniel e Leo Mayer, ainda na primeira semana, e mais tarde contra Juan Martín del Potro, nas semifinais. Nesses três jogos, o espanhol perdeu o primeiro set. Nesses três jogos, venceu as parciais seguintes por 6/3, 6/2, 6/2, 6/3, 6/1, 6/4, 6/0, 6/3 e 6/2.

Foi um Nadal muito mais perto daquele que o mundo se acostumou a ver desde 2005. Um tenista incansável, que encontra saídas quando está perdendo e não abre frestas quando está à frente. Alexandr Dolgpolov, Andrey Rublev e Kevin Anderson experimentaram desse veneno. Venceram, juntos, 22 games em nove sets. O mesmo Nadal que deram por acabado em 2009, 2012, 2015 e 2016 voltou a Nova York em grande forma. Voltou a ser implacável, impenetrável, insaciável, indomável. Voltou para ser tricampeão.

A decisão

A final deste domingo foi o que todos esperavam. Não só no resultado como no plano tático. Enquanto Anderson tentava tudo buscando aces e arriscando atrás de winners em pontos curtos, Nadal se plantava no fundão para devolver os serviços e levava a vantagem na maioria dos ralis. Desta vez, diferentemente do que aconteceu na semifinal, não foi preciso um plano B. A estratégia original deu certo deste o começo, auxiliada por uma ótima jornada de Nadal com seu próprio serviço.

Anderson não tinha muito de onde tirar. A superioridade de Nadal no fundo era imensa. O sul-africano até tentou subir à rede mais vezes, mas logo ficou claro que não seria a solução. Primeiro porque a bola de Nadal é mais difícil de volear do que a maioria, já que chega à rede cheia de spin, afundando, e depois porque o golpe junto à rede precisa ser excelente para impedir uma defesa (ou uma passada) do espanhol.

Logo, o número 1 do mundo não precisou sair de sua zona de conforto. Cometeu apenas 11 erros não forçados o jogo inteiro. E, como se quisesse (ou precisasse) mandar um recado sobre sua capacidade em quadras duras, fechou a partida num saque-e-voleio. Game, set, match, Nadal: 6/3, 6/3, 6/4.

No ranking:

Com a conquista deste domingo, Rafael Nadal chega a 9.465 pontos no ranking. Ele abre 1.960 pontos de vantagem sobre Roger Federer, que tem 7.505. No início do torneio, vale lembrar, o suíço tinha chances de alcançar a liderança. Agora terá de correr atrás, mas ainda há muito em jogo. Faltam dois Masters e um ATP Finals, além de um par de ATPs 500 no calendário. Ou seja, há pelo menos 4.500 pontos na mesa.

Coisas que eu acho que acho:

– O vídeo acima é antigo, mas o povo sempre compartilha quando Nadal ganha algo grande. Muitos dos que veem certamente se identificam com o raciocínio de Gastón Gaudio. Ele resume bem como é preciso compreender o tamanho de Rafa Nadal.

– Jogar na época de Federer, Djokovic e Murray faz de Nadal vítima de um enorme mito: o de que ele não sabe jogar em quadras duras. Sim, ainda há gente que afirme isso de um cidadão que jogou quatro finais no Australian Open e mais quatro no US Open, conquistando quatro títulos de slam no piso. Nadal, aliás, é o quinto maior campeão do US Open na Era Aberta, ficando atrás Connors (5), Federer (5), Sampras (5) e Lendl (4) e empatado com John McEnroe (3).

– Número interessante fornecido pelo US Open: Dos últimos 51 slams, 46 foram vencidos por integrantes do Big Four. Desde 2005, Rafa Nadal venceu 16, Roger Federer conquistou 15, Novak Djokovic triunfou em 12, e Andy Murray ganhou três.

– Outro: Nadal é um dos três tenistas na história (não só da Era Aberta) a vencer slams como adolescente, com mais de 20 e com mais de 30 anos. Os outros dois são Pete Sampras e Ken Rosewall.

– Mais um: Nadal é um dos dois tenistas da história a conquistar os quatro slams e uma medalha de ouro em simples. O outro é Andre Agassi. O espanhol, lembremos, também tem uma medalha de ouro em duplas, o que faz dele o único tenista da história a conquistar os quatro slams, a Copa Davis e o ouro olímpico em simples e duplas.

– Para pensar: Nadal agora tem 16 títulos de slam na carreira e isso tudo deixando de competir em nove slams (alguns quando vivia ótimo momento) e abandonado mais um. A lista de ausências inclui o Australian Open em 2006 (pé esquerdo) e 2013 (virose); Roland Garros em 2003 (cotovelo) e 2004 (tornozelo esquerdo); Wimbledon em 2004 (joelho esquerdo), 2009 (joelho) e 2016 (punho esquerdo); e US Open em 2012 (joelho esquerdo) and 2014 (punho direito). O abandono aconteceu em Roland Garros/2016 por causa do punho esquerdo.

– Prova incontestável do envelhecimento do circuito: é o quinto slam consecutivo vencido por um tenista com mais de 30 anos. Desde Wawrinka (31) no US Open do ano passado até hoje, incluindo Federer (35) em Melbourne e Wimbledon e Nadal (31) em Roland Garros. E este parágrafo estava digitado antes da final porque Anderson também já passou dos 30.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.