Topo

Saque e Voleio

O brilhante 'retorno' de Wozniacki

Alexandre Cossenza

30/10/2017 07h00

O bom momento do tênis de Caroline Wozniacki, obviamente, não começou na semana passada, em Singapura. No entanto, o título do WTA Finals, conquistado com triunfos maiúsculos em cima de Simona Halep, #1 do mundo, Karolina Pliskova, #3, Elina Svitolina, #4, e Venus Williams, #5, pede uma nova reflexão sobre as qualidades da dinamarquesa – e não apenas em 2017.

Longe de ser a mais agressiva ou recordista de winners da WTA, Wozniacki é dona de um tênis inteligente – e já cansei de escrever isso em momentos diferentes no blog. Seu jogo é baseado em porcentagens. Em um dia normal, a dinamarquesa erra pouco, usa muitas cruzadas e joga com uma quantidade de spin que lhe permite certa margem de segurança. Foi assim, à base de muita consistência, que a moça ficou 67 semanas como número 1 do mundo. E ressalte-se: apenas oito tenistas na história do ranking permaneceram mais tempo no topo.

A temporada 2016 foi especialmente dura para a dinamarquesa. Uma lesão no tornozelo teve sua parcela de responsabilidade, mas não foi só isso. Os resultados não vieram. Em agosto, Wozniacki se viu além da 70ª posição no ranking. Faltavam físico, consistência, paciência. A essência de seu jogo estava ausente. Ainda assim, foi uma temporada que terminou com dois títulos para ela. Ambos no fim do ano (Tóquio e Hong Kong), o que permitia a seus fãs vislumbrar um 2017 mais feliz.

Foi exatamente o que aconteceu. Wozniacki "voltou". Até um pouco mais agressiva do que antes, mas nem tanto assim. As campanhas em slams não foram das melhores (as quartas de Roland Garros foram seu melhor resultado), mas a consistência estava lá. Foi com ela que a ex-número 1 chegou a sete finais antes de Singapura: Doha, Dubai, Miami, Eastbourne, Bastad, Toronto e Tóquio.

Como aconteceu na maior parte da carreira, Wozniacki ainda sofria com tenistas mais agressivas e em bom momento. Perdeu seis dessas sete finais. Foi derrotada por Pliskova (2x), Svitolina (2x), Konta e Siniakova. É o preço que se paga por deixar a adversária ditar o jogo a maior parte do tempo. Mas a dinamarquesa derrubou Pavlyuchenkova no Japão, onde levantou seu primeiro troféu do ano. E aí veio a participação no WTA Finals, em Singapura.

A quadra do torneio, dura e lenta, era perfeita para seu tênis. Wozniacki e sua consistência destruíram mentalmente gente acostumada a longas trocas como Halep e Svitolina (as duas, juntas, ganharam quatro games). A romena já estava acabada mentalmente no início do segundo set. No vídeo do tweet acima, com menos de uma hora do jogo, é possível ver o desânimo na conversa com o técnico Darren Cahill.

Mas não foi só regularidade que ganhou jogos em Singapura. Os saques da dinamarquesa, mais com posicionamento do que com força, também fizeram estrago. E já que a quadra lenta reduzia a vantagem de serviços mais potentes – como os de Venus e Pliskova – foi possível, aí sim, apostar na consistência. Wozniacki também agredia, mas sem correr riscos desnecessários. Americana e tcheca não têm as melhores movimentações do fundo de quadra, então mudar direções funcionou bem. E, com poucos erros, a ex-número 1 frustrou ambas. Ainda no primeiro set, Pliskova já se queixava para sua técnica, Rennae Stubbs: "Ela está em toda parte" ("She's everywhere" é a frase original). Veja no vídeo abaixo.

A final, contra Venus, não foi muito diferente da semi, contra Pliskova. A diferença é que Wozniacki, depois de abrir 5/0 no segundo set, deu uma aliviada. Passou a agredir em menor intensidade, a movimentar menos a rival. A americana ensaiou uma reação, devolveu duas quebras e chegou a sacar em 4/5, antes de perder o serviço. Um sustinho para dar um toque de drama a uma campanha absolutamente brilhante.

Wozniacki, agora, vai começar 2018 pertinho de voltar à liderança do ranking. Enquanto Halep segue na ponta, com 6.175 pontos, Muguruza fica logo atrás, com 6.135, e a dinamarquesa tem 6.015. Como o calendário da WTA tem dois Premiers (Brisbane e Sydney) que dão 470 pontos cada às campeãs, não é nada improvável que o circuito feminino chegue ao Australian Open com uma nova número 1. Wozniacki, que pouco fez em janeiro de 2017, é uma candidata fortíssima ao posto.

Coisas que eu acho que acho:

– Sim, Wozniacki vai continuar carregando por enquanto o rótulo de (ex)"número 1 sem slam", que é uma espécie de crítica e constatação ao mesmo tempo. Injusto? Menosprezo? Não acho. O mundo do tênis mede seus ídolos pelo tamanho e não pelo número de suas vitórias. É o que nos faz, por exemplo, dar mais valor a Roger Federer do que a Jimmy Connors, que tem 109 títulos na carreira (14 a mais que o suíço). É, inclusive, uma comparação que já não faz sentido há mais de uma década.

– Se Wozniacki aposentar sem um título de slam, ninguém vai poder dizer que foi uma carreira mais ou menos. Mas alguém hoje ousa afirmar (e eu gosto muito dessa comparação) que a dinamarquesa brilhou mais, digamos, do que Venus Williams? Wozniacki, afinal, ficou 67 semanas como número 1, enquanto a americana ficou apenas 11 semanas no topo. Venus, porém, jogou 16 finais de slam e ganhou sete delas. A dinamarquesa, por enquanto, só chegou a duas decisões em torneios deste nível e perdeu ambas.

– Nem precisaria ir tão longe com Venus Williams. Maria Sharapova tem 21 semanas como número 1. Kim Clijsters soma 20. Ambas são vistas, de modo geral, como campeãs maiores do que Wozniacki. É equivocado pensar assim? Acredito que não. E repito: o mundo do tênis julga seus atletas pela importância de seus feitos e não pela quantidade deles. Não acho nada errado.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.