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Saque e Voleio

O 'leve' favorito e o Texas Hold'em australiano

Alexandre Cossenza

11/01/2018 18h43

A chave foi sorteada, os (raros) jogos mais relevantes do pré-torneio já aconteceram e as cartas estão na mesa. Quer dizer, nem todas. A gente já sabe que Roger Federer é o grande favorito ao título deste Australian Open e que Andy Murray parou para operar o quadril, mas o que dizer de Rafael Nadal, Novak Djokovic e Stan Wawrinka? Os três não fizeram nenhuma partida oficial. Ninguém sabe exatamente em que nível – físico e técnico – eles estão. Assim sendo, podemos fazer nossas apostas iniciais, mas o torneio australiano parece se apresentar como uma mão de pôquer Texas Hold'em daquelas que a gente vê na TV. O flop está aí, mas tudo pode mudar no turn e no river.

O flop e o "leve" Federer

Atual campeão do torneio, campeão da Copa Hopman, sem lesões e tecnicamente calibrado. Precisa mais para dizer por que Roger Federer é o grande favorito ao torneio? Embora os 36 anos tenham seu peso, eles também trazem algumas vantagens – junto com o currículo mais do que transbordante do suíço. O Federer de hoje – o Federer das selfies com quokka – entra em quadra mais leve, sem nada a provar a ninguém e sem o peso de alguns anos sem ganhar um slam. Nem o retrospecto negativo contra Nadal, aliviado por cinco triunfos seguidos, representa o fardo de antes.

Um Federer mais leve é um Federer ainda mais perigoso e, embora tenha caído na metade mais dura da chave deste Australian Open, o suíço pode não ter um caminho tão complicado assim. Djokovic, Wawrinka, Thiem e Zverev estão no outro quadrante, então Federer pegaria apenas um deles, o que aconteceria na semifinal. Antes disso, pode encarar o freguês Gasquet (16 a 2) na terceira rodada, Querrey ou Raonic nas oitavas e quem avançar do grupo com Del Potro, Berdych, Goffin e Fognini nas quartas.

Djokovic, Wawrinka e o turn

O turn é a quarta carta aberta a ser revelada em uma mão de pôquer. Acontece depois da primeira rodada de apostas e pode dar um panorama completamente diferente ao jogo. É mais ou menos o que o Australian Open vai ter quando Novak Djokovic e Stan Wawrinka fizerem seus primeiros jogos oficiais. O sérvio é hexacampeão do torneio e foi o favorito na maioria dos últimos anos. Hoje, o cenário é outro. Quem pensava que ele começaria 2018 100% recuperado da lesão no cotovelo direito enganou-se. Nole desistiu de jogar uma exibição em Abu Dhabi e do ATP 250 de Doha. Apareceu no Kooyong Classic com o braço enfaixado e um diferente e mais curto movimento de saque. Derrotou um errático Dominic Thiem em um rápido jogo de muitas falhas e poucos ralis. Mas o cotovelo vai aguentar se as partidas se alongarem? E como o "novo" saque vai se comportar em momentos de pressão? São pontos que só saberemos quando o torneio começar, mas podemos ter uma boa ideia já na segunda rodada, se o favoritismo se confirmar e Nole encarar Gael Monfils, que vem do título de Doha.

Wawrinka também chega a Melbourne numa daquelas nuvens cheias de interrogações das histórias em quadrinhos. O suíço operou o joelho em agosto e, mais tarde, viu o técnico Magnus Norman se despedir em busca de mais tempo com a família. Sem fazer um jogo oficial desde Wimbledon e sem vencer desde a semi de Roland Garros, Wawrinka chegou a dizer que só iria ao Australian Open se soubesse que aguentaria jogos de cinco sets. Ele está na cidade e não desistiu, então pode ser que venham coisas boas por aí. Ou não. Ele encara Berankis na estreia e, se vencer, pega Chardy/Sandgren na segunda rodada e Bautista Agut/Verdasco/Stebe/Marterer na terceira. Seria um caminho bastante acessível para um Stan em forma, mas essa forma vai continuar em dúvida até pelo menos o primeiro jogo.

Rafael Nadal e o river

Desde o sorteio, Nadal foi erguido ao posto de segundo mais cotado ao título do Australian Open. É claro que isso também tem um pouco a ver com o status de Djokovic, mas a chave do espanhol em Melbourne colabora um bocado. O número 1 do mundo caiu no "quadrante Rio Open", com vários tenistas que preferem jogar no saibro e no fundo de quadra. Seria uma surpresa enorme uma derrota para Estrella Burgos (estreia), Jarry/Mayer (segunda fase), Millman/Coric/Lorenzi/Dzumhur (terceira rodada).

O grande ponto de interrogação, no entanto, continua sendo o joelho do espanhol. Nadal já jogou uma partida no Kooyong e participou do evento de tie-breaks no Melbourne Park, mas seu corpo vai aguentar partidas longas? O joelho vai permitir que ele se abaixe o quanto necessário a cada golpe? Essa, sim, será a última carta revelada – o river – para clarear o cenário antes da segunda semana deste Australian Open.

Melhores jogos de primeira rodada

Comecemos pelo mais importante: Tomas Berdych, cabeça 19, vai encarar a sensação australiana Alex de Minaur (#167), um garoto de 18 anos com um tênis impressionante. Ótimas devoluções de saque, versatilidade nos golpes e coragem, muita coragem. Vejam o vídeo abaixo e entendam (recomendo especialmente o insano sétimo game do primeiro set):

O garotão fez uma semi em Brisbane, derrubando Steve Johnson e Milos Raonic, e está em outra semi em Sydney, onde eliminou Verdasco, Dzhumhur e Feliciano López (escrevo antes de seu jogo contra Benoit Paire). No embalo que vem e contando com uma torcida australiana empolgada, De Minaur pode muito bem abater mais um nome de peso, mas também pode sentir a pressão da expectativa e fazer um jogo ruim. É essa dúvida que faz o jogo ser tão aguardado assim.

Outro duelo interessante é David Ferrer x Andrey Rublev, um veterano ex-top 10 contra um #NextGen em ascensão que está na chave como cabeça 30. É um teste e tanto para a consistência e a força mental do espanhol.

E, ainda no campo dos #NextGen, os promissores Denis Shapovalov e Stefanos Tsitsipas se encontram também na primeira rodada em Melbourne. Quem está interessado no futuro do tênis não pode perder isso aqui – nem que seja preciso caçar um stream pirata durante a madrugada.

E o que dizer de Juan Martín del Potro, que caiu possivelmente na seção mais ingrata de toda a chave? O argentino estreia contra Francis Tiafoe, o mesmo que levou Federer (lesionado, é verdade) a cinco sets no US Open ano passado. Se passar, pode encarar o #NextGen Karen Khachanov na segunda rodada e Berdych ou De Minaur (ou ainda García-López ou Paire) na terceira.

Correndo por fora

Com Djokovic e Wawrinka carregando pontos de interrogação e um Murray ausente, o que mais tem em Melbourne é gente correndo por fora – e com boas chances de ir longe. A começar por Grigor Dimitrov, que vai estrear contra um qualifier e pegar outro qualifier na segunda rodada. O quadrante do búlgaro tem como principais cabeças Jack Sock, Kevin Anderson, Jo-Wilfried Tsonga e Nick Kyrgios e não dá para descartar ninguém.

Nesse grupo, eu gosto das chances de Nick Kyrgios, apesar de seu retrospecto nada empolgante em slams. Só que em casa não deve faltar motivação nas primeiras rodadas e que ninguém duvide que o australiano pode embalar e chegar forte na segunda semana. E todo mundo sabe o que ele pode fazer em jogos grandes e com quadra cheia – se seu físico permitir. O título de Brisbane pode ter sido só um aperitivo.

Outro nome forte e que vem sendo pouco badalado é o de Alexander Zverev, o que também acontece pelo passado de fiascos em slams. Afinal, de nada adianta ganhar Masters, derrubar nomes grandes em torneios pequenos e ser cabeça 4 em um torneio desse nível se o alemão só alcançou as oitavas uma vez até agora. É justo que todos tenham certo receio de apontá-lo como grande candidato a algo grande. Ainda assim, num quadrante que tem Dominic Thiem na outra ponta, pode dar samba – mesmo com Stan e Novak ali no meio na rodinha do pagode.

Os brasileiros

Rogerinho, único representante do país na chave principal, teve um sorteio ingrato e vai estrear logo contra Nick Kyrgios. Tudo bem, a gente sabe que o australiano tem seus problemas de motivação aqui e ali, então nada é impossível para o paulista, mas vale a ressalva feita dois parágrafos acima: Kyrgios vai estar em casa, com torcida a favor. Motivação não deve ser problema. O australiano é muito favorito.

Feijão e Thiago Monteiro tentaram o quali, mas ambos tombaram na primeira rodada. O paulista caiu diante do argentino Andrea Collarini por 6/7(5), 6/2 e 6/4, e o cearense foi abatido pelo italiano Lorenzo Sonego por 7/5 e 6/3. Thomaz Bellucci, como todos sabem, cumpre suspensão por doping, mas também precisaria passar pelo quali em Melbourne. Ele volta ao circuito em fevereiro, no ATP 250 de Quito.

Onde ver

Hoje, Federer lidera disparado nas cotações, e um título seu paga menos de 2/1 (dois reais para cada real apostado). O segundo da lista é Rafael Nadal, que paga, em média, 4/1. O top 10 ainda inclui Djokovic, Dimitrov, Zverev, Kyrgios, Goffin, Del Potro, Cilic e Thiem.

E vale aquele lembrete de sempre: o guiazão da chave feminina aparece daqui a pouquinho.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

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