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Bala na Cesta

Nascido na Favela da Rocinha, brasileiro brilha no Basquete 3x3 e sonha com a próxima Olimpíada

Fábio Balassiano

21/07/2017 06h20

Quem vê Leandro Discreto nas quadras do basquete 3×3 ao redor do mundo pode imaginar que a vida do carioca de 33 anos, 1,98m e dono de uma força física descomunal foi fácil. Dono de sorriso fácil e um dos melhores atletas da modalidade no mundo, ele hoje é jogador profissional do Yokohama City, do Japão, e um dos mais reconhecidos atletas do planeta em uma modalidade que fará parte do programa Olímpico a partir dos Jogos de 2020 em Tóquio. Para chegar até aqui, Leandro passou por muita coisa.

Nascido em 1983 e criado na Favela da Rocinha, a maior do Rio de Janeiro e também da América Latina, Leandro de Souza de Lima poderia ser mais um entre muitos. Em uma família humilde, viu seu pai ser assassinado na casa da avó por policiais quando tinha 3 anos em uma chacina conhecida como "Mosaico 2".

"Minha mãe vendeu a casa da Rocinha a preço de banana, um lar que foi construído com muito sacrifício por ela sozinha, pra me tirar o mais rápido possível do perigo. Quando decidi realmente focar no basquete, fiz uma promessa: que me tornaria um jogador profissional e que daria uma casa maior e mais confortável pra ela, e que minha mãe não precisaria trabalhar mais tanto. Consegui", relata Leandro.

O caminho poderia ter sido não tão feliz, mas Leandro encontrou o basquete quando se mudou com sua mãe para São Gonçalo, cidade a 2 km do Rio de Janeiro. O motivo da mudança de residência era claro: Dona Ana Maria de Souza temia que as influências ruins levassem seu filho para um mundo que já tinha tirado o pai da família.

"Era difícil aquela época, cara. Minha mãe não tinha tempo pra cuidar de mim, uma realidade muito comum para mães solteiras das favelas do Rio de Janeiro. Então ela me colocou no esporte pra ocupar meu tempo mesmo. Aos 14 anos, ela me apresentou ao basquete. Só que eu era muito rebelde, desconcentrado e larguei a escolinha no Salgueiro, em São Gonçalo. Mesmo largando, fiquei muito próximo do professor Jorge Jhein, que me ensinou demais sobre a vida", conta Leandro, lembrando muito pouco sobre seu pai: "Recordo muito pouca coisa dessa época, mas sei que meu pai trabalhava como carteira assinada no hospital Miguel Couto. Só que a família dele era grande e tinha muita coisa errada no meio. Se ele tinha ou não relação com algo é difícil afirmar".

Sozinha, sua mãe desdobrava-se entre suas funções (depiladora, doméstica, diarista etc.) para criar o filho, mas quando completou 14 anos Leandro viu Dona Ana Maria de Souza ser diagnosticada com Transtorno Bipolar. Sem médico para cuidar da doença em São Gonçalo, outra realidade bem comum nos hospitais públicos do Rio de Janeiro, a família se mudou de novo para a Rocinha, onde havia um profissional especializado no assunto para atendê-la. E aí o basquete deu nova chance ao rapaz que crescia a cada ano.

"Encontrei um projeto na Rocinha que se chamava 'Rumo Certo'. Lá tinha futebol e também o basquete. Jogava bem os dois, gostava até mais de futebol, mas o professor acabou me aconselhando a continuar no basquete. Fiquei lá dos 15 aos 18 anos até que o professor Israel, técnico da AABB na época, me levou pra fazer teste no Flamengo. Passei, joguei em 2002 no juvenil e entrei no adulto em alguns jogos. Era atlético, esforçado, raçudo, fomos campeões cariocas adultos em 2003 naquele time que tinha o Oscar Schmidt, meu grande ídolo, mas na temporada seguinte estava muito claro que só o empenho não me manteria no clube. Vinha do basquete de rua, tinha muita dificuldade com as questões táticas e sentia falta da liberdade de um jogo mais livre, menos rígido em relação a esquemas, estratégias, essas coisas", relembra o jovem, que foi procurar seu caminho logo em seguida.

Naquele elenco rubro-negro que tinha Oscar Schmidt também fazia parte Olivinha, que começou a carreira e depois regressou ao Flamengo, onde está desde 2014. O multicampeão do NBB relembra o começo de carreira de Discreto:

"Conheci o Leandro em 2002 quando ele veio para jogar o juvenil. Ele chegou dando qualidade a equipe, mas alguns já estavam mais avançados em relação a fundamentos, essas coisas. O que foi legal nisso tudo é que ele nunca desistiu. Estava todos os dias treinando, chegando antes para poder evoluir e aprender cada vez mais. Eu já fazia parte do elenco adulto e vendo o esforço do Leandro o Miguel Angelo da Luz, o técnico da equipe principal, também o convidou para fazer parte do elenco profissional. Era um reconhecimento ao comprometimento dele. Neste ano (2002) fomos campeões estaduais juvenis e também adultos, nossa primeira oportunidade como profissionais. Ambos jogamos com Oscar Schmidt, ídolo de nós dois. Hoje em dia vejo que ele se tornou atleta profissional do 3×3 e fico bastante orgulhoso do que ele está conquistando. Nunca desistiu do sonho e está fazendo bonito representando o nosso país mundo afora. Ele tem uma história de vida linda e deve ser olhado como exemplo por muita gente que sonha ser jogador profissional não só de basquete, mas de qualquer esporte", contou Olivinha ao blog.

Depois do Flamengo Leandro ainda passou por Fluminense, Municipal e Botafogo, mas sem muito brilho. Dividindo seu tempo entre o esporte e o trabalho em uma agência de viagens (foi de montador de eventos a conferente, passando por assistente administrativo e tudo mais), ele treinou, caiu, levantou e persistiu por um sonho: viver do basquete de rua. E ele conseguiu.

Depois de ter disputado inúmeros torneios internacionais, Leandro hoje é atleta de 3×3 do Yokohama City, da Liga Japonesa, a única do planeta que possui times profissionais e é exibida ao vivo na internet e na TV Aberta local.

"É sem dúvida a concretização de um sonho. Foi algo muito ralado, sofrido, batalhado mesmo. Jogando basquete de quadra era difícil eu me tornar um atleta profissional de alto nível. Na rua eu tinha qualidade, só que era quase impossível ser profissional, viver disso. Mas eu consegui. Hoje em dia no Japão em quatro meses eu ganho mais do que ganhei na minha vida toda quase. É a realização de um sonho daquela criança que nasceu na Rocinha e que foi se apaixonar pelo basquete na adolescência. O esporte me salvou e só no 3×3 eu me tornei um grande jogador. Consegui desenvolver muito meu jogo na rua, sou muito reconhecido por isso e hoje estou colhendo os frutos. Estou há um mês no Japão, a liga dura 4 meses, é muito organizada e estou bem empolgado. Antes de chegar até aqui atuei em Alcatraz, o presídio mais famoso dos Estados Unidos em um torneio mundial, joguei contra o Harlem Globetrotters e atuei em mais de 10 países. Sinto-me um abençoado pelo fato do esporte ter me proporcionado isso tudo", conta, lembrando que o apelido discreto surgiu quando ele ainda era jogador de basquete de rua da LUB, a Liga Urbana de Basquete, e não sabia fazer muita coisa com a bola: "Era engraçado pacas, porque os times eram apresentados, a galera entrava na quadra, todo mundo fazia uma jogada diferente, mas eu ficava na minha, quieto, tranquilão e esperando o jogo começar. Não sabia fazer aqueles malabarismos, não. Meu negócio, naquela época, era fazer cesta e jogar. Só isso (risos)".

Sua persistência pode levá-lo ainda mais longe. O 3×3, nome internacional para tratar do basquete de rua onde Leandro foi formado, recentemente foi reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional como esporte olímpico, fazendo parte do programa a partir dos Jogos de Tóquio em 2020.

"Acabou que se tornou um grande sonho jogar a Olimpíada, né? E aqui pertinho de Yokohama. Acredito que estou no caminho certo, mas é bem difícil pensar nisso ainda, cara. E te explico. Antes meu sonho era viver do basquete de rua, algo que batalhei, batalhei e estou conseguindo. Só que até pouco tempo atrás este era o auge, o máximo. Agora a Federação Internacional e o Comitê Olímpico organizaram a parada, tornaram o esporte olímpico, mas até pouquíssimo tempo atrás isso era algo bem distante. Nem almejado era porque não era palpável. Hoje é. E eu quero, é desejo, virou uma motivação ainda maior para mim. Se vier, será sensacional. Vou continuar trabalhando duro e seria muito legal representar a seleção brasileira em uma Olimpíada, uma honra para qualquer atleta.

Quem conhece sua história se orgulha do que Leandro atingiu. Fernando Medeiros, ex-BBB, ex-atleta e um dos entusiastas do basquete por aqui, fala sobre sua trajetória.

"Falar do Leandro é motivo de orgulho, pois conheço o cara há muito tempo. Vi muito ele em quadra, tentou jogar aqui na quadra, mas se encontrou mesmo no basquete de rua. Ele foi um dos pioneiros, um dos primeiros a acreditar no 3×3. Todos sabíamos da força dele e víamos o Leandro sozinho. Vi inúmeras vezes ele treinando sozinho. Uma vez vi o cara no Aterro do Flamengo sozinho batendo bola cinco, seis horas da manhã. Hoje a gente entende como ele chegou onde chegou. A história dele inspira. É recheada de momentos emocionantes. Leandro é exemplo de perseverança e um motivo de orgulho muito grande. Nunca esperou as oportunidade baterem na sua porta, sempre correu atrás e hoje é um dos melhores do mundo", admira Fernando.

Sobre o blog

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