Mohamed não gosta de olhar para o mar. Toda vez que vê a linha do horizonte, onde a água mistura-se com o céu na orla de Salvador, fica triste e desvia o rosto.
"É muito bonito, mas traz muitas lembranças", diz o jovem lutador em português quase fluente, com forte sotaque francês. "Faz pensar na vida, e pensar demais não é bom, temos que olhar para o futuro".
Do outro lado do Oceano Atlântico, Mohamed deixou sua terra natal, a África, e o irmão gêmeo. Nascido em Conacri, capital da Guiné - um dos países mais pobres do mundo, na costa ocidental do continente - perdeu a mãe no parto e o pai, 14 anos depois baleado em um greve geral. Ele e o irmão viveram com parentes a partir daí. Passou um tempo com familiares na França e voltou. Depois que a avó morreu, diz que eram mal tratados por um tio, e assim resolveu fugir.
"Gostávamos muito de assistir jogo da seleção brasileira, e meu pai sempre dizia que um dia ia trazer a gente para conhecer o Brasil", lembra. Suas memórias e histórias da África são confusas e por vezes conflitantes.
Conta que era comum o embarque de clandestinos em navios estrangeiros no porto de Conacri. "Havia muitas histórias, de quem era descoberto era jogado no mar para os tubarões, mas muitos guineenses faziam isso. Tentei várias vezes, mas nunca achei um navio que viesse para o Brasil".
Um dia a sorte sorriu para Mohamed. Sua tia grávida entrou em trabalho de parto. O órfão, então com 16 anos, foi mandado ao porto avisar o tio, que lá trabalhava. "Vi aquele navio enorme, Gran San Paolo. Era da Itália. Nos contêineres dizia: Salvador-BRA. Eu nunca tinha ouvido falar de Salvador, mas sabia que ia para o Brasil. Me escondi na carga e embarquei. Não avisei meu tio do parto até hoje", diz.
Sua explicação do embarque é confusa. Diz que não sabia que ia fazer a viagem, mas estava com o equivalente a algo entre R$ 300 e R$ 500 no bolso, que usou para subornar um guarda para deixá-lo passar para o cais. Não explica onde conseguiu o dinheiro, uma soma considerável para um adolescente na África.
Todavia, na travessia passou fome e sede, não havia levado nem uma mochila. Viu outros clandestinos serem pegos e desembarcados pelo caminho. Finalmente, sete dias depois, entregou-se para a tripulação. Apanhou um pouco, ganhou água e comida e ficou trancado em uma cabine até o fim da viagem.