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'O que aprendi quando fui sustentado pela minha mulher'

Claudio Henrique dos Santos, autor do livro "Macho do Século XXI: O Executivo que virou dona de casa" - Divulgação
Claudio Henrique dos Santos, autor do livro "Macho do Século XXI: O Executivo que virou dona de casa" Imagem: Divulgação

Daniela Carasco

do UOL

15/01/2018 04h00

Quando foi a grande virada da sua vida? A do escritor e palestrante Claudio Henrique dos Santos, 45, foi em 2010. Depois de 20 anos trabalhando como executivo de comunicação, abriu mão do cargo de gerente em uma empresa automobilística para abrir o próprio negócio, uma loja de vinhos, seu sonho antigo.

Claudio só não esperava que, depois de um ano, quando o empreendimento decolava financeiramente, seus planos tomassem um rumo inesperado. Sua mulher, uma executiva da área de recursos humanos, foi transferida para Cingapura, e ele se viu em uma condição que provocaria resistência em muitos homens. Vendeu a loja, virou dono de casa e, por três anos, foi sustentado por Daniele.

“Adorava dizer que gostaria de ser sustentado, que minha mulher pagasse as contas, que desejava passar a tarde no shopping comprando no cartão dela”, diz referindo-se a estereótipos ainda associados à figura feminina. “Por isso, quando me vi de fato nessa situação, reconheço, foi um choque.”

Só quando desembarcou no país asiático, Claudio descobriu a impossibilidade de conseguir um visto de trabalho. “A mim só restou cuidar da casa e da nossa filha, na época com dois anos.”

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O impacto inicial tinha fundamento. “Fui criado em uma cultura machista. Em casa, nunca lavei um prato, ao contrário da minha irmã, que, desde cedo, entrava nas divisões das tarefas domésticas. Para mim, o homem tinha como obrigação ser o provedor da família. Durante os primeiros 12 meses, não teve um dia em que não quisesse cortar o pulso.”

Até para comprar um sanduíche, Claudio pedia dinheiro para a mulher. E a cada compra feita por ele no cartão, ela recebia um SMS do banco. “Na cultura em que somos inseridos, ainda é difícil ter de depender financeiramente da mulher. A sociedade te cobra, não aceita que um homem não trabalhe fora. Isso precisa mudar.”

Aqui, ele lista o que aprendeu depois dessa experiência contada no livro “Macho do Século XXI: O Executivo que Virou Dona de Casa” (editora Claridade), que, em breve, vai virar filme.

“A dependência financeira não é fácil”

“Esse foi meu primeiro aprendizado. Vejo muito homens brincando com essa ideia de depender financeiramente de suas mulheres, como se fosse o paraíso. Dizem que aquelas que reclamam da dependência estão de ‘mimimi’. Eu me senti muito humilhado de ter de pedir dinheiro para tudo. Lógico que, se for em decorrência de uma circunstância inesperada e passageira, tudo bem. Mas, na prática, não é nada fácil.”

“O trabalho doméstico deve ser mais valorizado e compartilhado”

“É muito fácil ser o tal macho do século 20, que acorda, vai para o trabalho, toma sua cerveja, assiste ao futebol e, depois, vai dormir. Cuidar da casa e dos filhos, nossos bens mais preciosos, dá um trabalho enorme. O dia de uma mulher costuma começar muito antes do que o de um homem e terminar muito depois. É fundamental compartilhar as tarefas --ou pagar bem quando são terceirizadas. Isso permite que o casal cresça em sua individualidade, realize-se profissionalmente e tenha o mesmo tempo para se cuidar.”

“A jornada dupla precisa ser reconhecida nas empresas”

“Na época em que fui executivo, eu me achava o chefe mais bacana do mundo, que tratava todos os funcionários de forma igual. Só depois dessa experiência, percebi que nunca promovi uma mulher. O motivo? Eu as achava pouco comprometidas. Sempre fui muito cobrado por resultados e, por isso, precisava fazer muita hora extra. Quando olhava em volta, todas as mulheres tinham sempre partido do escritório, enquanto os homens permaneciam lá. Para mim, elas tinham me deixado na mão. Não conseguia enxergar que elas tinham ido para casa para cuidar do filho, preparar jantar, tarefas que culturalmente são impostas a elas. Quando me dei conta, minhas perspectivas viraram do avesso.”

“Os homens têm de sair do armário”

“Depois de um ano de rejeição silenciosa, eu me olhei no espelho e falei para mim mesmo: ‘Você tem de sair do armário’. Estava cansado de ser infeliz, enquanto minha mulher estava realizada. Ela merecia o meu apoio e todas as conquistas profissionais que havia realizado. Mas a minha reação tinha muito a ver com o julgamento social. Ia em festa de aniversário dos amigos da minha filha e me sentia envergonhado de dizer que cuidava da casa. A gente pauta muito nossas ações preocupado com o que os outros vão pensar.”

“Descobri a culpa materna”

“Confesso ter sentido inveja da minha mulher. Uma vez, ela precisou viajar a trabalho para a Rússia e Índia e voltou cheia de histórias. Fiquei mexido, claro. Era eu quem fazia isso antes. Só que o tempo que tive com a nossa filha, ela não teria de volta. E um dia contei isso a ela, que desabafou: ‘Sinto uma culpa danada por não estar do lado da nossa filha, mas eu não seria uma pessoa realizada se não tivesse minha carreira’. A verdade é que ela foi muito corajosa e me orgulha muito das escolhas que fez.”

“Não sou um herói por apoiar a carreira da minha mulher”

“Não gosto quando valorizam a minha história. Não fiz mais do que a minha obrigação, não tem mérito nisso. Antes, eu reproduzia um modelo machista, que prejudicava as mulheres e também a mim mesmo. Embora eu apoie o feminismo hoje, não tenho a pretensão de fazer um discurso feminista. Meu papel é falar com os homens e mostrar a eles que nosso papel tem de ser outro. No dia a dia, eu me esforço ainda para criar nossa filha sem estereótipos. Digo sempre que ela pode ser e fazer o que quiser, sem depender financeiramente de ninguém.”