Marcado pela Copa

Sebastião Lazaroni conta por que não convocou Neto e como fracasso na Copa de 1990 moldou sua carreira

Bernardo Gentile e Vanderlei Lima Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)
UOL

Todo torcedor de futebol com mais de 30 anos se lembra da cena: Maradona, mancando, pega a bola no meio-campo, passa por Alemão e enfia para Caniggia. Ele passa por Taffarel e empurra a bola para dentro. O gol eliminou a seleção brasileira da Copa do Mundo de 1990.

Sebastião Lazaroni era o técnico daquela equipe. Tinha 39 anos. E sua carreira mudou completamente desde aquela derrota. Até a Copa, ele era um técnico em ascensão. Tinha quatro clubes brasileiros no currículo, três títulos estaduais (na época em que títulos estaduais eram muito valiosos) e uma conquista importantíssima com o time nacional: venceu a Copa América de 1989, a primeira do Brasil em 39 anos.

Depois, treinou apenas quatro clubes brasileiros. Nunca mais foi campeão em terras nacionais. “infelizmente, o não sucesso no Mundial, com uma eliminação precoce contra a campeã do mundo, que jogava por uma bola, e foi feliz em uma bola, criou uma barreira para o Lazaroni”, analisa o treinador.

Sem reclamar, mas admitindo que está há um ano buscando espaço no futebol brasileiro, Lazaroni falou com o UOL. Analisou a atual situação do futebol por aqui, lembrou dos problemas que teve na Copa da Itália, elogiou Tite e falou de Neto, o craque do título do Corinthians em 1990 que não foi lembrado por ele para o Mundial.

"Neto não atendia aos requisitos para servir a seleção"

Sergio Tomisaki/Folha Imagem Sergio Tomisaki/Folha Imagem

Lazaroni e Neto nunca serão amigos

A opinião de Lazaroni sobre Neto é clara: ele não merecia ser convocado para a Copa do Mundo de 1990. Primeiro porque a arrancada ao título do Corinthians aconteceu no segundo semestre do ano, após o Mundial. Segundo, pelo comportamento.

Isso nunca impediu, porém, o ex-jogador de criticar o treinador por suas escolhas. Os dois não são amigos e nunca serão. Lazaroni, porém, se lembra de uma troca de palavras amistosa entre a dupla.

“Uma das vezes em que eu o encontrei pessoalmente foi na CBF. Ele foi assistir a um treinamento e estava iniciando na carreira [de comentarista]. Ele se sentou ao meu lado e eu disse: ‘Bom, rapaz, parabéns, sucesso nessa oportunidade. Você que é um homem do campo, um ex-atleta, sabe as dificuldades. Leve por esse aspecto que você terá todo o conhecimento. Sabe o respeito e a necessidade que muitas vezes o jogador tem. Seja feliz’. Falei também para não partir para o outro lado que não ia levar a nada”, lembra.

“Ele falou ‘Amém! Sim, senhor. Obrigado’. E, como sempre, e levou para o lado errado”.

O craque joga em qualquer momento, em qualquer época, em qualquer situação. É a beleza do espetáculo. Agora, a minhoca é que te dá problema. O futebol tem sempre. São aqueles que falam muito. Eu respeito todo profissional, mas cito que ele existe. Faz parte

Explicando que existem jogadores que acham que jogam muito, mas não são tão craques assim, e, se você está curioso, ele respondeu assim ao ser questionado se Neto é uma minhoca: "Caminhando para isso. Mas no Corinthians ele é tido como um grande jogador, um exemplo, uma referência da conquista de 90. Ele foi útil naquele momento. Mas não vamos trazer ao plano pessoal porque não tem nada a ver. Eu espero que ele seja sempre muito feliz na sua vida".

AP/Luca Bruno AP/Luca Bruno

Ele deveria ter mandado bater em Maradona?

Brasileiro que fala da Copa de 90 sempre pergunta: por que ninguém deu uma pancada no craque argentino, que já estava debilitado fisicamente? “Cabe ao treinador uma guinada de repente dentro da partida. Mudar tudo, fechar a casinha, neutralizar determinados jogadores. Mas muitas vezes não é possível. Tínhamos sempre muito respeito pelo Maradona, mas podíamos dar uma porrada nele para parar a jogada. Mas é tudo treinamento”, diz o treinador.

Para Lazaroni, porém, a grande questão daquela seleção não derrubar Maradona ou não, nem mesmo a opção pelo esquema com três zagueiros, pelo qual o técnico foi muito criticado por aqui. Para ele, o grande problema do Brasil na Itália foi a preparação: a base daquele time jogava fora do país, em uma época sem Datas Fifa, em que os clubes são obrigados a liberar atletas.

Naquele momento, já tínhamos grandes jogadores saindo. E surgiu a questão: como tê-los? Quando tê-los? Hoje é diferente. Com datas Fifa, você tem dois jogos de Eliminatórias, um período antes e um intervalo para o 2º jogo. Você tem os jogadores [para treinar]. Naquela época, tínhamos dificuldades. Não podíamos convocar os melhores e aumentava a pressão

Lembrando que clubes europeus não liberavam jogadores para todos os amistosos

Além disso, tivemos durante esse processo. Algumas lesões sérias que afastaram peças importantes até da equipe base que ganhou a Copa América de 1989. A dificuldade de treinamento era muito grande na seleção naquele momento. A gente sabia que, em amistosos que fizemos, teríamos resultados pífios, negativos. Não dava para convocar os melhores

Admitindo que a previsão para o pré-Copa não era positiva

Como exemplo, só Taffarel, então no Internacional, e Ricardo Rocha, no São Paulo, atuavam no Brasil entre os titulares. Os outros nove atletas jogavam na Europa e não estavam disponíveis em todas as convocações. Além disso, Romário foi à Copa ainda em recuperação de uma fratura.

É um preço da paixão do brasileiro pelo futebol. Quando se perde, paga-se um preço muito alto.”

Divulgação Divulgação

Querem aposentar os velhos

Desde aquela Copa, Lazaroni tem dificuldades para trabalhar no Brasil. Ele treinou Vasco e Grêmio nos anos 90 e Botafogo e Juventude nos anos 2000. Não conquistou títulos. No exterior, porém, a história é diferente.

Ele acumulou títulos no Japão e no Qatar, onde chegou a dirigir a seleção local, e ainda teve trabalhos de destaque na Turquia. À frente do Fenerbahce, em 1996, ele não foi campeão, mas seu time foi o primeiro em 40 anos a vencer o Manchester United na Inglaterra por competições europeias.

Lazaroni não trabalha desde que saiu da seleção do Qatar, em 2016. Esperava encontrar maior facilidade no mercado interno ao voltar ao Brasil. No entanto, a situação ficou ruim para os medalhões após o 7 a 1.

Acho que tão querendo aposentar os mais velhos. Nesse momento ruim, a conta toda está nos mais experientes”.

“O mais jovem com grande capacidade e o mais velho com grande capacidade são a mesma coisa. Talvez um tenha já vivido muitas das passagens, então pode ser mais útil. Mas acho que o problema não está aí: o problema está nos departamentos de futebol, que tomam decisões duvidosas, sem a qualidade maior”, afirma.

O técnico deixa claro que não é contra a renovação, mas ‘puxa a sardinha’ para o seu lado: “Você vai escolher um engenheiro que já tenha bagagem para fazer uma construção ideal para sua casa? Você vai escolher o carro que tem maior nome? Ou vai optar pela inovação? Tudo é uma questão de escolha na vida. Mas o momento é de dificuldade. Eu acho que cabe a nós, treinadores mais experientes, nos mantermos firmes às convicções para a blindagem não estragar, não haver dúvidas com relação a nossa história”.

 Lazaroni ainda aproveitou para desmistificar a premissa de que os técnicos medalhões não são atualizados. “É difícil não se manter atualizado mesmo sendo medalhão. Não existe o vitorioso sem conhecimento teórico. E também não existe vitorioso sem conhecimento prático. O somatório disso é que dá a chance do sucesso”.

A chama ainda não apagou e acho que só vai acabar esse espírito com a morte, que é para onde todos nós vamos. Mas devemos deixá-la acontecer muito mais à frente e viver bem o momento, viver bem a vida

Negando a aposentadoria

"Serviu como base para o título de 1994"

HECTOR RETAMAL/AFP HECTOR RETAMAL/AFP

"Não vejo o Dunga como esse vilão todo"

 Dunga é um personagem controverso no futebol brasileiro. Um dos líderes da seleção de 1990, o volante lidou com grande pressão após a eliminação para a Argentina. Quatro anos depois, foi o capitão do tetra e mudou sua imagem. Até virar técnico da seleção...

A decisão da CBF era acabar com o “oba-oba” após a Copa de 2006. A personalidade forte de Dunga foi a saída, mas o novo treinador acumulou polêmicas e criou resistência por parte da torcida. Chegou até a brigar com a Globo. Era uma pressão parecida com a da Copa de 90. Afinal, Dunga é vilão?

“Não, não vejo o Dunga como esse vilão. Ele foi [considerado vilão], principalmente quando eu dirigia a seleção. Quiseram marcá-lo como uma pessoa fracassada em um processo fracassado. Mas não foi um processo fracassado: não atingimos o objetivo máximo, que era ganhar o Mundial, mas os objetivos anteriores nós atingimos”, diz Lazaroni, lembrando da Copa América de 1989.

“Só que essa pressão voltou. Ele estava feliz, mas em um incidente as coisas mudaram”, analisa. “Não tenho maiores detalhes, mas notei que algo aconteceu. Um episódio na seleção transformou o Dunga, que se deixou levar por aquela pressão. Essa pressão fez com que ele perdesse a fluidez, a inteligência em visualizar e fazer a leitura correta, os ajustes corretos como treinador. Isso levou ao insucesso”.

Briga com a Globo foi chave

Para Lazaroni, a briga com a Globo foi fundamental para a derrocada de Dunga na seleção brasileira. Segundo ele, a confusão tirou o técnico da Copa de 2010 do eixo e criou um clima de guerra entre seleção e imprensa.

“Pode ir na concentração? Pode fazer entrevista? Aquilo ali virou uma bola de neve que tirou ele do ponto de equilíbrio. Só gerou pressão. Achei que esse episódio foi péssimo para todos nós. Tinham vantagens [a Globo], ele proibiu... É a forma dele e isso o tornou mais triste, mais rude, mais fechado”, afirma.

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Mineiro com alma de carioca

Qatar, Itália, Arábia Saudita, México, Turquia, China, Jamaica, Japão, Emirados Árabes, Turquia, Portugal... Lazaroni passou por 11 países. Nenhum deles o convenceu a deixar de ser carioca- mesmo tendo nascido em Muriaé, no interior de Minas Gerais.

“Tenho orgulho da minha mineirice, mas vim de lá com nove meses. Sou praticamente criado no Rio de Janeiro. Eu adotei o sentimento carioca. Durante muito tempo, carioca não era quem nascia aqui, mas quem tinha o espírito carioca, gozador, brincalhão, ‘bon vivant’. Carioca é gostar da vida, da alegria, da praia, do futebol”, explica.

Um dos companheiros nessa “carioquice” é Joel Santana. “O carioca é o espírito do Joel também. Nasceu em Olaria, foi criado ali, com café e pão com manteiga, na padaria, conversando com porteiro, jornaleiro. O Joel é riquíssimo em saber levar tudo isso para o atleta. Ele encanta o jogador. Tem um convencimento muito grande, além do conhecimento tático e técnico. É um profissional difícil de ser batido dentro das quatro linhas”, finalizou.

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