O Cyborg brasileiro

O esporte na vida de Cleuton Nunes, paratleta que adaptou o crossfit a pessoas de mobilidade reduzida

Carlos Padeiro e Giuliano Zanelato Do ESPORTE(ponto final), em São Paulo

Personagem da Liga da Justiça, Vitor “The Cyborg” Stone era um jogador de futebol americano, sofreu um acidente de carro e perdeu parte do seu corpo, reconstruído com elementos robóticos por seu pai, um cientista.

Na vida real, Cleuton Nunes é um atleta que se dedica ao esporte desde os 7 anos, quando iniciou no taekwondo. Professor de Educação Física, sofreu um acidente de moto aos 29 e teve uma perna amputada. Devido a complicações, a outra perna, esmagada pelo peso da moto, também foi amputada. Ele ficou em coma durante 46 dias. Acordou e teve de encarar uma nova realidade.

A “nova configuração”, como o próprio Cleuton costuma dizer, não o afastou do esporte. Pelo contrário, o aproximou ainda mais. E ele adotou o apelido de Cyborg, por ser negro, ter duas próteses prateadas e gostar de super-heróis.  

A partir de agora, você vai conhecer a história de Cleuton “The Cyborg” Nunes, um paratleta da canoagem que decidiu praticar crossfit. Como não encontrou a modalidade adaptada no Brasil, buscou informações no exterior para introduzi-la no país. Atualmente, ele participa de campeonatos e incentiva pessoas com mobilidade reduzida a se desenvolverem por meio do crossfit adaptado.

"Volta pra casa, aleijado" - a luta contra o preconceito

Giuliano Zanelato/ESPORTE(ponto final) Giuliano Zanelato/ESPORTE(ponto final)

"Escolhi viver"

Essa frase está no dia a dia de Cleuton “The Cyborg” Nunes. Aos 29 anos, quando seguia para uma aula de taekwondo, sofreu um acidente de moto em Sorocaba, no interior de São Paulo. 

O diálogo com o médico, ocorrido há 8 anos, não sai da cabeça do baiano de Feira de Santana.

- Você pode manter a sua perna e tentar ficar vivo. Ou cortar a perna e ficar vivo.

- Se cortar a perna, vou viver?

- Vai.

- Então pode cortar...

Ali eu tive de tomar uma das maiores decisões da minha vida até hoje. Eu autorizei a amputação da minha perna".

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

O esporte na vida de Cleuton "The Cyborg" Nunes

Cleuton é bastante ativo e parece ser um cara feliz. Muito dessa felicidade se deve ao esporte, presente na sua vida desde a infância. Ele sofria de bronquite, e o médico recomendou que fizesse aula de natação. Só que o medo da água o afastou das piscinas. A solução foi ingressar no taekwondo.

"Foi amor à primeira vista. Além da competição, o taekwondo proporciona uma série de integrações coletivas. Descobri que meu amor não era somente pelo taekwondo, mas ao esporte como um todo".

Conquistou títulos como atleta de taekwondo, incluindo o de campeão mundial, aos 17 anos, e campeão pan-americano, aos 19. A relação com o esporte se tornou profissão. Educador físico, Cleuton ensinou taekwondo, foi dançarino e deu aula de ginástica coletiva. Após o acidente, o esporte foi fundamental para ele reagir. 

No taekwondo eu tinha dado aula para o João, que nasceu sem uma perna, era desarticulado de quadril. Conheci o Cesar, que nasceu sem os braços e foi meu aluno. Na ginástica coletiva, conheci uma namorada, a Vitória, ela era cadeirante. Tive o prazer de ter essas pessoas na minha vida. Então, vou fazer com que as pessoas tenham o prazer de me ter na vida delas. O prazer que eu falo é de estar nessa 'nova configuração' e não ligar para isso. A falta das pernas é um mero detalhe para mim

Cleuton "The Cyborg" Nunes

O apelido "Cyborg" e os grandes momentos que viveu no esporte

Nova saga: adaptar o crossfit às suas condições

A dedicação à paracanoagem levou Cleuton Nunes a procurar uma atividade que aprimorasse o seu preparo físico. Foi aí que ele encontrou o crossfit – um treinamento que alia exercícios de levantamento de peso olímpico, ginástica olímpica e atividades de condicionamento, como corrida, ciclismo e remo.

“Procurava alguma coisa diferente para me preparar para os campeonatos. Zapeando pela rede, vi um vídeo sobre crossfit e pensei: ‘é isso que eu quero fazer’”.

A categoria adaptada para crossfit é praticada em diversos países, com competições internacionais. O problema é que não existia um local que oferecesse crossfit a pessoas com mobilidade reduzida no Brasil.

Isso não fez Cleuton Nunes desistir. Pelo contrário, ele se dedicou a adaptar o crossfit a cadeirantes e pessoas com braços amputados.

Posso dizer, sem falsa modéstia, que fui o primeiro atleta de crossfit sobre cadeira de rodas no Brasil. Pratico desde maio de 2011, e comecei a convidar outras pessoas. No primeiro contato, digo: - Faz crossfit, pela melhora funcional que você vai ter para a vida e para executar as coisas do dia a dia

Sobre os benefícios do esporte

O crossfit era um esporte muito novo. Não tinha paratleta, não tinha adaptação, não tinha nada. Foram criadas as movimentações e as nomenclaturas, tudo praticamente do zero. E ainda estamos criando algumas adaptações. Trabalho com deficientes há cinco anos. A ideia é fomentar o 'nós'

Lembrando o início do crossfit adaptado

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

A história de um discípulo de Cleuton "Cyborg" no crossfit

Paulo César de Oliveira é uma vítima da violência. Aos 21 anos, levou dois tiros de arma de fogo no trânsito. Uma das balas atingiu a coluna, e ele ficou paraplégico. Do peito para baixo, não tem sensibilidade, nem movimento.

Isso aconteceu em 2002. Hoje, aos 36 anos, Paulo é um paratleta de tênis de mesa e de crossfit. “Através do esporte minha vida melhorou muito”.

Paulo começou a praticar o crossfit há quatro anos. “O Cleuton foi como um espelho. Ele é a referência em toda minha vivência no crossfit. Era a única pessoa a recorrer no começo. Eu perguntava como adaptar tal exercício à minha condição. Ele passava toda teoria. Eu fazia, filmava e mandava para ele analisar”.

Ele levou dois tiros e ficou paraplégico. Hoje, vive do esporte

Confederação Brasileira de Canoagem Confederação Brasileira de Canoagem

O prazer de disseminar o esporte a outras pessoas

Debora Benevides é um dos grandes nomes da paracanoagem brasileira. A sul-mato-grossense de 22 anos já faturou duas medalhas de prata e uma de bronze em campeonatos mundiais e ficou em 9º lugar na Paralímpiada do Rio, em 2016.

O início de Debora na modalidade teve um ‘empurrãozinho’ de Cleuton Nunes.

“O Cleuton foi uma das primeiras pessoas a me mostrar como se remava. Ele pegou o remo, fora da água mesmo, e começou a me ensinar. Eu falava: ‘nossa, que legal! O pessoal da canoagem é muito gente boa’”, conta Debora, que nasceu com uma doença congênita rara que compromete os movimentos do joelho para baixo.

Graças a esses pequenos gestos de ajuda e de incentivo, sou uma atleta e represento o Brasil. Por isso, digo que o Cleuton foi uma pessoa muito importante na minha vida”.

O “Cyborg” guarda com carinho a lembrança e cita esse como um dos grandes momentos que o esporte lhe proporcionou. “Pude ajudar alguém. O esporte se multiplica e é uma ótima ferramenta de inclusão e transformação”, afirma.

ESPORTE(ponto final) ESPORTE(ponto final)

Um canal especial do UOL Esporte

A entrevista com Cleuton "The Cyborg" Nunes foi realizada pelo ESPORTE(ponto final), um canal onde atletas falam sobre como o esporte faz diferença na vida deles e revelam os grandes momentos que viveram na carreira.

A cada semana, episódios inéditos serão lançados em esporte.uol.com.br/esportepontofinal. E você também pode acompanhar nas mídias sociais: youtube.com/esportepontofinal e facebook.com/esportepontofinal.

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