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Como Godin contrariou seu patrocinador e fez seleção uruguaia levar milhões

Godin em ação pelo Uruguai; zagueiro liderou protesto à revelia de seu patrocinador - AP Photo/Juan Karita
Godin em ação pelo Uruguai; zagueiro liderou protesto à revelia de seu patrocinador Imagem: AP Photo/Juan Karita

Do UOL, em São Paulo

06/10/2016 06h00

Patrocinado pela Puma, Godín foi contra sua parceira pessoal para defender os interesses da seleção uruguaia. Capitão e líder do time, ele liderou um protesto que impediu a AUF (Associação Uruguaia de Futebol) de renovar com a empresa alemã por apenas US$ 5 milhões em dois anos de contrato. Os próprios atletas apresentaram uma proposta superior da Nike e forçaram uma negociação que obrigou a Puma a subir a oferta. Graças à interferência de Godín e companhia, os cartolas devem, nos próximos dias, fechar por US$ 24,5 milhões em um compromisso de sete anos.

A Puma deve seguir vestindo o Uruguai, mas pagaria muito menos por isso não fosse a interferência dos atletas. A proposta inicial da empresa alemã previa US$ 2,5 mi por ano, contra US$ 3,5 mi da Nike. Com sete temporadas em vista, a interferência dos jogadores representou cerca de US$ 7 milhões a mais para os cofres do futebol uruguaio.

“Só queremos que a federação seja forte e possa gerar recursos sem depender de ninguém. Que tenha livre concorrência”, disse Godín no começo das negociações, segundo o El País. “Luis [Suárez] é da Adidas e eu sou Puma, mas deixamos claro desde o princípio que isso não tem a ver com nenhuma marca”, concluiu o zagueiro.

O acordo que deve ser selado nos próximos dias é um passo importante em uma disputa política no futebol uruguaio. Simbólico, o processo de escolha do fornecedor de material esportivo é só uma das frentes de discussão dos jogadores, que são liderados por Godín desde que ele herdou a braçadeira de Lugano. Para entender por que as estrelas uruguaias estão preocupadas com as negociações da AUF, acompanhe o passo-a-passo abaixo:

Por que a federação aceitaria uma proposta baixa da Puma?

Desde 1998, a empresa Tenfield tem prioridade para negociar qualquer direito de imagem relacionado à AUF. Especializada em direitos de transmissão, a companhia age como uma intermediária entre a federação e o mercado, trazendo empresas interessadas em patrocinar o futebol uruguaio em troca de comissões. A relação entre as partes passou a ser considerada suspeita após os escândalos de corrupção da Fifa.

Foi a Tenfield que levou a Puma a vestir o Uruguai a partir de 2006. Com o contrato atual prestes a vencer, a AUF estava disposta a renovar por US$ 5 milhões sem levar em conta ofertas de concorrentes. A negociação seria feita diretamente com a Tenfield, que novamente agiria como “ponte” para as partes interessadas. Foi aí que os jogadores resolveram intervir.

Cavani levou a Nike à disputa

Patrocinador pela empresa americana, foi o atacante do PSG colocou a Nike em contato com a AUF. A interferência de um jogador em uma negociação do tipo, incomum, é resultado da organização recente da seleção uruguaia. Incomodados com a forma que a federação local é gerida, os atletas têm buscado participar de negociações que estão fora de sua alçada, como a de material esportivo.

Quando viram que a AUF estava prestes a ignorar os valores da Nike, os jogadores fizeram um manifesto. “Em horas decisivas para o futebol uruguaio, só exigimos que haja dignidade, transparência e respeito pelas pessoas, pelos jogadores e muito especificamente pelos valores democráticos que sempre identificaram nosso país e nosso povo. Só assim [a federação] se livrará do jogo de interesses alheios e não seguirá vendendo seu rico patrimônio por um preço mais baixo do que o necessário", disse Godín, que foi a principal cara do protesto.

O grupo chegou a dizer que não cederia seus direitos de imagem caso a negociação não levasse em conta todos os envolvidos. Não se tratava de beneficiar a Nike, explicaram eles, mas de garantir um contrato melhor para a seleção. A discussão trouxe visibilidade à negociação, que não poderia mais ser feita a sete chaves.

Sob protestos, federação exige mais dinheiro da Puma

A interferência dos jogadores não foi bem vista por todos. Jose Luis Palma, presidente do Liverpool-URU e um dos opositores ao acordo com a Nike, chamou a manifestação de “elemento de pressão e atropelo”. Um advogado da AUF chegou a dizer que a Tenfield procurou Godín para amenizar a situação e que o zagueiro teria recusado o encontro – ele nega qualquer contato.

No fim, a posição dos jogadores venceu e os cartolas tiveram de forçar a Tenfield a cobrir a oferta. A Puma, então, decidiu igualar a proposta da Nike para não perder o privilégio de vestir o Uruguai. A decisão foi anunciada na semana passada e agora Tenfield, Puma e AUF estão a detalhes burocráticos de uma assinatura que não seria tão comemorada se Godín e companhia não tivessem entrado na história.