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Leo Azevedo: longo prazo e sacrifício de resultado para Orlandinho e Felipe

Alexandre Cossenza

02/01/2018 07h00

Leo Azevedo é um dos técnicos brasileiros mais versáteis e experientes da atualidade. Morou quatro anos na Espanha, quando treinou Guillermo García López e foi uma espécie de segundo técnico de Juan Carlos Ferrero. Voltou para o Brasil, onde teve parcerias com Flávio Saretta, Ricardo Mello e Thomaz Bellucci – era Azevedo, aliás, o treinador quando o canhoto de Tietê mergulhou no top 100 pela primeira vez, em 2008. Depois, mudou-se para os EUA a convite da USTA, onde trabalhou com José Higueras e Ivan Lendl. Lá, treinou juvenis, homens e mulheres, na Flórida e na Califórnia.

Agora, está de volta na Espanha, onde ocupa o cargo de coordenador técnico da Barcelona Total Tennis (BTT) e, após um acordo com a Confederação Brasileira de Tênis (CBT), será o técnico full-time de Orlando Luz e Felipe Meligeni. De repente, de "esquecido" pela gestão Jorge Lacerda, Leo Azevedo tornou-se a grande esperança da gestão Westrupp (ex-braço direito de Lacerda, lembremos) para fazer vingar a maior promessa do tênis no país nos últimos anos. Orlandinho, ex-número 1 do mundo juvenil, é hoje o #725 do ranking adulto, aos 19 anos.

Azevedo também é a esperança da tenista brasileira com mais resultados nos últimos anos. Teliana Pereira, em uma iniciativa própria (leia-se "sem participação da CBT"), vai também estará em Barcelona para fazer sua pré-temporada. Leo e eu conversamos alguns dias atrás, logo após o Natal, quando o treinador estava estudando vídeos de seus futuros tenistas. O que ele pensa? Como ele vê tênis? O que aprendeu tenisticamente na Espanha e nos EUA? Role a página e descubra!

A CBT ajudou a viabilizar algo muito legal, que é ter aí com você o Orlandinho e o Felipe Meligeni. A Teliana também vai, mas por conta própria. De repente, você virou "o" centro do tênis brasileiro.

(risos) A academia virou. Eu estou aqui no meio.

Mas como foram as conversas com a CBT e como se chegou a isso?

Eu saí da USTA em… Wimbledon foi meu último torneio. Eu conhecia o (Eduardo, gestor esportivo da CBT) Frick de algum tempo, e a gente sentou para conversar a primeira vez em Roehampton. Ele me expôs que uma das coisas que a CBT queria fazer é um centro na Europa que servisse de base para quando os jogadores estivessem na Europa e não precisassem voltar para o Brasil. Eu falei para ele que na USTA a gente fazia isso. Eu vinha aqui (em Barcelona) no verão e ficava 11 semanas com os meninos. O (Alex) Gibson, o (Sebastian) Korda, o (Vasil) Kirkov…. Só que a gente não jogava 11 semanas. Jogava três, ficava uma no centro, ia pra mais três, ficava mais duas no centro.. A gente fazia isso. A ideia começou ali. Essa foi a conversa inicial, até porque eu não sabia exatamente qual seria minha função aqui (na BTT). Depois de conversar aqui com o pessoal, eu falei para eles (CBT) que eu ia continuar fazendo essa intermediação das semanas de base do centro, mas que também haveria possibilidade de a gente ter alguns jogadores full-time na academia e que eu poderia viajar com esses jogadores. Eu falei "se eu posso fazer isso, se a CBT tem interesse de mandar um jogador para cá, de repente dá para fazer as duas coisas juntas". Aí a gente começou a conversar, eles vieram para cá visitar a academia, conversar com os donos, o Francis Roig, o Álvaro Margets e o Jordi Vilaró, e gostaram. A gente mostrou onde o pessoal dorme quando fica aqui, a gente mostrou um apart hotel que a gente usa quando é semana com o treinador, a gente mostrou a academia, e aí eu não me envolvi mais porque era uma decisão da CBT, e eu tinha feito a minha parte. Agora, faz pouco tempo, o Frick me contactou, falando da possibilidade do Orlandinho. E logo depois do Felipe. A Teliana foi separado. O Marcio Torres, que é o agente dela, me contactou uma semana antes de a CBT fechar o negócio com a BTT. Foi separado.

Falando especificamente sobre o Orlandinho, ele fica sob os seus cuidados direto então? Porque você é coordenador técnico da academia, né?

Sim, mas eu vou fazer o treinador. Sou coordenador técnico quando não estou diretamente na quadra, mas vou treinar normal, como treinei todos os jogadores que treinei. Na USTA, eu era o lead coach. Você faz algumas coisas a mais do que o treinador normal faz, mas eu ainda gosto de ser treinador, gosto de viajar… É o que me enche. Então vou estar full-time com ele e com o Felipe. Vou treinar normal. Vai ser meu jogador aqui.

Você já conversou com cada um? Sabe o que eles têm em mente, já viu os dois jogando? O que você pensa para o tênis deles?

Agora, nesta semana depois do Natal, estou estudando bastante. Conversei com todas as pessoas envolvidas. Primeiro, quis conversar com os dois treinadores que estavam com eles porque eu tento sempre ser muito ético com isso. Liguei para o Bocão, que estava ajudando o Orlandinho, e para o Ricardinho Mello, para deixar tudo certo, e ficou tudo certo. Conversei com o pai do Orlandinho, a mãe do Felipe, com o Fino, que é envolvido bastante com o Felipe, e por último conversei com os dois. Vi mais jogar o Orlandinho do que o Felipe. O Orlandinho eu vi jogando em Roland Garros no ano que ele ganhou do Taylor Fritz, tem mais coisa disponível na internet dele. O Felipe eu vi uma vez, mas era Wimbledon, júnior, não é muito fácil de julgar. E estou vendo bastante jogo na internet, estou perguntando para quem conhece, e conversei com eles porque eu posso ter minha visão do jogador, possivelmente quando eu vê-los ao vivo vou ver coisas que não vi no vídeo, mas o jogador é quem mais se conhece. Tive boas conversas com os dois.

Hoje em dia, você entra naquele site do Livestream, você acha todos jogos de Challenger ali. Tem muita coisa!

Quando eu comecei a treinar o Saretta, ele estava muito mal. Eu falei pra ele "por que você não me mostra um jogo da época que você jogou muito bem?" Eu fui na casa dele, e ele me mostrou de quando ele ganhou do Kafelnikov em Roland Garros. Eu perguntei: "qual a diferença do Saretta de hoje para aquele Saretta." E ele me surpreendeu com a resposta porque ele falou "eu voava fisicamente." E a partir dali eu passei a ver que para o jogador às vezes é importante visualmente ver o que faz ele jogar bem. Pedi isso pro Orlandinho, para a Teliana, para o Felipe, e também estou fazendo eu mesmo para ter tudo preparado para quando eles chegarem.

É um exercício interessante. Eles devem gostar disso. Ou não?

Você sabe que eu leio muito… O (Juan Carlos, escritor uruguaio) Onetti falava uma coisa: "eu nunca reli Onetti". Ele nunca lia os livros que ele escrevia.

Mas quem escreve odeia reler seus próprios textos! (risos)

Agora, o Orlandinho… Achei ele muito maduro taticamente, na visão de jogo, para a idade dele. Ele sabe exatamente o que ele faz quando jogou bem. Agora… Jogar bem no juvenil demanda certas coisas. No profissional, outras. Mas ele tem a visão. O Felipe já viu por um lado mais de intensidade, de como se portar antes do próximo ponto, o que foi legal. A Teliana, ainda não falei com ela porque ela saiu de férias. Semana que vem eu vou falar. Mas é legal. Tem muita gente que é auditiva, mas a maioria ainda é visual, né? Então é legal eles não serem iguais ao Onetti.

Já existe algum planejamento de calendário ou está muito cedo para isso?

Mais ou menos. O Felipe já comprou a passagem, está chegando aqui dia 8 de janeiro e deve começar a pré-temporada no dia 9. O Orlandinho vai começar um ou dois dias depois. A princípio, vão ser cinco ou seis semanas de pré-temporada, e a gente vai começar dia 12 ou19 de fevereiro na Turquia. Três ou quatro Futures lá.

Os dois (Orlandinho e Felipe) juntos?

Os dois juntos.

Ambos vão morar na academia?

A academia tem duas casas de família. já está confirmado que eles vão ficar morando em uma dessas casas.

E estar em Barcelona ajuda muita na hora de fazer calendário, ajuda financeiramente, facilita em muita coisa, né?

A Europa é o berço do tênis e geograficamente é muito difícil de bater a Europa. Você estando aqui, mesmo quando você se mete jogador, você faz duas giras grandes. A da Austrália, no começo, e a da Ásia. E nos Estados Unidos também. Mas nessa idade, Orlandinho e Felipe também, talvez nenhum precise sair da Europa para jogar. Geograficamente, dá para colocar Marrocos e Tunisia como Europa porque o norte da África está aqui do lado. De repente, joga um ou outro torneio no Brasil, mas não tem essa necessidade de ficar … Por exemplo, quando estava nos EUA, não tinha saibro pra jogar. O saibro-saibro, saibro verdadeiro. Tinha que vir para a Europa. Aqui, não. Tem quadra rápida, tem quadra indoor, tem saibro, tem grama… Está tudo aqui. Então nessa fase de Future, em que o dinheiro não é muito fácil, é super importante ter uma base aqui.

A Teliana vai fazer a pré-temporada diretamente com você também?

Comigo também. Ela chega dia 7 de janeiro.

Mas aí é só pré-temporada mesmo?

Só a pré-temporada. Ela casou, quer continuar morando em Curitiba. Eu tenho um número X de semanas para viajar com o Orlando e com o Felipe, e com a Teliana, o que a gente conversou foi o seguinte: vamos fazer a pré-temporada, vamos ver o que acontece ali, e depois a gente vê , se ela gostar, qual é a melhor maneira que eu vou ter para ajudá-la.

Sobre a academia, tem muito garoto treinando aí? Eu pergunto isso porque uma das dificuldades de quem está em transição no Brasil é ter parceiros de alto nível para treinar…

A academia, nos últimos 12 anos, mudou bastante, como mudou bastante no mundo inteiro o conceito de academia. Antes, elas tinham muito mais jogadores de nível do que agora. Todas as academias. Não sei se mudou bastante o conceito, mas existe hoje muito mais gente indo na academia porque quer melhorar o tênis, porque quer ter uma experiência fora do país que vive, porque quer melhorar um pouquinho para ir para uma universidade… Agora, aqui a gente tem possivelmente mais do que uma academia normal. E o bom da Espanha é que se você tiver três ou quatro bons jogadores em cada academia… Aqui perto da gente existem umas cinco academias, então você já tem 20 jogadores para treinar. Aqui (na BTT), a gente tem o João Sousa, que está 50 do mundo. Tem um russo que terminou o ano agora 400 e pouco. E a gente tem o (Pedro) Cachin, argentino que o Corretja treina, que está a cinco minutos da academia. Tem o Robredo, que treina aqui e está a dez minutos da academia, tem o Granollers, que é bem amigo meu, que está a 15-20 minutos da academia. O Carreño também passa a metade do tempo no Ferrero e metade do tempo aqui. Tem o Rublev, que treina com o Fernando Vicente. Tem muita gente nesse raio de ação de Barcelona que dá para treinar. E aqui o pessoal treina muito junto, não tem esse negócio de "ah, tô na academia A, só vou treinar na academia A." O pessoal mescla bastante.

Isso é muito legal. No Brasil, ainda existem panelinhas, rivalidades e tudo mais. Tem a questão geográfica, que complica por causa das distâncias, mas isso existe.

Quando eu trabalhei com o Saretta, o Thomaz ou o Ricardinho, não era muito fácil para treinar porque não tinha muita gente do nível do Thomaz ou do nível do Ricardinho em São Paulo. Tinha o Zampieri, tinha o Romboli, mas não tinha muito. Acho que a questão geográfica no Brasil é muito difícil. Na Espanha, existem três lugares onde existe esse negócio de treinar junto. A região de Alicante, que engloba ali o Ferrero, tem o Casper Ruud, que treina por ali, tem a região de Valência, onde estão Ferrer, Andújar, e tem Barcelona. Mas é tudo muito perto comparado com São Paulo. Imagina comparando com o Brasil. Nos EUA, era mais difícil. Agora que eles estão conseguindo juntar mais porque o centro é enorme. Mas era difícil o pessoal da Califórnia treinar com o pessoal da Flórida. Isso é um diferencial enorme, e acho que o que a CBT fez agora, no fim do ano, de tentar juntar jogadores e treinadores, foi uma atitude bem legal. Tomara que consigam fazer isso mais vezes por ano.

Sim. E tomara que consigam quebrar um pouquinho dessas rivalidades, que existem até com a própria CBT. Eles fizeram um evento, que é uma ideia e um conceito interessante, mas não chamaram o Pardal, não chamaram o Kirmayr… Podiam ter chamado. Quem não quisesse ir, não iria, mas poderiam ter tentado unir o pessoal que ficou meio brigado com o Jorge Lacerda na última gestão. De repente, acabava de vez com esse negócio. Mas eu quero saber de você outra coisa… A CBT levar o Orlandinho e o Felipe até você diz muito sobre a confiança que a entidade coloca no seu trabalho. Então vamos falar de você. Você esteve na Espanha antes, de 2003 até 2006, depois ficou um bom tempo na USTA e agora está de volta na Espanha. O que cada um desses lugares te acrescentou profissionalmente?

Eu acho que o lugar que mais me ensinou tenisticamente foi a Espanha. Porque eu cheguei aqui e eu era… Não que eu seja algum coisa importante hoje, mas eu não era ninguém. Eu cheguei aqui para treinar o pior grupo da academia e, depois de três anos, eu estava treinando o García-López e era como se fosse o segundo treinador do Ferrero. Aprendi muito de estilo de vida de jogador, de treinador… Taticamente, é um país onde a parte tática é muito importante. Essa cultura tenística… A última vez que eu estive no Pelas Quadras, eu disse que "quando você emerge aqui, é difícil fazer as coisas muito errado porque tem muita gente perto fazendo as coisas certas." Aprendi muito aqui. Quando eu voltei para o Brasil, foi a primeira vez que trabalhei com jogador sozinho. Ricardinho, Saretta, Bellucci… Acho que foi bem o aprendizado de acordo com os resultados. Com o Ricardinho, apesar de ganhar dois Challengers, foi mais ou menos. Com o Saretta foi bem melhor, peguei ele mal e fez semi de ATP, e com o Bellucci foi o melhor trabalho que eu fiz individualmente até hoje. Quando eu fui para a USTA, eu aprendi uma cultura tenística diferente, uma cultura mais de quadra rápida, mas a USTA me deu três coisas muito importantes. Uma foi o fato de poder ter trabalhado com juvenis. Eu nunca tinha trabalhado com juvenil. Cheguei lá, o projeto era só para juvenil. Foi a chance de entender um pouco como o pessoal faz o jogador chegar no nível que que ele estava quando eu pegava esse jogador. Foi um aprendizado muito bom. Outra coisa importantíssima: treinei mulher. Muito importante como treinador. Eu lembro quando me ligaram, falaram "Leo, você vai precisar ir para o centro da Califórnia e só tem quase mulher." Eu falei "nossa senhora, nunca treinei mulher." Acho que o perfil que eu tenho como treinador, que sempre fui um pouco mais duro, de falar as coisas de frente, eu achava que não ia combinar. O José Higueras, que foi o cara que me levou para os EUA, me falou: "confia em mim porque depois de treinar mulher, você vai ser melhor treinador do que você é hoje." E eu me dei muito bem treinando mulher. Eu treinei mais adolescentes, mas que depois tiveram bons resultados no profissional. E quando eu voltei para os homens, eu realmente senti bastante diferença no trato, mas no trato para encontrar diferentes opções para chegar até o jogador. Quando você treina mulher, não dá para ir só de frente. Você tem que passar a mesma mensagem, mas muitas vezes usando outro tipo de linguagem, outra estratégia. E a terceira coisa, que talvez seja o mais importante, eu tive a chance de conhecer a pessoa que é a pessoa mais importante tenisticamente da minha vida, que é o Higueras. A pessoa com quem eu mais aprendi de tênis e, desde que eu moro fora, de vida. E conheci de perto e trabalhei e também considero amigo, o Ivan Lendl. Essas foram as coisas mais importantes que a USTA me deu. Mas se eu fosse me definir, a Espanha me marcou mais como país, mas essas duas pessoas foram muito importantes no meu crescimento como pessoa e treinador.

Uma questão recorrente aqui do Brasil é que existe um problema de transição. vários jogadores foram bons juvenis, tiveram bom ranking mundial, mas não conseguiram ser profissionais com resultados em nível ATP. Há quem diga que é falta de maturidade do brasileiro, há quem diga que esses garotos não tiveram seu tênis preparado para o profissional, há quem diga que falta parceiro de treino… Qual a sua opinião sobre isso? O que mais atrapalha o brasileiro?

É meio antiético eu falar "para o brasileiro" porque faz muito tempo que eu não estou aí, então vou falar no geral o que eu acho, e talvez o brasileiro se encaixe em algumas coisas aí. Eu sei porque eu treinei, por exemplo, o Korda, o Gibson, todos já tiveram bons resultados jogando profissional. A Cici Bellis… No feminino, a transição começa de repente com 15 ou 16 anos, e não com 18, também tiveram bons resultados. Eu sempre gostei de treinar o juvenil pensando no jogador que eu quero ter jogando como profissional. Nunca pensei em treinar juvenil como juvenil. Eu falo para os jogadores: "você tem que se olhar como jogador daqui a alguns anos". Eu falo para os pais: "vocês não podem olhar para o jogador daqui a um mês." Tem que olhar e ver. Como eu quero o Zezinho jogando daqui a quatro anos? Eu sempre tentei fazer isso. Isso passa por conceitos táticos desde pequeno. Sempre tentei fazer o jogador ir para a rede, jogar em todo tipo de quadra, não fazer com que ele seja mono… monoquadrista (risos), não sei se tem essa palavra. Porque às vezes tem muito juvenil que só joga no saibro ou só na rápida porque gosta. Juvenil é época de experimentar coisas. Tenisticamente, culturalmente, quadra… É o momento para construir o jogador para o profissional. Juvenil não pode ser o fim, tem que ser o meio. Para os sul-americanos, uma coisa que não ajuda muito é a distância. Pega um pouco, mas eu não acho que seja – não sei se a palavra é desculpa ou razão – porque demora mais porque os argentinos sempre saíram dali e já foram para o profissional num bom caminho. O Brasil é um país muito bom de se viver. Talvez seja duro para o jogador sair de casa tão cedo por muito tempo. E, tirando o brasileiro, outra coisa é que uma das maneiras de preparar o jogador para o profissional é mesclando torneio profissional com torneio juvenil. Por dois motivos: para ver o que te espera e para aprender a perder. O que acontece? O jogador é número 2, 3, 4 do juvenil e vai perder muito pouco o ano inteiro. Ele faz 18 anos, no outro ano ele já ai ganhar muito pouco. É o oposto. Se você não é um Federer, vai perder muito mais do que ganhar, e lidar com esse fator tão oposto machuca bastante. Por isso que sempre gostei de preparar o jogador, enquanto está no juvenil, para ser profissional.

E isso significa que, às vezes, o jogador vai perder jogos no juvenil porque está jogando um tênis que ainda está em formação, né?

Jogador e treinador sempre têm que ver o futuro e para onde o tênis está indo. Você assiste tênis hoje. O tênis virou um jogo de posição. Ninguém joga tão longe da linha mais. Para você dar quadra para alguém, é muito difícil. Realmente, você vai ver torneio juvenil, tem garoto com as costas pregadas na tela, passa bola e ganha jogo ali. Não vai ganhar jogo no profissional. Mas acho que isso é uma coisa de olhar para o futuro. Eu, quando começar a trabalhar com o Orlandinho e o Felipe, vou ver as coisas que precisam ser feitas e vou falar para eles: "de repente, a gente vai ter que sacrificar um ou outro jogo aqui e ali, ou um mês aqui e ali porque eu quero que você jogue bem lá na frente." Não quero que o Orlandinho jogue bem agora. Quero que ele seja um grande jogador de tênis. Quero que o Felipe seja um grande jogador de tênis. E isso demanda tempo. Por exemplo, o Orlandinho nunca jogou muito torneio em quadra rápida e indoor. Um dia vai ter que jogar. Foi o que aconteceu com o Bellucci quando eu treinei ele. Eu falei "vai jogar indoor. Possivelmente você vai perder a maioria dos torneios na primeira rodada, mas isso vai servir para você lá na frente." Não estou falando que três torneios serviram para ele, mas começou a jogar ali, viu que não estava tão longe… A gente perdeu todos jogos duros. Perdeu pro Nieminen duro, perdeu pro Del Potro… É importante jogador e treinador verem para onde está indo o tênis e para onde está indo o jogador. Às vezes, esse sacrifício de resultado em prol do rendimento é importante. Agora… existe pressão nisso tudo aí que não é muito fácil. Tem patrocinador, dependendo da idade existe pai, e cada vez mais não é tão fácil virar para alguém e dizer "olha, tem que melhorar, a gente vai melhorar, não vamos se preocupar tanto com isso ou aquilo".

Numa entrevista que eu fiz com você em 2008, após aquela temporada, que foi exatamente o período que você citou agora, quando o Thomaz perdeu para o Del Potro e o Nieminen. Tem uma frase sua assim: "se ele não aprender a jogar na quadra rápida, ele não pode ser top 20, top 30." E continua sendo esse o raciocínio para qualquer jogador, de qualquer lugar, não?

Eu penso assim. Às vezes, pode ser que a curto prazo não seja o que o jogador esperava ou o que o pessoal esperava, mas… Por exemplo, no caso do Thomaz, na época… Não vou falar do Thomaz hoje porque não me compete, mas na época ele já jogava bem no saibro. Todo mundo sabia. Ganhou quatro Challengers no saibro, ganhou de jogadores bons, fez um ótimo jogo com o Nadal no saibro (em Roland Garros), "a gente já viu, o saibro está ótimo. Vamos ver agora como é que é na outra." Mas não é ver se vai ganhar ou não, é "vamos ver como é que é pra daqui pra frente, quando você se meter no top 100, seu calendário vai ter mais quadra rápida. Vamos ver o que precisa fazer." E aí o jogador começa a ficar mais completo. E isso vale em todas as idades, em todos os níveis.

Até porque existe tão pouco torneio no saibro hoje que quanto mais você sobe, menos joga no piso. Nadal, hoje, joga cinco torneios por ano no saibro. Os Masters, Barcelona e Roland Garros. Nem na América do Sul ele joga mais…

Acho que o jovem tem tanta informação que tem que mesclar os dois… O saibro te ajuda muito a construir ponto. A rápida te dá muitas coisas além do que, como você falou, o circuito é baseado em rápida. Você não vai ser bom se jogar só na rápida ou se jogar só no saibro. Não vai. E você não vai ser bom na quadra rápida se não tiver algumas coisas do saibro porque hoje em dia a quadra rápida é lenta. Você precisa saber trabalhar o ponto.

Pra terminar, outra coisa que eu queria resgatar de uma conversa nossa em 2009, em Flushing Meadows, é que naquela época a CBT falava muito em ter um centro de treinamento próprio. Esse CT nunca saiu, mas eu lembro de uma frase sua que era assim: "Não adianta ter um centro de treinamento se você não tem um planejamento do que você vai fazer nesse lugar." Nada leva a crer hoje que a CBT vai ter um centro de treinamento em breve, mas pelas conversas que você teve com o Frick, você sente a entidade hoje com uma ideia melhor sobre a direção que o tênis brasileiro deve tomar?

É difícil comparar porque eu fiquei muito tempo fora. O que eu posso falar é que continuo achando isso: ter um centro de treinamento teoricamente é uma coisa muito legal. Na prática, não é fácil. Na Inglaterra, fizeram aquele centro enorme e não tem um jogador que mora lá. Eu acho que uma federação ou confederação deveria ter um centro maior ou menor, que seja aberto para juntar o pessoal. Acho que é legar ter, mas se não souber exatamente o que fazer com o centro, em algum momento ele vai ser um elefante branco. Como aconteceu na Inglaterra. Eu conversei com o Westrupp e o Frick algumas vezes. No US Open, em Barcelona, em Wimbledon… Acho que eles têm intenções muito boas. O que eles veem do tênis, como poder ajudar… De novo, não estou muito por dentro de como foi, quem convidou, quem não convidou, mas esse encontro eu achei uma coisa muito, muito bacana. Ter na mesma quadra o Guga e o Fino é um negócio difícil de ver. Ter essa iniciativa de ir para a Europa, ver um lugar para ajudar, auxiliar os jogadores… São ações que, fora o lado político – eu trabalhei numa federação. Federação é sempre vidraça. Se você ajudar o Zé, alguém vai reclamar. Sempre vai ter gente que vai contra a federação porque é inerente à posição em que eles estão. Na USTA, era assim também.

Claro.

Federação nunca vai contentar todos. O que eu escutei deles, eu achei muito interessante. Se eles vão conseguir fazer ou não, se eles vão ter condições, apoio político e financeiro para fazer tudo que eles querem, isso aí são outros quinhentos. Agora, a plataforma, o plano, são coisas – e as primeiras ações, pelo que estou vendo de longe, acho ações importantes e de impacto no tênis brasileiro.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.