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Seleção masculina: enquanto rivais se renovam, Brasil mantém a base da Rio 2016

Sidrônio Henrique

23/05/2017 06h00

Renan Dal Zotto comanda treino da seleção brasileira em Saquarema-RJ (foto: Marcio Rodrigues/MPIX/CBV)

Por força das circunstâncias ou por estratégia, técnicos das principais seleções masculinas fazem alterações em suas equipes neste início de ciclo olímpico. O descanso dos principais astros, a procura por novos talentos ou o desenvolvimento de jogadores que têm potencial e tiveram poucas oportunidades no passado é a tônica nos semifinalistas da Rio 2016, exceto o Brasil, que insiste nos veteranos por precisar mostrar resultados, segundo o técnico Renan Dal Zotto. "Quando se fala em Liga Mundial, que é daqui a pouco, não se justifica não dar chance aos que foram campeões olímpicos", disse ele ao Saída de Rede numa entrevista publicada no dia 15 deste mês. Já Itália, Estados Unidos e Rússia, respectivamente prata, bronze e quarto lugar na Olimpíada, vêm com novidades.

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O roteiro não é novo. Esse filme já foi visto algumas vezes. Um exemplo bem vivo na memória do torcedor brasileiro é o da seleção feminina. No início do ciclo passado, em 2013, as titulares do Brasil fecharam a temporada com 43 vitórias em 44 partidas. No Grand Prix daquele ano, massacraram times B dos principais adversários. Um ano depois, no Campeonato Mundial, um Brasil bem marcado foi derrotado com relativa facilidade pelos EUA na semifinal e teve que se contentar com o bronze. Mais adiante, nos Jogos Olímpicos, não passou das quartas de final contra a China.

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"A gente manteve uma base muito grande por um bom tempo. A renovação vai ser mais drástica agora", afirmava ao SdR, numa entrevista veiculada em março, Paulo Coco, assistente técnico de José Roberto Guimarães. De fato, a lista de convocadas para esta temporada anunciada por Zé Roberto apontou claramente para uma renovação, seja por algumas estrelas terem anunciado sua despedida da seleção ou ainda pelos planos de outras se tornarem mães.

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No masculino, a concorrência é mais acirrada do que no feminino, com mais equipes capazes de chegar ao topo.

Bernardinho foi técnico da seleção masculina por quatro ciclos olímpicos, de 2001 a 2016 (foto: FIVB)

Pressão
Renan chegou à seleção precedido por ninguém menos que Bernardinho, o técnico que mais venceu na modalidade, com dois ouros olímpicos e três títulos mundiais, entre outras conquistas. Isso, por si só, já seria muita pressão. Outras circunstâncias também dificultam sua chegada, como o hiato de oito anos longe da função. Tem mais: a mídia e o meio do voleibol enfatizavam os méritos do argentino Marcelo Mendez, que comandou a ascensão do Sada Cruzeiro, hoje uma potência mundial no universo dos clubes. Outra: o próprio Bernardinho, que se refere a Renan como "um irmão", por conta da amizade nascida nos anos 1970, preferia que o cargo tivesse sido ocupado pelo seu assistente Rubinho, que deixou a seleção e vai treinar o Sesi no período 2017/2018. Para completar, as finais da Liga Mundial, primeiro torneio de Renan Dal Zotto como técnico da seleção, serão no Brasil, mais precisamente na Arena da Baixada, em Curitiba (PR), de 4 a 8 de julho.

Dos 18 jogadores relacionados para a Liga Mundial 2017, apenas três – o ponta Rodriguinho, o central Otávio e o líbero Thales – nunca haviam sido chamados para a seleção principal. A lista de convocados para a Liga Mundial está repleta de veteranos, incluindo 10 dos 12 campeões olímpicos na Rio 2016 – todos estariam relacionados, se o líbero Serginho não tivesse dito adeus à seleção e o levantador William Arjona não tivesse pedido um tempo para ficar com a família no primeiro semestre de 2017.

"É justo que possam jogar no Brasil uma competição importante", explicou Renan, durante entrevista coletiva, no dia 8 de maio, quando anunciou os convocados e foi questionado sobre a presença dos veteranos, dando a entender que o fator casa nas finais do torneio influenciou na lista.

Radamés Lattari e Renan Dal Zotto durante entrevista coletiva, no Rio, no dia 8 de maio (foto: CBV)

Tudo ou nada
Como foi dito acima, é evidente a pressão sobre o novo treinador. No final da mesma coletiva, o diretor de Voleibol de Quadra da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), Radamés Lattari, disparou: "Qualquer resultado diferente de ser campeão não está bom".

O desgaste pelo triunfo em uma competição secundária pode custar o título de um major mais tarde, como já sabemos. A China, campeã olímpica no feminino em 2016, deu de ombros para o GP naquele ano. A Rússia, ouro em Londres 2012 no masculino, sequer enviou seus principais jogadores à Liga Mundial naquela temporada, terminando na oitava colocação. A própria seleção brasileira, no ano passado, utilizou a Liga para fazer ajustes, assim como outras equipes.

A primeira temporada de um ciclo olímpico é a mais fraca, tendo como principais competições a Liga Mundial/Grand Prix e a desimportante Copa dos Campeões, que sequer vale pontos para o ranking. Hora ideal para testar novatos, como vão fazer os principais adversários do Brasil no masculino, em vez de sobrecarregar quem já tem larga experiência.

Zé Roberto, ao que parece, aprendeu a lição. O próprio Bernardinho, criticado por levar um time envelhecido a Londres 2012, com algumas peças-chave apresentando problemas físicos, foi menos conservador na Rio 2016 – o ponta Murilo, sem condições físicas, foi cortado.

Renan Dal Zotto ressalta a condição de campeão olímpico do time que forma a base da atual seleção. Sem dúvida, a equipe se impôs no Rio, mas, nas palavras do lendário treinador americano Doug Beal, era "uma equipe apenas boa, longe de ser a melhor". Ou alguém duvida que, nome a nome, Itália e EUA tinham times mais fortes? Pegue 12 mil torcedores apaixonados empurrando o time no Maracanãzinho e some aí um dos melhores estrategistas de todos os tempos à beira da quadra, Bernardinho. "Ele estruturou um esquema que compensava as limitações do time. Esporte é isso, nem sempre o melhor vence, mas sim aquele que está melhor estruturado", comentou Beal em entrevista publicada pelo Saída de Rede em janeiro. O sistema colocado em prática por Bernardinho fez a diferença. O estrategista não está mais lá e os jogadores serão quatro anos mais velhos em Tóquio 2020.

Bernardinho estruturou um esquema no Rio que compensou as limitações da equipe (foto: FIVB)

Veteranos
O oposto Evandro tem 35 anos. O central Éder completa 34 este ano. O ponta Lipe chega aos 33 no próximo mês. Lucão, 31, que teoricamente tem tempo para mais um ciclo, segue sendo convocado sem pausa para descanso. O levantador Raphael, cortado da Rio 2016, faz 38 anos em junho. Se Serginho, 41, e William, 37, quisessem, estariam lá. Aliás, naquela coletiva, Renan se referiu a William como "um garoto que tem muita lenha pra queimar". É sabido que levantadores e líberos têm carreira mais longa, em razão do menor desgaste físico, mas daí chamar um atleta prestes a completar 38 anos de "garoto" só pode ser brincadeira. E se foi, não teve graça alguma.

Um ex-atleta da seleção brasileira nos anos 1990 e 2000, que pediu para ter o nome mantido em sigilo, disse ao SdR que é arriscado apostar em um time com alguns jogadores importantes beirando os 35 anos ou até acima dessa faixa. "Quando passamos dos 30 aumenta o desgaste. Chegando ali pelos 35, o esforço é muito grande para jogar em alto nível se você é ponta, oposto ou central. Claro, há exceções, mas na maioria das vezes é assim".

O ponta russo Sergey Tetyukhin é uma exceção ao se manter em alto nível mesmo após os 40 (foto: FIVB)

Exceções
Não dá para esquecer o ponteiro russo Sergey Tetyukhin, que a um mês de completar 41 anos foi destaque da Rússia na Rio 2016, sua sexta Olimpíada. O mesmo vale para o italiano Samuele Papi, também ponta, que aos 39 anos teve participação importante em Londres 2012, sua quinta presença em Jogos Olímpicos. Mas, como se sabe, esses são exceções, assim como a central americana Danielle Scott e a ponteira russa Evgenia Artamonova, exemplos de longevidade no voleibol feminino.

Checou os links lá em cima com os convocados desta temporada das outras três seleções semifinalistas da Rio 2016? Nada do oposto Maxim Mikhaylov e do levantador Sergey Grankin na seleção russa. Também não se vê o ponta/oposto Ivan Zaytsev e o ponteiro Osmany Juantorena na lista da Itália. Não estão relacionados os nomes do ponta/oposto Matt Anderson e dos centrais Max Holt e David Lee entre os jogadores americanos para a Liga Mundial. Não, eles não foram deixados de lado, é óbvio. Os técnicos destas equipes não viram razão para desgastá-los logo depois da temporada de clubes em um ano pós-olímpico.

Itália
Juantorena pediu ao técnico Gianlorenzo Blengini para descansar esta temporada e foi atendido. O mesmo com Zaytsev em relação à Liga Mundial – ele volta para a disputa do Campeonato Europeu, na Polônia, no final de agosto.

Apesar de contar com o talentoso levantador Simone Giannelli, que em agosto completa somente 21 anos, o treinador Blengini quer dar rodagem a Luca Spirito e Riccardo Sbertoli – o primeiro tem 23 anos e o outro completa 19 nesta terça-feira (23). Jogadores que fizeram parte da seleção B que representou a Itália nos Jogos Europeus 2015, no Azerbaijão, como os ponteiros Luigi Randazzo, 23, e Tiziano Mazzone, 21, e o central Fabio Ricci, 22, foram chamados.

Rússia
A imprensa russa diz que Mikhaylov e Grankin, ambos campeões olímpicos em Londres 2012, devem voltar para o Campeonato Europeu. O central Dmitriy Muserskiy entrou em atrito com a federação local e seu retorno à seleção é uma incógnita. A equipe tem técnico novo, Sergey Shlyapnikov, que substitui Vladimir Alekno. Entre os novatos que estarão na Liga Mundial, os jornalistas russos destacam o ponteiro Dmitry Volkov, 22, os centrais Ilyas Kurkaev, 23, e Ilia Vlasov, 21, e os levantadores Dmitry Kovalev, 26, e Pavel Pankov, 21.

Bronze na Rio 2016, a seleção americana vem renovada para a Liga Mundial 2017 (foto: FIVB)

Estados Unidos
Nos EUA, o técnico John Speraw decidiu dar descanso a Matt Anderson e Max Holt, informou ao Saída de Rede a USA Volleyball, organização que administra o voleibol naquele país. Os dois atletas de 30 anos, que participaram da campanha do bronze no Rio de Janeiro, devem voltar à seleção somente em agosto, desta vez concentrados para a Copa dos Campeões, torneio com duração de apenas seis dias, em setembro, no Japão.

Contundido durante um treino na liga italiana, o ponta Aaron Russell, prestes a completar 24 anos, vai se recuperar longe da Liga Mundial e também deve voltar no segundo semestre. Já o veterano central David Lee, 35, disse que quer disputar o Campeonato Mundial 2018. Speraw não se opõe, mas quer ver o rendimento do meio de rede, que está na seleção desde 2003. Outro jogador experiente, o ponta Reid Priddy, 39, deixou o indoor e agora joga vôlei de praia.

Como o foco está em Tóquio 2020, o treinador aproveita para testar caras novas. É o caso do central Jeff Jendryk, 21, que em seu penúltimo ano na universidade é destaque na NCAA (entidade que organiza competições nacionais em mais de 30 esportes nos EUA em nível universitário). Assim como o colega Blengini, o técnico Speraw também está de olho em novos levantadores para ter mais opções, ainda que tenha à disposição Micah Christenson, 24, um dos melhores do mundo – ele ainda não está treinando com o restante do time em Anaheim, na Califórnia, por ter tido uma temporada desgastante na liga italiana. A aposta da vez é James Shaw, 23, de 2,03m, apontado pelo treinador como uma das grandes revelações do voleibol americano – o levantador Shaw treinou com o time B em 2014 e 2015 e com a equipe principal na preparação para a Rio 2016.

Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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