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Bala na Cesta

Fora do Mundial, técnico Carlos Lima espera continuar na seleção e reflete sobre o esporte

Fábio Balassiano

03/10/2017 13h00

A péssima campanha da seleção brasileira feminina que fez com que a modalidade veja o primeiro mundial sem o Brasil desde 1959 não tira o ímpeto de Carlos Lima. Técnico da equipe na Copa América em que o país chegou apenas no quarto lugar, o comandante conversou com o blog na semana passada e manifestou o desejo de continuar como treinador do time nacional.

Atualmente em São José, onde lidera o projeto feminino da cidade, Lima também fez ótima reflexão sobre a atual situação do basquete feminino, que inspira cuidados há tempos e cuja base de atletas é pequena. Vale a pena ler o papo e compreender as palavras do treinador também como um sinal de alerta.

BALA NA CESTA: Passados quase dois meses da Copa América, qual a avaliação que você faz do desempenho da seleção feminina?
CARLOS LIMA: Fábio, precisamos voltar um pouco para falar sobre a performance do time. Quando acabou a suspensão da FIBA, exatamente no dia 21 de junho de 2017, foi muito em cima da hora. A Copa América começava no dia 6 de agosto e, portanto, existia um período de menos de 60 dias entre o primeiro dia fora da suspensão e o começo da Copa América. Isso é importante ser lembrado. A diretoria da CBB tentou fazer as coisas da melhor maneira possível dentro deste panorama. Foi um tempo curto de treinamento? Foi, sem dúvida, mas foi o que conseguimos ter. Depois disso, não tivemos algumas atletas. Érika, Clarissa, Damiris, Nádia e Tainá. Por motivos diferentes – contrato com a WNBA e lesão. Adiciono a isso o fato de algumas atletas estarem inativas desde o final da Liga de Basquete Feminino, que fechou no começo de maio. Iniciamos, com a seleção, os treinamentos em 13 de julho. Tivemos dificuldade e uma mescla de atletas experientes com jovens. Procuramos enfrentar da melhor maneira possível, mas obviamente o resultado, a classificação para o Mundial de 2018 na Espanha, não veio da forma que esperávamos.

BNC: Entendo isso, mas você não considera um vexame a campanha brasileira que sofreu pra ganhar da Venezuela e que perdeu das Ilhas Virgens, Argentina, Porto Rico e Canadá?
LIMA: Não sei se uso essa palavra. Talvez seja reflexo da dificuldade que a gente tem no dia a dia, Fábio. Seleção é o reflexo de tudo. Nosso campeonato é curto, temos poucos times em atividade e falta intercâmbio. Canadá tem trabalho de 8, 10 anos. Na Argentina, essa geração foi a terceira 3a do mundo em 2009 em um Mundial Sub-19 em que o Brasil chegou em nono. É absurdo perder de Porto Rico? Essas meninas jogam juntas há anos. Nós tínhamos jovens, e algumas com pouca rodagem. Pode ser vexame, mas ninguém vê as dificuldades que estamos passando.

BNC: Entendo tudo isso, mas perder do Canadá eu até entendo. Das Ilhas Virgens, com jogadoras de vôlei no elenco, e Porto Rico e Argentina, que possuem ligas amadoras e atletas sem nenhuma projeção internacional, eu não consigo compreender, não. Não foi exageradamente ruim, Carlos?
LIMA: Não vou justificar, não é a questão. Mas não conseguimos chutar. Tivemos um aproveitamento muito baixo nos arremessos. Menos de 20% de bolas de três pontos. É ruim demais mesmo. Mas, de novo, isso é reflexo. Essas meninas precisam jogar mais, estar mais tempo em quadra. Das jogadoras que estiveram na olimpíada, eu levei três. A Kelly jogou pouco. Joice jogou pouco. Ramona quase não jogou. Olha a mudança de um ano pro outro. Com uma suspensão no meio. É complicado, não é fácil, não. Se pegar a estatísticas da LBF, eu levei as melhores mesmo. Raphaella, revelação que eu sei que você acompanha, jogou muito bem. Te garanto foi feito todo possível. De estudo, treinamento, aplicação, mas todos os fatores convergiram pra não classificação. É uma pena mesmo.

BNC: E pra 2018, como fica a sua situação? Você já sabe se vai permanecer no cargo?
LIMA: Única competição que temos é o Sul-Americano, já que não vamos ao Mundial da Espanha. Eu fui convocado pra dirigir o time na Copa América. O que foi combinado foi concretizado, tudo certo. Nada a reclamar e só elogios à diretoria. Não tenho nada pro ano que vem. Espero que a CBB consiga reestruturar a modalidade com organização, metas, base, concursos, clínicas, capacitação, tudo o que sempre pedimos. E tenho certeza que vão fazer. Não há dúvida.

BNC: Técnico brasileiro estuda pouco no feminino? Por que a carga tática e técnica da maioria dos times é incrivelmente baixa?
LIMA: Técnicos brasileiros estudam. Querem estudar. Mas a realidade é que o jogo mudou e nem sempre conseguimos ter as jogadoras jogando um campeonato forte. Falta intercâmbio também. Para atletas e treinadores. Espero que a LBF consiga fazer um campeonato forte já na próxima temporada e que haja uma unidade muito grande entre CBB, Federações, Clubes e Liga. Falta uma característica pro nosso basquete. Cada um joga de um jeito. Não há unidade. É complicado isso. Eu vejo dessa forma.

BNC: Carlos, uma questão. Quando a gente fala do desempenho coletivo, claramente não foi bom. Mas individualmente um time que chuta menos de 20% de três pontos não depõe contra o atleta em si? Atletas brasileiras, via de regra, não são muito acomodadas? Não treinam muito pouco?
LIMA: O que você acha?

BNC: Eu acho que há uma mescla da situação ruim e treinar muito pouco mesmo. Vejo as atletas muito mais conformadas com a situação do que "revoltadas" para querer evoluir. E você?
LIMA: Vamos lá. Você tem um ponto, e nem vou entrar nele, mas pensemos de uma outra maneira. Se você tem um campeonato com 6 equipes, sendo possível contratar duas estrangeiras. Só aí você tem 60 jogadoras selecionáveis. É pouco, bem pouco. Falta matéria-prima, e aí falta competitividade. Se não aumentar o número de praticantes pra aumentar a qualidade interna não adianta. Aí o tal arremesso q você falou não cai. O percentual precisa melhorar. Como? As jogadoras que foram tem aproveitamento no brasil. Por que internacionalmente a bola não cai? O psicológico influencia também. Falta rodagem. É natural. É polêmico falar. Não tem que culpar jogador, treinador, dirigente. Quando a CBB conseguir colocar a casa em ordem, e ela vai colocar, tenho certeza disso, tenho esperança que dará certo. Não dá pra apontar só os erros, mas sim todos pensarem da mesma forma. Indo pra mesma linha, mesma direção.

BNC: Falta união no basquete feminino, você acha?
LIMA: Todos precisam trabalhar juntos. Já há um preconceito contra o basquete feminino. Você fala que tem um projeto de basquete, todos se animam. Quando fala que é de feminino, ninguém quer. O feminino tem as conquistar, medalhas, destaques no mundo inteiro. Precisa ter a unidade. Os dirigentes da CBB dizem que o tratamento será igual e eu acredito nisso. Vou bater no meu ponto de novo. Precisa de muito intercâmbio. Não sei quem é o culpado. Se a gente não aumentar o número de praticantes não vai resolver nunca. Se não tiver quantidade, não vai ter qualidade.

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