'Para que o mundo corporativo ajude, o esporte também precisa se organizar'
A ida ao Future da Santos a convite do Instituto Sports me permitiu, além de fazer entrevistas interessantes e conhecer melhor gente como Zormann, Orlandinho e Rafael Matos (entrevista com ele em breve), entrar numa área que sempre me interessou, mas pouco explorei nos 10 anos de Saque e Voleio: patrocínios.
No último sábado, pude conversar com o CEO da Accor Hotels na América Latina, o francês Patrick Mendes. Para mim, foi uma aula sobre a importância dos valores do esporte no mundo corporativo, sobre como uma gigante como a Accor (parceira de Roland Garros e do Australian Open) escolhe que modalidades e eventos vai apoiar e sobre como grandes empresas privadas analisam o trabalho de promotores, federações e confederações antes da tomada de decisão.
Mendes cita especialmente o Pacto Pelo Esporte, um acordo entre empresas que patrocinam esportes que define regras e mecanismos na relação investidor-entidade. As confederações que estão no Pacto recebem uma pontuação baseada em suas práticas de governança e transparência, e isso permite que grandes empresas saibam onde o risco de ter sua imagem manchada, por exemplo, por um dirigente investigado pela Justiça Federal. Falarei mais sobre o Pacto no futuro.
Por enquanto, leiam meu papo com o CEO da Accor Hotels. Ele certamente ajuda a explicar por que algumas federações e confederações têm mais ou menos facilidade para fechar bons contratos de patrocínio com empresas privadas.
O que leva uma empresa como a Accor a querer se associar com uma modalidade esportiva? É visibilidade, publicidade, relacionamento… O que pesa mais?
São vários pontos. Eu sempre associei o esporte com a minha vida de empresário e com a minha empresa também, onde eu trabalhei. Sempre. Acho que o esporte tem valores que são muito facilmente aplicados no mundo corporativo, no mundo do business, de maneira geral, então acho que é uma maneira lógica de associar os valores que você pode desenvolver no esporte. Não em todos esportes. Nós somos bastante seletivos com o esporte que escolhemos. Por exemplo, o tênis: foi uma decisão que tomamos dois anos atrás de nos associar ao tênis e ajudar o tênis no Brasil, nos associando a vários torneios. Os valores são concentração, aplicação, parceria, respeito pelo adversário, esforço… São valores muito importantes no mundo corporativo. A segunda razão também é ajudar o ambiente onde nós trabalhamos. A Accor está com 300 hotéis na América do Sul e temos 98% de funcionários locais, da região. Então acho que é muito importante estar na vida esportiva, social, na vida dos clubes… Ajudar, como empresa-cidadã, o jovem a se desenvolver, a superar dificuldades… esse é outro aspecto. E a terceira razão não é, para mim, o mais importante: a comunicação. Isso é consequência. A comunicação, o awareness, o relacionamento, a notoriedade… é uma consequência da ética e dos valores e de se integrar no lado social de onde você está instalado.
Quando você fala de valores, faz muita diferença que uma modalidade tenha expoentes reconhecidamente que se enquadram nesses valores? Pergunto porque o tênis tem nomes como Federer, Nadal, Andy Murray, que são embaixadores de várias marcas.
Há poucos jogadores que chegam a esse nível de notoriedade. Nós não apoiamos especificamente um jogador como Federer ou Nadal. Não somos patrocinadores de jogadores. O que nos interessa é a atividade em si: o esporte. Se tem um esportista que é menos notório, menos conhecido, o que ele faz, o valor da modalidade nos interessa.
Depois que se estabelece a relação com a modalidade, como se escolhe que eventos específicos vão ter um apoio mais direcionado da Accor?
Aqui, o marketing é comunicação. O Brasil tem alguns torneios como os que estamos fazendo aqui, em São Paulo e fizemos em Campinas… Há dois anos também apoiamos em Angra dos Reis o Itaú Masters Tour. Eu escolho a modalidade esportiva, como tênis, rugby ou outra, vamos visitar os eventos que estão sendo realizados, e o relacionamento entre jogos também. Trabalhamos com o Instituto Sports, que você conhece. Também é importante a qualidade do organizador. Esse é outro elemento importante. No esporte, você tem muitas coisas boas, mas também tem muita coisa desorganizada. O importante para que o mundo corporativo entre no esporte de maneira segura que o esporte se organize também. Por isso, entramos no Pacto Pelo Esporte. Eu sou muito fã dessas iniciativas. Estamos entrando com a Accor de maneira séria, ajudando, apoiando e fornecendo alguns hotéis para ajudar, mas é uma maneira de dizer ao mundo do esporte que se organize. Que se organize para que o mundo corporativo também te ajude.
Você falou da importância do organizador… Para cada evento, existe uma análise de risco antes de se fechar um contrato ou acordo? Como isso é feito?
Sim. Minha equipe faz. isso é fundamental. Analisamos várias coisas. Primeiro, a notoriedade. Dependendo do valor do investimento, evidentemente, mas vamos analisar qual é a notoriedade do evento para responder o terceiro objetivo, que falei para você que é o awareness, a visibilidade. Depois, e a seriedade da organização que está à frente. Há várias maneiras de fazer isso. Esse trabalho que está sendo feito agora pelo Pacto Pelo Esporte, que somos várias empresas se juntando para tentar enquadrar juridicamente, financeiramente, eticamente, com políticas de compliance, as federações e confederações, é uma maneira, para mim, de tangibilizar ou enquadras juridicamente e financeiramente essas empresas. Nós olhamos isso. Evidente que uma federação como a Confederação Brasileira de Rugby, que hoje é um exemplo em termos de management, ética e compliance, para mim é uma segurança muito grande. Então, na escolha, a notoriedade é importante, as pessoas são importantes e também a formalização das práticas de governança e management é fundamental.
Valos falar do rugby agora, então? Você jogou rugby, não?
Joguei. Vários anos.
É uma modalidade que tem muitos valores que você admira, não?
Bom, eu sou um pouco parcial aqui…
Seja. (risos)
Sou um pouco parcial, mas o rugby, para mim, é o esporte que junta todos os valores mais nobres do esporte. Não estou dizendo que os outros não tenham, mas têm parte. Tênis também tem muitos valores, mas é um esporte individual. É um esporte bastante solitário. No rugby, você não consegue marcar um gol, que nós chamamos de try ou essai, em francês, sozinho. É impossível. Eu joguei rugby por mais de 20 anos. É impossível. Você tem que ter o time. Então colaboração, espírito de equipe, respeito pelo adversário, que é fundamental, ética, treino duro, integração de todo tipo de figuração, a diversidade… Esse esporte é fenomenal para isso. Você tem, no rugby, um baixo, um alto, um gordo, um magro. São 15 posições, e cada um tem o seu papel. Você precisa de um pequeno magrinho, de um gordão forte para empurrar, lá atrás precisa de um rápido e veloz. Você tem todo tipo de pessoa. No tema de diversidade e integração, é um exemplo. Esse esporte tem valores impressionantes e que podem ser facilmente adequados no mundo corporativo.
Eu admiro demais o rugby porque venho de uma cultura onde o futebol é dominante, e em todas as partidas a gente vê um jogador fingindo estar machucado para ganhar tempo…
Ah, isso é inaceitável!
…outro caindo para pedir pênalti, outro reclamando do árbitro… E o respeito dos jogadores de rugby pelos árbitros, juízes, é uma coisa espetacular. Eu acho fantástico.
Isso tudo que você falou agora nunca acontece no rugby. Em termos de educação, desde que você tem 5, 6 anos. Em nasci no sul da França, perto de Biarritz, onde ou você joga rugby ou não é nada. Você tem que jogar rugby. E desde que você tem 5, 6 anos e começa, faz parte da nossa educação. É como aprender a comer, a falar. Você não pode fingir. Isso e inaceitável. O jogador de rugby não finge, ele respeita o adversário. Vão brigar durante o jogo. Acabou o jogo, tudo bem, vão tomar um drink, o que chamamos de troisieme temps, o terceiro tempo, que é sempre muito importante no rugby, a confraternização. Meus filhos jogaram rugby também, adoraram e foram educados nesse processo de muito respeito aos outros.
E esse respeito é algo que vai estar associado ao nome da empresa.
Exato.
Não quero falar especificamente do tênis, mas que tipo de dano sofre uma marca se um dirigente ou organizador acaba envolvido com uma atividade ilegal? Se, por exemplo, a Confederação Brasileira de Rugby amanhã tiver algum dirigente preso ou num escândalo? Que dano isso causa a uma empresa?
Vamos tentar de tudo para evitar esse tipo de situação, por isso que somos muito cautelosos antes de entrar em apoios ou ajuda.
E, por favor, deixando claro que estou usando o rugby só como um caso hipotético. Poderia estar citando qualquer outra federação.
Claro, eu entendi a sua pergunta. Se a Accor apoiou uma federação e, de repente, um escândalo acontece. Pode acontecer um escândalo. É ruim. É ruim. Mas a reação vai ser a retração. Evidente que nesse caso não penso 50 vezes. Se o caso foi revelado e confirmado, a minha resposta é muito simples: eu saio. E saio porque vários outros CEOs de empresas fazem isso. Isso vai ajudar para que todos os esportes fiquem com práticas de compliance perfeitamente respeitadas.
E é aí que entra o Pacto Pelo Esporte, não? Para que isso não aconteça ou para que, pelo menos, diminua bastante a chance de que algo assim ocorra. Quando você vê que confederações estão agindo de maneira correta, sendo transparentes e tudo mais….
É, me surpreendeu. Eu conheci o Pacto Pelo Esporte um ano e meio atrás. Você sabe o Raí há vários é nosso embaixador Le Club da Accor Hotels, e foi ele que inicialmente me apresentou o programa. Depois, vários amigos através do esporte. Eu fiquei espantado com o sistema. Trabalhei em vários países e foi a primeira vez que vi algo assim. Basicamente, são grandes apoiadores que se juntam dizendo "nós estamos dispostos a ajudar esportes de maneira totalmente organizada". Por isso, os auditores verificam o funcionamento dessas federações e confederações, atribuem uma pontuação em função disso, e se essa pontuação for tanta e de tal nível, "estamos de acordo para apoiar esse esporte." Se não estiver, as práticas que foram reveladas como não-adequadas preferimos não apoiar. Basicamente, é isso. Eu achei fantástico. Tem que ser feito de maneira organizada. Tivemos várias reuniões para evitar os abusos em potencial desse tipo de funcionamento e, realmente, acho isso fantástico.
Aliás, aproveitando a deixa sobre empresas unidas, o Nelson Aerts havia me dito que você ajudou a levar outra empresa para o rugby…
Eu sou bastante atuante na Confederação Francesa aqui. França e Brasil sempre foram amigos há muitos anos em vários aspectos, mas também no nível do mundo corporativo somos bastante envolvidos. Eu sou bastante presente na Confederação Francesa, já sou um dos velhos franceses, estou há seis anos no Brasil. A maioria fica três anos, que é um contrato de expatriação básico. Eu já estou há seis anos, então o "mundo político francês" que está aqui tem 60, 70 empresas relevantes. Eles estão vendo o que eu estou fazendo com o esporte, então vários estão entrando. BNP, Sodexo, Decathlon, Heineken, que não é francesa, mas o CEO é francês… São empresas que estão olhando, algumas estão me perguntando "o que você acha? Eu quero apoiar um pouco, o que vou apoiar?" Tem duas ou três pessoas que são bem envolvidas no esporte que ajudam dizendo onde ir ou não ir.
O Brasil tem a Lei de Incentivo Fiscal que permite que empresas usem para apoiar o esporte uma parte da verba que seria destinada a pagar imposto de renda. Alguns promotores de eventos acham que a lei atrapalhou um pouco porque muitas empresas só querem entrar se for evento feito com Lei de Incentivo (e eventos feitos com dinheiro de Lei de Incentivo só podem ser feitos por empresas sem fins lucrativos). Isso afeta a sua decisão, no caso da Accor?
Eu faço os dois. Evidente que custa caro tudo isso. Organizar um torneio, entrar no golfe, entrar no rugby… Tudo isso tem custos. Nós temos três maneiras de entrar. A primeira é via permutas. São elementos que ajudam. Nós temos quartos de hotéis, as companhias aéreas têm assentos, os produtores de cerveja têm as bebidas… É um mercado que funciona bem porque o esporte precisa de quartos, então é uma maneira de ajudar a reduzir o custo do evento e, ao mesmo tempo, de nós apoiarmos de uma maneira mais aceitável. O segundo é a Lei de Incentivo, que realmente ajuda. Eu, provavelmente, não faria tanto sem ter isso. Algumas pessoas estão dizendo que atrapalha. Para mim, ajuda. Ajuda porque eu divido meus custos, e o fato de ter um incentivo fiscal me permite… Não vou decidir que 100% do valor vai ser de eventos com Lei de Incentivo, mas 50% têm que fazer parte. Então 50% do meu investimento é feito através de Lei do Incentivo. Por exemplo, estou apoiando a Fundação Gol de Letra, do Raí. Apoio todos os anos, eu ajudo a fazer. E a terceira parte é orçamento de marketing. Aí você tem que medir um retorno de investimento. Será que vale investir 100 mil neste evento? Vai trazer visibilidade? Vai haver ativação de marketing para o consumidor final? Vai me permitir ter um relacionamento específico? No golfe, posso ter alguns investidores que querem estar em um evento B2C (business-to-consumer). Isso é marketing. Então são os três: permuta, incentivo e orçamento de marketing.
Neste evento aqui, o IS Open Santos, qual é o retorno que a Accor quer?
Branding. Marca. Um pouco de relacionamento, mas aqui é mostrar que a Accor Hotels está no mundo do tênis.
A lógica é a mesma de Roland Garros e do Australian Open, que também são eventos com apoio da Accor?
Exatamente. Em um âmbito mais local, mas sim. Vou trazer aqui umas 200 pessoas do nosso relacionamento. Investidores, clientes, clientes Le Club, que é nosso programa de fidelidade, então isso é uma parte. Mas o resto é mais dizer que a Accor Hotels faz parte do mundo do tênis. Há dois anos que começamos e estar aqui é uma maneira de continuar. Aqui é um evento um pouco menor do que São Paulo ou Roland Garros, evidentemente, mas para mim é continuidade. Eu não gosto de fazer coisas one-shot. Fazer tênis durante seis meses, um ano? Não. Na CBRu ou no tênis, eu entro aqui para seis, sete anos. Para construir uma imagem, construir um relacionamento. Isso é um encontro de pessoas. E também é um negócio. Se você quer fazer um negócio, você sabe que a pessoa vai estar lá. Há esse lado do relacionamento, que é importante. Então é 70% branding, notoriedade, awareness, e 30% relacionamento para esse tipo de evento. Para outro tipo de eventos, é puramente relacionamento, como falei do golfe. No rugby, é mais notoriedade e dar a imagem da Accor, que apoia um novo esporte, que é um esporte ético, então vamos capitalizar na imagem da Accor como empresa-cidadã. E isso também internamente! Não esqueça que temos mais de 15 mil colaboradores e famílias. São mais de 100 mil pessoas que trabalham ou estão associadas com o grupo Accor. É importante para mim também vincular valores internamente, então quando eu falo awareness e branding, não é só externa, mas é também internamente. Há pessoas que vão escolher a Accor para trabalhar por razões que não são puramente objetivas. São razões "ah, eu acho que a Accor é uma empresa mais cidadã" ou que respeita as comunidades ou que fez uma política muito forte de diversidade de raça, gênero… Quero que as pessoas que trabalham para nós se sintam orgulhosas das práticas da Accor no Brasil.
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