Ferrolho suíço? Negativo

Como a imigração colocou a Suíça no ataque e moldou DNA de rival do Brasil

Ana Carolina Silva e Thiago Rocha Do UOL, em São Paulo

Adversária do Brasil na estreia na Copa do Mundo da Rússia, a Suíça virou sinônimo de retranca por muitos anos. A facilidade em não fazer gols era similar à de não tomá-los. Uma das maiores proezas do país em Mundiais foi a eliminação nas oitavas de final na edição de 2006, na Alemanha, de forma invicta e sem ser vazado em quatro partidas. A campanha, de duas vitórias e dois empates, fora interrompida com uma eliminação nos pênaltis para a Ucrânia, após 0 a 0 com bola rolando.

O rótulo de "ferrolho" pode até parecer exagerado, mas definitivamente é coisa do passado. Com o passar dos anos, os suíços se mantiveram com defesas sólidas, porém por mais desenvoltura ofensiva. Classificados a uma Copa pela quarta vez consecutiva, os rivais da seleção de Tite neste domingo, às 15h (de Brasília), na Arena Rostov, tiveram média de 2 gols por jogo nas eliminatórias da Europa e estão invictos há seis partidas, com direito a um 6 a 0 sobre o Panamá no período. A última derrota ocorreu em 10 de outubro de 2017, quando tomou 2 a 0 de Portugal.

Não custa lembrar que, no último duelo com o Brasil, os suíços venceram por 1 a 0, gol contra de Daniel Alves, em amistoso que encerrou invencibilidade de 11 jogos sob o comando de Luiz Felipe Scolari, em 14 de agosto de 2013, na Basileia.

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Novo DNA

A geopolítica ajuda a explicar o DNA atual da seleção, sexta colocada no ranking da Fifa. Com o terceiro melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do planeta, a Suíça virou a alternativa por uma vida melhor para milhões de imigrantes, principalmente entre famílias da ex-Iugoslávia, desmantelada após conflitos civis a partir de década de 1980, e de países da África afetados pela pobreza. A mistura entre povos incrementou novas características também no futebol.

Dos 23 convocados pelo técnico Vladimir Petkovic (nascido em Sarajevo, capital da Bósnia e Herzegovina) para a Copa da Rússia, 15 nasceram em outros países ou são suíços com origens em outras nações, o que equivale a 65% do elenco.

Um pouquinho de Brasil

Se por décadas o futebol dos Balcãs ficou conhecido como o "Brasil europeu", por conta da qualidade técnica dos jogadores, é possível dizer que a atual Suíça bebe muito dessa fonte. Desses 15 "estrangeiros" da seleção, sete tem raízes familiares com países que compunham o bloco iugoslavo, entre eles os dois mais famosos.

Granit Xhaka, volante do Arsenal, é suíço de nascimento, filho de pais albaneses e com ancestrais de uma região hoje pertencente à Sérvia. Jogador mais discreto, mas vital para o meio de campo da seleção, é quem tem o maior valor de mercado entre os convocados segundo o Transfermarkt, site especializado em transações: 40 milhões de euros (R$ 172,8 milhões). O meia-atacante  Xherdan Shaqiri, o mais famoso, nasceu em Gjilan, no Kosovo. É jogador do Stoke City, recém-rebaixado no Campeonato Inglês, mas está próximo de se transferir para o Liverpool, atual vice da Liga dos Campeões.

Outro talento badalado do elenco, o lateral-esquerdo Ricardo Rodríguez, do Milan, nasceu na Suíça, filho de pai espanhol e mãe chilena. Já o jogador que é apontado como o futuro do país, Breel Embolo, de 21 anos, atacante do Schalke 04, é africano. Nasceu na República dos Camarões.

Um elenco respeitado, competitivo, mas que reunido não tem impacto em tempos de cifras tão inflacionadas do futebol atual. Também segundo o Transfermarkt, o valor de mercado dos 23 convocados da Suíça é de 218,1 milhões de euros (R$ 944,3 milhões). Equivale a menos de um Neymar, contratado pelo Paris Saint-Germain por 222 milhões de euros (R$ 961,2 milhões na cotação do dia).

Símbolo de uma nova era

O canhoto e baixinho Shaqiri (1,69m), de 26 anos, virou a personificação de uma Suíça mais íntima com a bola. Com um ano de idade, ele e a família deixaram a antiga Iugoslávia para fugir da guerra civil, em 1992. Na adolescência, ganhou destaque nas categorias do Basel e, em 2012, aos 20 anos, foi contratado pelo Bayern de Munique. Passou também pela Inter de Milão, que negociou o meia-atacante com o Stoke City por 12 milhões de libras (R$ 59,2 milhões na cotação atual), o maior valor já pago pelo modesto clube inglês por um jogador.

Se ainda falta protagonismo a Shaqiri por clubes, apesar da inegável habilidade e agressividade ofensiva, sobra personalidade quando veste a camisa 23 da Suíça. São 68 jogos e 20 gols pela seleção. Ele foi um dos artilheiros da Copa de 2014, no Brasil, com três gols - os europeus caíram para a Argentina nas oitavas de final.

Shaqiri pode ser ídolo na Suíça, mas não abandonou as origens. Por conta das raízes familiares, ele não cantou o hino do país em jogo contra a Albânia, em 2012, pelas Eliminatórias da Copa, e nem comemorou o gol que marcou sobre a pátria de seus pais.

A nova geografia do Leste europeu, com as dissoluções de Iugoslávia, Tchecoslováquia e União Soviética, permitiu que muitas pessoas adquirissem mais de uma nacionalidade. É o caso de Shaqiri, com cidadanias suíça, albanesa e do Kosovo. Esta última nação quase ganhou o reforço do jogador, que ameaçou abandonar a seleção suíça para defender o país onde nasceu nas eliminatórias para a Eurocopa de 2016.

A origem do ferrolho suíço

Você pode perguntar de onde vem a expressão "ferrolho suíço". E nós respondemos: técnico do país nas Copas de 1938 e 1954, o austríaco Karl Rappan queria seu time posicionado inteiramente atrás da linha intermediária.

Dava certo. Em 1938, por exemplo, seu time eliminou a Alemanha e só parou na Hungria - só a campeã Itália (que venceu por 4 a 2 na decisão) e a Suíça levaram menos de quatro gols dos húngaros naquele mundial. Em 1954, na fase de grupos, seu time terminou à frente da Inglaterra.

Seu legado foram os times suíços que brilharam em Copas até 2014: um foi eliminado sem sofrer gols (2006), outro bateu o recorde de minutos sem ser vazado (2010) e o último, só foi eliminado com gol no último minuto da prorrogação.

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