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Lito Cavalcanti

Hamilton e Bottas brilham na Inglaterra; Vettel vai do céu ao inferno

Pódio do GP da Grã Bretanha foi formado por Hamilton, Bottas e Leclerc - Andrej Isakovic/AFP
Pódio do GP da Grã Bretanha foi formado por Hamilton, Bottas e Leclerc Imagem: Andrej Isakovic/AFP

O Grande Prêmio da Inglaterra, neste domingo, foi espetacular, a melhor corrida do ano. Disputas sensacionais, da primeira à última volta. A salvação da Fórmula 1 depois de etapas desastrosas como o GP da França.

Foi um fim de semana de sonhos para a Mercedes - foi também uma corrida consagradora para Lewis Hamilton. Se a pole position ficou com Valtteri Bottas, Hamilton concebeu a melhor estratégia de vitória, transformou o que era apenas teoria em triunfo incontestável, estabeleceu um novo recorde absoluto na sua pista de casa e ainda teve o companheiro Bottas a seu lado no pódio.

Tudo isso somado, a conclusão é de que a Fórmula 1 vive um momento de glória - em contraste gritante com as primeiras etapas do ano. Todos, ou quase todos, brindaram o apaixonado público inglês com performances de gala. Charles Leclerc, Max Verstappen, Pierre Gasly, Carlos Sainz, Daniel Ricciardo, Lando Norris, difícil dizer quem foi o mais brilhante.

Por outro lado, é fácil dizer quem foi o mais decepcionante. A pergunta que fica, o assunto mais pungente é que diabos está acontecendo com Sebastian Vettel. Tetracampeão, vencedor consagrado, piloto que qualquer equipe sonha ter, mas que, uma vez mais, jogou pela porta da rua um pódio que já era seu de direito.

Na prova de classificação ficou evidente seu péssimo convívio com o novo acerto do carro da Ferrari - para amenizar a tendência das rodas dianteiras derraparem, sacrifica-se a estabilidade da traseira. Vettel ficou em um sexto lugar humilhante, mais de seis décimos de segundo mais lento que o companheiro/adversário Leclerc, o terceiro colocado.

REAÇÃO DIGNA DE UM TETRA

Na corrida, porém, o tetracampeão deu a impressão de que velocidade não é tudo, a experiência pode, eventualmente, ser a melhor qualidade. Enquanto Leclerc parava na 13ª volta para trocar os pneus macios por médios, Vettel se mantinha na pista com o mesmo tipo de pneus, chegando ao terceiro lugar já na 14ª volta.

Quando o Alfa Romeo de Antonio Giovinazzi saiu da pista e provocou a intervenção do Safety Car na 20ª volta, Vettel (assim como Hamilton) fez sua troca de pneus com perda mínima de tempo e se manteve em terceiro até a fatídica 37ª volta. Foi quando reagiu precipitadamente à perda da posição para Verstappen e bateu na traseira do carro da Red Bull, tentando passar por um espaço que nunca existiu.

Esse tipo de reação não chega a ser inédito. O Vettel que se vê hoje é uma versão até piorada do Vettel de 2014, aquele que se perdeu inteiramente ao se confrontar com um adversário interno disposto a destroná-lo, um jovem australiano chamado Daniel Ricciardo. Naquele ano, Ricciardo venceu três corridas e Vettel nenhuma. Terminou o campeonato em quinto, com 167 pontos, enquanto seu novo companheiro foi o terceiro, com 238.

Aparentemente, foi naquele momento que ele perdeu sua primeira oportunidade. Ao invés de se reciclar para oferecer maior resistência a Ricciardo no ano seguinte, o alemão preferiu se bandear para os lados da Ferrari e dividir os boxes com o cordato Kimi Raikkonen.

SEMPRE DÁ TEMPO DE MUDAR

Dois anos mais tarde, enfrentando situação semelhante, Nico Rosberg mostrou o caminho certo. Batido por um Lewis Hamilton em forma inigualável em 2015, ele se debruçou sobre suas deficiências (e também as do companheiro de equipe) e evoluiu ao ponto de superar o inglês na luta pelo título de 2016 - apesar de ainda ter sido claramente inferior.

O mesmo vem sendo feito por Valtteri Bottas. Depois de se enfurnar nas florestas da Finlândia para refletir e se preparar para disputar cada milímetro de pista com Hamilton, o Bottas de 2019 é um adversário muito mais forte. Mesmo que ainda seja um trabalho em construção, ele tem dado sinais frequentes de que tem condições de ser um opositor à altura do pentacampeão com quem divide a equipe Mercedes.

São apenas e até agora duas vitórias de Bottas contra sete de Hamilton, mas o finlandês segue em sua determinação de evoluir. Ele é hoje o dono do maior número de pole positions deste ano, quatro contra duas do inglês; no ano passado, foram duas contra 11 do inglês. Bottas não se furta a admitir que recorreu aos arquivos da telemetria para estudar todas as voltas de Hamilton no GP da Inglaterra do ano passado para ampliar suas possibilidades nesta edição.

O resultado foi a conquista da pole position e a liderança por boa parte da corrida. O desempenho de Bottas foi tão forte que forçou Hamilton a escolher uma tática alternativa (de que nem seus engenheiros tinham conhecimento): fazer as 52 voltas com apenas uma troca de pneus, o que sua equipe acreditava ser impossível.

Mesmo vendo o primeiro lugar lhe escapar quando o Safety Car entrou na pista e permitiu a Hamilton perder muito menos tempo na troca de pneus, o finlandês se manteve como ameaça próxima ao companheiro/adversário. Tamanha ameaça que o inglês se recusou a atender ao chamamento dos boxes para trocar pneus na fase final da corrida.

Ele sabia, todos sabiam que, uma vez perdida, ele não teria como retomar a liderança de Bottas. Mas, mesmo sem vencer, a atuação primorosa valeu ao finlandês reações internas que praticamente confirmam sua permanência na Mercedes em 2020 - quando se espera que esteja ainda mais forte.

SÓ VETTEL PODE SALVAR VETTEL

Os exemplos de Rosberg e Bottas estão aí, ainda próximos. Cabe a Vettel segui-los. A partir do momento que se repete na Ferrari o ocorrido na Red Bull cinco anos atrás, fica evidente que o problema não está nas equipes, e sim no próprio Vettel. A velocidade ainda está lá. Ele fez a terceira melhor volta da corrida, 1min28s733, atrás apenas de Hamilton, com 1min27s369, e Bottas, 1min27s506.

O outro piloto da Ferrari, Charles Leclerc, fez a quinta melhor volta, 1min29s313. Sim, o jovem piloto de Mônaco foi 615 milésimos de segundo mais rápido na prova de classificação. Mas na corrida, Vettel foi mais eficiente até cometer o erro que lhe custou um lugar no pódio e ser punido com um acréscimo de 10 segundos que o colocou em 16º no resultado oficial - atrás até dos carros de uma Williams indigna de sua importância histórica.

A experiência ainda vale muito, a eficiência durante as corridas ainda se faz notar, o apoio vindo de dentro da Ferrari é incondicional e incontestável - o que falta é firmeza mental. Vettel, um tetracampeão mundial, com 52 vitórias e 56 pole positions, precisa achar em si mesmo as ferramentas necessárias para um renascimento que é urgente e pode ser glorioso.

Ele precisa, a Ferrari precisa, a Fórmula 1 precisa. Precisa principalmente seu público.

Resta ver se ele está disposto a aceitar os sacrifícios que essa mudança impõe.

Só depende dele. Mas não existe alternativa.

Ou isso ou a retirada das pistas.

Todos esses assuntos serão atualizados por mim e pelo Cassio Politi na próxima edição do podcast Rádio Paddock. Ele pode ser acessado a partir das 11 horas das quartas-feiras no Spotify e em vários outros agregadores. Você também pode ver minha análise de outros fatos do GP da Inglaterra no YouTube.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi publicado na versão anterior deste texto, Daniel Ricciardo venceu três corridas na temporada de 2014 da Fórmula 1. A informação foi corrigida.