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Lito Cavalcanti

Um dia para entrar na história

Valtteri Bottas saiu enfraquecido do GP da Alemanha - Dan Istitene/Getty Images
Valtteri Bottas saiu enfraquecido do GP da Alemanha Imagem: Dan Istitene/Getty Images

29/07/2019 14h25

É tradição da Fórmula 1 o período de férias se iniciar logo após o Grande Prêmio da Hungria - que será disputado no próximo fim de semana. É também tradição da Fórmula 1 usar este momento longe das pistas para resolver suas pendências; entre elas, a definição por parte das equipes de quem serão seus pilotos no ano seguinte.

Para alguns pilotos, como Valtteri Bottas e Nico Hulkenberg, um péssimo momento. Para Esteban Ocon, não poderia haver melhor.

Vítimas de seus próprios erros no que pode ter sido a última corrida da Fórmula 1 em Hockenheim, Bottas e Hulkenberg saíram amplamente enfraquecidos do Grande Prêmio da Alemanha. Ao se estatelarem nas barreiras de pneus, eles viram a quase certeza de renovação de seus contratos com suas equipes se afastarem a uma velocidade espantosa.

Até o sábado (27), a Mercedes, por meio de seu chefe Totó Wolff, elogiava as atuações de Bottas e a Renault dava prioridade a Hulkenberg. Mas nenhuma delas deixava de admitir a admiração por Ocon. Depois do surpreendente e, de certa forma, caótico GP da Alemanha, a balança pendeu significativamente para o jovem francês.

Esta foi apenas uma das muitas consequências de uma corrida que entrará para a história como uma das mais emocionantes dos últimos tempos. Não só pelo trabalho dos pilotos, também por suas muitas alternativas e reviravoltas. Fortemente influenciada pelo clima, que passou do calor sufocante da sexta-feira à chuva intermitente do domingo, a corrida teve mais dois recordes prováveis: o uso de nada menos que 98 jogos de pneus (entre os de pista seca e os de molhada) e 78 pit stops.

Max Verstappen, nessa prova, confirmou-se como o piloto mais eficiente quando as condições saem do habitual. Venceu pela segunda vez em três corridas, dominou os adversários e, principalmente, seus próprios nervos ao superar incólume uma rodada de 360 graus. Foi como se nada tivesse acontecido. O holandês esperou seu Red Bull-Honda apontar para a direção certa e seguiu em frente.

Talvez ele tenha se beneficiado da performance abaixo da média de Lewis Hamilton, debilitado desde a manhã do sábado por uma gripe. Mas o próprio Hamilton refuta essa hipótese. "Acho que hoje o desafio foi muito mais mental do que físico", afirmou o inglês.

Uma corrida de muitos erros

Até seu principal crítico, Nico Rosberg, deu uma trégua em sua marcação cerrada sobre o ex-companheiro de equipe. "Em uma corrida como essa, os pilotos não têm quase nenhuma visibilidade para a frente, precisam olhar para os lados para saberem onde estão. É difícil calcular com exatidão a distância dos carros à frente, é uma situação em que se você não estiver com a mente absolutamente clara, com todos os reflexos aguçados, os erros são inevitáveis".

Todos erraram, como disse Rosberg, hoje um analista da TV inglesa SKY Sports F1. Até os engenheiros, que mais uma vez preferiram seguir os computadores a dar ouvidos às informações de seus pilotos. Em um desses casos, Sebastian Vettel implorou em vão pela troca de pneus.

Um dos heróis da corrida alemã, o piloto da Ferrari havia largado em último e, após uma progressão inicial rápida, encontrou em Kimi Raikkonen um obstáculo insuperável. "Esses pneus estão acabados, precisamos trocá-los", dizia ele. Precisou esperar na pista até ser atendido, perdendo um tempo que seria depois apontado como a razão dele não ter podido disputar a ponta com Verstappen nas voltas finais.

Os tempos acumulados das últimas cinco voltas mostram que o alemão gastou menos quase meio segundo nesse período, mesmo tendo de superar Lance Stroll e Daniil Kvyatt. Por outro lado, foi também nestas voltas finais que cada um marcou sua melhor volta, e a de Verstappen foi a mais rápida da corrida: 1min16s645 na 61ª volta contra 1min16s794 de Vettel na 63ª.

A discussão é inconclusiva, mas mostra que, dadas as condições corretas na hora certa, Vettel teria melhores chances em uma corrida de enorme importância para ele e para a Ferrari. Largando em último por causa de uma peça defeituosa, o alemão se redimiu plenamente do erro que cometeu no ano passado neste mesmo grande prêmio, neste mesmo circuito.

Em 2018, também sob chuva, ele errou uma freada, saiu da pista e deixou a vitória nas mãos de Hamilton. Isso lhe custou a luta com o inglês para ver qual dos dois conquistaria o pentacampeonato. Dessa vez, quando quase todos erraram, inclusive o mesmíssimo Hamilton, Vettel subiu ao pódio e de lá pôde ver o público delirar com seu resultado.

A alegria de Kvyatt e a reação da Honda

Ao seu lado estava o russo Daniil Kvyatt, outro a dar fim ao calvário a que foi submetido em 2016, quando foi removido da Red Bull para a Toro Rosso para abrir vaga para Verstappen. Foram três anos duros, um deles fora das corridas. Ao subir ao pódio, Kvyatt completou o fim de semana glorioso da Honda, que viu dois dos quatro carros que usam seus motores chegarem entre os três primeiros.

O primeiro sinal de que as coisas mudariam para melhor veio no sábado, quando sua namorada Kelly Piquet deu à luz a filhinha do casal. No domingo, ele comprovou o acerto de Helmut Marko, que manda prender e soltar dentro da Red Bull e da Toro Rosso, e de Franz Tost, o chefe da Toro Rosso, que o resgataram de um ano de ostracismo como piloto de simulador da Ferrari.

Foi tanta emoção para a Honda que a empresa se permitiu esquecer a secular discrição japonesa e postar nas redes sociais um tapa com luva de pelica em Fernando Alonso. "Ele venceu de novo. Já são duas vitórias do motor de GP2 em 2019". Uma alusão clara à afrontosa crítica do espanhol à performance do seu motor no GP do Japão de 2015. Crítica essa que lhe custou ser rejeitado pela montadora japonesa nas 500 Milhas de Indianápolis deste ano e, mais recentemente, ao se oferecer para substituir Pierre Gasly na Red Bull.

Isso, porém, não ameniza a situação de Gasly. Depois de uma atuação positiva na Inglaterra, onde foi o quarto colocado, ele destruiu um chassi ao bater forte na sexta-feira. Recuperou-se parcialmente com o quarto lugar no grid, mas voltou a sucumbir na corrida. Com desempenho apagado na fase inicial, ele ensaiou uma recuperação parcial nas voltas finais, mas bateu na traseira de Alex Albon ao tentar lhe tirar o sexto lugar e voltou à situação difícil de antes.

Para agravar a situação, seu erro ocorreu em um momento em que os dois pilotos da Toro Rosso estão em fortíssima ascensão. Além de Kvyatt, que hoje alia maturidade à sua nunca contestada velocidade, o anglo-tailandês Albon vem impressionando a cada corrida. O sexto lugar em Hockenheim foi pouco para quem chegou a estar entre os três primeiros em sua primeira corrida de F1 sob chuva e por três voltas conteve os ataques de Hamilton.

Sem dúvida, uma corrida que vai ficar nas páginas da história - mas não só por motivos positivos. Ficará também pela imprudência dos organizadores de não retirarem a solução química da área de escape das curvas 15 e 16, as duas últimas do circuito, em que Leclerc e Hulkenberg perderam suas melhores chances. Utilizada como pista de arrancada, ela tinha resíduos de uma cola que é adicionada para dar aderência aos enormes pneus dos dragsters. Mas se auxilia no seco, quando chove ela transforma o asfalto em um rinque de patinação.

Sem verba, os organizadores também cometeram o erro de deixar a F2 e a F3 fora da programação. Para tentar suprir a lacuna, convidaram Mick Schumacher para dar algumas voltas na Ferrari com que seu pai conquistou o heptacampeonato 15 anos atrás. Foi uma boa ideia, mas nem de longe compensou a ausência das duas categorias de acesso.

Hockenheim nunca mais

Por essas e outras, a F1 pode ter se despedido da pista alemã. Principalmente agora que a Liberty, detentora dos direitos comerciais da F1, luta para convencer as equipes a aceitarem 22 etapas no calendário de 2022. Com a introdução do Vietnã e da Holanda, a confirmação do GP dos Estados Unidos em Austin e do GP do México, o diretor geral Sean Bratches precisa voltar seus olhos para Barcelona. Já dado fora do calendário, o circuito espanhol obteve do governo da Catalunha a verba para mais um grande prêmio.

Isso afasta quase definitivamente a F1 de Hockenheim, um circuito que atingiu notoriedade pela primeira vez ao se tornar o palco do desastre fatal do escocês Jim Clark, em 1968, quando ele representava para a F1 o mesmo que Fangio, anteriormente, e Ayrton Senna, anos mais tarde.

Será um afastamento triste para Verstappen, Vettel, Kvyatt, assim como para a Honda, a Red Bull, a Ferrari e a Toro Rosso. Também para o contestado canadense Lance Stroll, que por um momento chegou a ocupar a liderança e terminou a corrida em um imprevisível quarto lugar.

Para a Mercedes, porém, não haverá motivo para lamentações. Patrocinadora do grande prêmio, a equipe celebrava o 125º aniversário da primeira corrida da história, a Paris-Rouen de 1894, vencida por um Peugeot com motor Daimler, que mais tarde se chamaria Mercedes-Benz. Ironicamente, neste domingo ela viveu seu pior momento. Foi quando Hamilton, após bater na penúltima curva, mergulhou nos boxes sem aviso prévio.

Só que naquele momento, quem deveria entrar seria Bottas, nada estava pronto para Hamilton. O bico do carro e os pneus precisavam ser trocados, mas nada estava pronto. O espetáculo caótico, televisionado para o mundo, deu ares de caricatura às roupas de época usadas por todos seus membros para comemorar a data histórica. Um dia para esquecer.

Isso tudo, porém, não impediu Hockenheim de ter sido o cenário de uma corrida histórica. Mesmo que seja a última.

Domingo que vem tem mais. Dessa vez na calorenta Hungria.

Todos esses assuntos serão atualizados por mim e pelo Cassio Politi na próxima edição do podcast Rádio Paddock. Ele pode ser acessado a partir das 11 horas das quartas-feiras no Spotify e em vários outros agregadores. Você também pode ver a análise de outros fatos sobre a Fórmula 1 no meu canal no YouTube.