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Como o torcedor com doença rara viveu sonho de ver Tite e Arena Corinthians

Diego Salgado e Júlia Zocchio

Do UOL, em São Paulo

14/09/2015 06h00

A cama de hospital em pleno camarote da Arena Corinthians pode ter passado despercebida durante a vitória do Corinthians sobre o Joinville. Após o apito final, entretanto, a história de João Marcos Andrietta, portador de uma doença rara, tornou-se maior do que qualquer resultado em campo. E emocionou jogadores do elenco alvinegro, além do técnico Tite, que encontrou-se com o torcedor antes mesmo de a bola rolar.

O domingo especial, sonhado há tempos, virou realidade para o corintiano acostumado à atmosfera da arquibancada. Aos 55 anos, longe de um estádio de futebol há sete anos por conta da ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), João, ao lado da família, lutou para assistir à vitória do Corinthians. Foram necessários seis meses de preparação para que o torcedor conseguisse acompanhar seu time de coração na nova arena

"Ele é corintiano roxo e realizou um sonho, mas devido à patologia dele, que é a morte dos neurônios motores, ele ficou impossibilitado de vir. Uma das metas dele para 2015 era assistir a um jogo na arena. Batalhamos e conseguimos", explicou Cirlene Andrietta, esposa de João Marcos, em entrevista ao UOL Esporte

Segundo Cirlene, João é um desses torcedores apaixonados pelo clube e chorou de alegria quando voltou a ver uma partida do time paulista. "Onde o Corinthians jogava, ele estava lá. Ele está com ELA desde janeiro de 2009 e rapidamente perdeu todos os movimentos. É uma doença muito cruel. A expectativa que deram para ele era de dois, no máximo três anos de vida. Estamos caminhando para sete anos", disse. 

Encontro com Tite

João se comunica apenas com os olhos e com um software, no qual usa os pés para formar palavras. Além de não conseguir falar, ele não anda, alimenta-se por meio de uma sonda gástrica e respira com a ajuda de aparelhos.

Dessa forma, o transporte até o estádio foi realizado por uma Ambulância-UTI, que deixou Salto, no interior paulista, onde ele mora, com destino a São Paulo. Nela, havia alguns profissionais que assistiram João. Alguns amigos e familiares, como as duas filhas, também viajaram à capital paulista.

Um dia antes, no entanto, Cirlene veio a São Paulo para finalizar a preparação da viagem. "Eu estive na sexta-feira lá para ver todo o trajeto, o local que ele ia ficar, para alugar uma cama por duas horas, porque não tinha como levar a cama dele para lá", explicou.

O encontro com Tite ocorreu às 9h, a duas horas do início da partida. O treinador recebeu João em um camarote do 5º andar da Arena Corinthians. "Ele tem uma admiração muito grande pelo Tite. Foi um encontro muito bonito dos dois. Ele (Tite) é uma pessoa muito especial, olhou para o João Marcos com muito amor. Foi fantástico", disse Cirlene.

O treinador chegou a citar João na coletiva pós-jogo. "É uma pessoa especial. Ela veio assistir ao jogo e tem todo o nosso carinho, toda a nossa torcida. Algumas coisas que transcendem o futebol. Eu não tenho direito de externar, mas para família toda que eu apontei é um verdadeiro sentimento", afirmou o treinador, que dedicou o terceiro gol do Corinthians ao torcedor.

João chegou a chorar em alguns momentos e pôde ver com clareza toda a partida. "Eles escolheram o camarote com melhor ângulo para ele conseguir ver o campo inteiro. Ele ficou bastante emocionado", conta Edson Fonseca, um dos enfermeiros que estiveram no local, responsável por montar a cama hospitalar.

O torcedor também conheceu todo o elenco corintiano depois da vitória por 3 a 0 sobre o Joinville. "Depois de 15 minutos, foram buscá-lo e ele foi até o vestiário. Todos os jogadores passaram e tiraram foto. Foi um presente de Deus", relembrou Cirlene.

Esperança

Além da realização do sonho, a ida à Arena Corinthians tinha a intenção de divulgar a causa. Alguns presentes ao camarote da Arena Corinthians usaram uma camiseta. Nela, havia a mensagem "Ajude Abrela", com menção à Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica, que também ajudou João a realizar o sonho.

"A doença precisa de mais pesquisa. Não se sabe de nada sobre ele. É uma luta. Nos Estados Unidos está mais avançado. Estão testando um medicamento que pode diminuir esse processo de morte do neurônio motor", explicou Cirlene.

A Ela costuma afetar pessoas acima dos 50 anos, sem causa definida. Ela é considerada rara por atingir uma a cada 50 mil pessoas no mundo. Segundo a Abrela, no Brasil há 12 mil casos da doença. No ano passado, o desafio do balde de gelo, que ganhou as redes sociais, tinha o objetivo de arrecadar fundos para pesquisa e ajuda a pacientes.

João, além de realizar o sonho de rever o Corinthians em campo, também já colocou em prática outras missões, como a de escrever livros, que trazem, sobretudo, sua ligação com a fé. "Ele é uma pessoa muito especial, muito alegre. Ele fala que tem tudo o que precisa, que não tem medo de viver e nem de morrer", finalizou Cirlene.