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Vendedor de dindim sonha em ser jogador e entra no estádio pela 1ª vez

Lyvia Rocha/Tribuna do Ceará
Imagem: Lyvia Rocha/Tribuna do Ceará

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

10/02/2017 12h00

Em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, eles chamam de sacolé. Em Cuiabá de suquinho. No litoral paulista de chupe-chupe e em Goiânia, de laranjinha – mesmo se não for feito de laranja. Em São Paulo já se ouviu geladinho e gelinho. Em Belém do Pará, eles chamam de chopp.

Em Fortaleza, o garoto Vancy Diniz saiu de casa na última terça-feira com um isopor carregado de dindins (sabor goiaba, coco, coco queimado, Nescau e morango, entre outros) para fazer dindim nos arredores do clube de futebol Ceará, seu time do coração.

Aos 12 anos, Vancy, como quase todo menino de 12 anos, sonha em ser jogador de futebol. No meio do ano passado ele fez a mãe matriculá-lo na escolinha do clube pensando em “um dia virar um jogador famoso e ajudar a família”, me disse ele por telefone, na quinta-feira.

A família de Vancy não podia mantê-lo na escolinha, cuja mensalidade custa R$ 105. O garoto resolveu arregaçar as mangas. Quase todo dia depois das aulas ou antes do treino, levava um isopor com a mercadoria aos arredores do campo do Ceará. Metade do que ganhava ficava com sua avó, que preparava o produto. A outra metade ele usava para pagar a mensalidade da escolinha.

Vancy também trabalhava com o avô na feira de sábado, empacotando produtos e fazendo pequenos serviços. O que ganhava ia para o cofrinho e completava a mensalidade para a escolinha.

vancy e Lyvia - Garibaldi Suarez/Artilheiro - Garibaldi Suarez/Artilheiro
A jornalista Lyvia Rocha com o garoto Vancy Diniz
Imagem: Garibaldi Suarez/Artilheiro

Ele começou a virar torcedor do Ceará por causa do pai, um fanático alvinegro que faleceu recentemente. Depois de perde-lo, Vancy passou a acompanhar mais de perto o time, apesar de nunca ter entrado em um estádio.

Tudo mudou na última terça-feira, quando Vancy encontrou a jornalista Lyvia Rocha, do portal “Tribuna do Ceará”. A repórter tinha ido ao clube atrás de outra pauta, mas sempre atenta, soube de uma fonte sobre Vancy. Lyvia se aproximou, o entrevistou, tirou fotos, comprou dez geladinhos (que distribuiu aos colegas de imprensa) e, no dia seguinte, publicou a matéria no site.

Vancy estava em casa quando as coisas começaram a acontecer. “Deu uma repercussão incrível”, conta a jornalista. “As pessoas começaram a me procurar querendo saber mais dele, pedindo um contato para ajudar, para doar coisas.”

O engenheiro de software Henrique Luz foi um dos que se disseram comovidos com a “história de dedicação” do garoto. “Eu também perdi meu pai, e era meu pai que me levava ao estádio”, contou ele. “Na mesma hora quis proporcionar uma experiência de futebol como a que eu tive quando tinha a idade dele.”

Vancy Vozão - Christian Alekson/cearasc.com - Christian Alekson/cearasc.com
Imagem: Christian Alekson/cearasc.com

Henrique e os amigos planejaram levar Vancy para o jogo do Ceará contra o Flamengo no fim do mês. Um médico cirurgião entrou em contato e doou R$ 150 para ajudar com a próxima mensalidade da escolinha. O empresário Jeisson Souza, gerente de uma agência de intercâmbio, ficou de dar um par de chuteiras do tamanho do pé de Vancy.

O Ceará arranjou um encontro entre o garoto e Thiago Cametá, lateral direito e ídolo de Vancy. “Ele é o retrato de todas as crianças do Brasil que são apaixonadas por futebol e querem se tornar atletas”, disse o diretor de comunicação do clube Marcos Medina.

O clube também garantiu um ano de anuidade grátis na escolinha e a chance de Vancy participar de uma peneira para as categorias de base.

Ele também vai ganhar um kit com camisetas e outros itens de torcida. “Um grupo de conselheiros está se mobilizando para garantir o transporte dele para os treinos”, disse Medina.

Na noite de quinta, Vancy entrou em um estádio pela primeira vez. Ao lado dos jogadores do Vozão, ele pisou na grama da Arena Castelão e viu de perto seu time enfrentar o Horizonte. “Não sei se ele vai continuar vendendo dindim agora”, disse a tia Raquel Santos. “As coisas estão acontecendo muito rápido.”