Ex-modelo, nigeriano vem ao Brasil para jogar futebol, se machuca e acaba montando vitrines

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

  • Milton Flores/UOL

    Daniel Eze, nigeriano do Ajax: rejeições, lesão, morte e amor em aventura no Brasil

    Daniel Eze, nigeriano do Ajax: rejeições, lesão, morte e amor em aventura no Brasil

Daniel Eze Okete tinha um futuro brilhante. Aos 20 anos, com mais de 1,90m de altura e com um rosto bonito, era modelo em seu país natal, a Nigéria. Mas o sonho de jogar futebol era mais forte e, com o talento que o destacava nos campos nigerianos, chamou atenção de empresários. Um deles fez uma proposta: Quer jogar no Brasil? A resposta positiva, dada há dois anos, colocou a carreira de Daniel em modo de espera.

NIGERIANO ENGANADO POR EMPRESÁRIO ENCONTROU TIME GRAÇAS A DANIEL

  • Milton Flores/UOL

    O Ajax conta com outro nigeriano no futebol de várzea de São Paulo. O zagueiro Fred Odebe jogou no futebol argentino, mas foi trazido ao Brasil para jogar no Grêmio Barueri. Ao receber um não do clube paulista, o empresário responsável pela viagem ao Brasil sumiu. Sem falar português, ele foi salvo porque conheceu Daniel pela internet.

    "Quando ele me ligou, sem clube, eu disse para vir para São Paulo. E arranjei o lugar no Ajax", lembra Daniel. Ironicamente, o colega estreou pelo time antes. Quando a Copa Kaiser começou, a situação de Daniel no Brasil ainda era irregular. Fred, porém, já tinha visto de trabalho, exigido pelo Barueri para fazer os testes.

Hoje, com 22, ele se recupera de uma operação no joelho direito e sobrevive exercendo a função de vitrinista no Brás, bairro paulistano marcado pelo comércio de roupas. "Na Nigéria, eu era modelo e esse contato me ensinou um pouco sobre o mundo da moda. Lá, eu já montava vitrines. Aqui, faço o mesmo. Mas o grande problema é que fazer vitrines não é um emprego fixo. Você faz projetos. Para ganhar dinheiro, preciso ficar de olho na internet, nunca deixar de olhar os e-mails", conta o nigeriano.

A sequência de fracassos, sucessos, tristezas e alegrias que Daniel viveu nesses dois últimos anos poderiam entrar em um roteiro de filmes. Comédias, drama. Até mesmo romance.

Tudo começou em seu primeiro clube. Revelação nigeriana, ele chegou com cartaz para fazer testes na Ponte Preta, de Campinas. Aos 20 anos, sem falar português e sem se adaptar ao novo país, não foi aprovado. Tentou ainda a sorte no Flamengo de Guarulhos, no CSA de Alagoas. Sempre sem sucesso. Foi quando chegou a vez do Bahia de Feira de Santana.

"Eu estava muito bem nos treinos. E o pessoal gostou muito de mim. Só que aconteceu a lesão", lembra Daniel. Ele rompeu ligamentos no joelho e só poderia jogar novamente, em alto nível, se operasse o joelho. O time baiano, porém, se recusou a bancar a operação para um jogador em testes. Começava, então, a segunda fase da vida do nigeriano no Brasil.

Sem clube, ele esperava que seu empresário o ajudasse. Mas Oranu Obinna, que bancou a viagem para o Brasil, morreu nessa mesma época. "Fiquei sem empresário e sem dinheiro. Estava em São Paulo e tive de me virar com o que tinha. Foi aí que as vitrines me salvaram". O nigeriano conseguiu sobreviver dos conhecimentos de moda que tinha adquirido em seu país natal. E ainda teve um bônus: conheceu uma brasileira, com quem hoje é casado.

Começava, então, uma terceira fase em sua vida: a volta ao futebol. Grande e habilidoso, mesmo com o joelho machucado, ele chamou atenção nas peladas que jogava no campo perto de sua casa, na Zona Leste. Com tanto talento, e o pedigree de ex-jogador profissional, ele logo chegou ao Ajax, da Vila Rica, o Corinthians da várzea. "Eu estava longe do futebol, fazia falta. Aceitei a proposta. Era uma maneira de voltar a correr atrás da bola".

Daniel chegou, inclusive, a jogar a Copa Kaiser, o principal torneio de futebol amador da cidade. Ele passou o torneio sem marcar gols, mas o Ajax está bem, classificado para as quartas de final. Hoje, Daniel está fora da equipe, mas o motivo é nobre: há poucos dias, ele finalmente operou o joelho. E, o mais impressionante, pelo sistema público de saúde. "Fiz tudo em hospitais públicos. Demorou, mais de um ano, mas felizmente conseguiu operar. Tudo de graça. Em mais dois meses, poderei voltar a jogar", comemora.

E o destino deve ser, mais uma vez, a Bahia: "Eu guardei os telefones do pessoal de Feira de Santana. Quando voltei para São Paulo, eles disseram que eu poderia voltar quando o joelho estivesse melhor. Só tenho de ficar de olho nos e-mails e fazer muitas vitrines, para ter dinheiro para ir para a Bahia".

Copa Kaiser de futebol amador
Copa Kaiser de futebol amador

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