Topo

Libertadores - 2019

Presidente do Tribunal da Conmebol vê pena "acertada" ao Corinthians

Tragédia em Oruro custou caro ao Corinthians; que não teve torcida em uma partida - AP Photo/Juan Karita
Tragédia em Oruro custou caro ao Corinthians; que não teve torcida em uma partida Imagem: AP Photo/Juan Karita

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

16/03/2013 06h00

Presidente do Tribunal Disciplinar da Conmebol, o brasileiro Caio Rocha não participou do polêmico julgamento recente do Corinthians, mas vê a punição sofrida pelo clube como acertada. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, ele avalia a nova fase da confederação sul-americana e admite que seus colegas podem não ter visto todas as informações disponíveis para analisar a responsabilidade do San Jose no caso.

“No caso do Corinthians, houve um desfecho trágico e a tragédia é absolutamente lamentável. Isso com certeza foi avaliado por todos os membros e acho que eles chegaram em um parâmetro, a meu ver, acertado”, disse Caio Rocha.

"PONTARIA DE CINEMA" FAZ PAOLO GUERRERO SUPERAR MÉDIA DE RONALDO

O juiz não participou do julgamento do Corinthians justamente por ser brasileiro. Quem comandou a análise foi o uruguaio Adrian Leiza, seu vice no Tribunal. Ao lado de seus colegas, ele decidiu que o clube brasileiro deveria jogar um vez com portões fechados e não poderia ter torcida quando jogasse fora de casa, além de ter de pagar a multa de cerca de R$ 391 mil.

O Corinthians foi punido porque seus torcedores dispararam um sinalizador dentro do estádio do San Jose, na primeira rodada da Libertadores. O artefato acabou atingindo e matando o jovem Kevin Beltrán Espada, de 14 anos. Não foi pela tragédia, no entanto, que o clube do Parque São Jorge foi indiciado.

O problema é que a torcida do San Jose, no mesmo dia, também acendeu artigos pirotécnicos, mas o clube recebeu apenas R$ 19 mil de multa. Questionado sobre o assunto, Caio Rocha admitiu que seus colegas podem ter deixado alguns elementos de lado ao julgarem o clube boliviano.

“Certamente, o que foi avaliado no caso do Corinthians foi o que constava do processo. É claro que a celeridade impõe que o julgamento seja feito com os elementos que se tem no momento. Talvez isso que você está me narrando pela imprensa não tenha chegado ao conhecimento dos julgadores”, disse Caio Rocha.

Confira abaixo a entrevista completa com o juiz, que fala sobre o funcionamento do Tribunal e o impacto que a imagem ruim da Conmebol pode ter em seu trabalho: 

UOL Esporte: Passado julgamento do Corinthians e a atenção que ele gerou, que lições o Tribunal pode tirar de tudo isto?
Caio Rocha:
O Tribunal ganhou muito com esse episódio, tanto em credibilidade como em notoriedade. É um organismo novo da Conmebol. A partir desse episódio triste, os clubes, os atletas e os profissionais da imprensa passaram a ter conhecimento dele. Isso foi um ganho importante. Outra lição é que nós passamos a entender, a sentir na pele a importância desse relacionamento com a imprensa. Foi um período de muita requisição da imprensa para todos os membros. Provavelmente por ser brasileiro teve esse assédio concentrado em mim no período, mas aconteceu isso também em outros países. Houve o episódio mais ou menos simultâneo no estádio do Peñarol, e o uruguaio [Adrian Leiza, vice-presidente do Tribunal] também ficou mais requisitado.

UOL Esporte: E que lições vocês tiraram disso?
Caio Rocha:
No início, nós tínhamos o entendimento de que deveríamos tentar manter, como julgadores, o mínimo contato possível, mas verificamos que isso não era interessante nem para o Tribunal. A partir desse episódio com o Corinthians, no curso do julgamento, mudamos a posição porque vimos a importância de apresentarmos as informações. Há uma ideia, ainda em gestação, de nomearmos dentre os membros um porta-voz para ele ter as informações que possam ser passadas. Isso é uma ideia que ainda está sendo avaliada, mas que provavelmente vai acontecer.

UOL Esporte: E especificamente sobre o julgamento do Corinthians, você acha que a punição dada ao clube foi justa?
Caio Rocha:
Eu não me sinto confortável em responder diretamente porque não participei. O que tenho certeza é que os membros do tribunal analisaram de forma detalhada e aprofundada todas as circunstâncias, e com base nela aplicaram essa penalidade. No caso do Corinthians, houve um desfecho trágico e a tragédia é absolutamente lamentável. Houve fatos posteriores, como o tumulto no estádio do Peñarol, que talvez tenha sido até mais grave, mas sem o desfecho trágico. Isso com certeza foi avaliado por todos os membros e acho que eles chegaram em um parâmetro, a meu ver acertado. É uma cultura nova que se implementa, e com certeza os clubes e torcedores vão ficar mais atentos para tentarem impedir a violência na torcida.

UOL Esporte: Mas o regulamento não fala em desfecho trágico, e sim no uso de sinalizador. Não seria o caso do regulamento ser mais específico sobre infrações e suas consequentes punições?
Caio Rocha:
Na verdade, quando eu falo em tumulto sério é que fato que aconteceu deve ter sido levado em consideração. Não é pelo desfecho que o Corinthians está sendo punido. Até porque a responsabilidade está sendo apurada pelas autoridades legais, foge do âmbito das autoridades esportivas. O que está sendo apurado é o comportamento da torcida quanto ao uso dos artefatos pirotécnicos. Podem surgir casos em que o torcedor tenha levado e isso possa parecer despercebido à arbitragem, ao relato do delegado da partida, mas que deveria ser analisado. Se não foi, foi por não ter sido visto mesmo. Agora, não é pelo fato de que outras torcidas fazem que isto justifica a prática da torcida do Corinthians. Não vejo isso como justificativa. Se houve outra torcida levando sinalizador, o Corinthians pode noticiar a Conmebol.

  • AP Photo/Juan Karita

    Imagem mostra que a torcida do San Jose também acendeu sinalizadores no jogo com o Corinthians

UOL Esporte: Mas as imagens mostram que a torcida do San Jose, no mesmo jogo, também usou sinalizadores. Mesmo assim, o San Jose foi punido só com uma multa (R$ 19 mil), enquanto o Corinthians recebeu a multa (R$ 391 mil), um jogo com portões fechados e veto à presença da torcida em jogos fora de casa. Como mandante, o clube boliviano não deveria ter recebido uma multa maior?
Caio Rocha:
Eu vou te responder essa pergunta, mas não de forma direta porque não conheço o processo do Corinthians, e sim falando de um julgamento que participei, do Vélez e do Peñarol. Houve aquele tumulto causado pela torcida do Vélez, mas o estádio era do Peñarol, portanto seria o Peñarol quem deveria manter a calma e a tranquilidade no âmbito de seu estádio. Nós levamos em consideração as provas de que o Peñarol fez de tudo para manter a calma e oferecer segurança aos torcedores. O estádio garantia o processo de tranquilidade. Na verdade ficou muito claro que se não fosse a atitude dos seguranças e da polícia, o resultado poderia ter sido muito mais trágico. Certamente, o que foi avaliado no caso do Corinthians foi o que constava do processo. É claro que a celeridade impõe que o julgamento seja feito com os elementos que se tem no momento. Talvez isso que você está me narrando pela imprensa não tenha chegado ao conhecimento dos julgadores.

UOL Esporte: Quem pode oferecer uma denúncia à Conmebol? Existe uma promotoria como a do STJD, que pode denunciar analisando imagens de TV, por exemplo?
Caio Rocha:
Não existe uma promotoria nos moldes do STJD. O que existe é um órgão interno, que é a Unidade Disciplinar da Conmebol, que analisa todos os documentos da partida, desde súmula do árbitro até o relatório do delegado. Foi narrada tal coisa na súmula, ela notifica clube para apresentar defesa em um prazo rápido e aí nós do Tribunal vemos se tem de produzir mais provas ou se não tem. Esse procedimento disciplinar também pode se iniciar por uma petição de um clube. Agora recentemente se iniciou o procedimento de um atleta que disse ter sido vítima de uma ofensa racista. Foi ele quem notificou a Unidade Disciplinar. Portanto, se o Corinthians ou o Atlético Mineiro, por exemplo, forem participar de uma partida em outro país e verificarem a presença do sinalizador, os próprios clubes podem notificar.

UOL Esporte: Você acha que esse sistema tem funcionado bem até agora?
Caio Rocha:
Ele tem funcionado bem. Por que não foi usado o modelo do STJD, um órgão com promotoria? Isso aconteceu por conta da cultura da Conmebol. Ela está tentando implementar uma cultura nova que não pode levar em conta só o Brasil. Sendo bem franco, não sei como funciona a justiça desportiva da Colômbia, do Uruguai. Ela teve de adequar um sistema que fosse aceito em todos os países que ela representa, levando em conta também o modelo da Fifa, que também não tem promotoria. Esse código disciplinar foi aprovado depois de um ano de estudos. É uma coisa que foi pensada e estudada e não surgiu de uma hora para outra. Tenho certeza que foi o melhor possível.

UOL Esporte: Apesar disso, ele só está em vigor há alguns meses. Já foi possível notar alguma falha nele? Algo que necessite de um aprimoramento?
Caio Rocha:
Até agora acho que o código está funcionando bem. Também é muito cedo para a gente fazer essa avaliação. Ele entrou em vigor em janeiro . Agora que começaram realmente os processos e ainda é cedo para se falar em problemas. Até agora não identifiquei nenhum.

UOL Esporte: O código parte da vontade da Conmebol de moralizar a Libertadores. Você acha que ele vai cumprir seu objetivo?
Caio Rocha:
O código partiu de uma intenção da Conmebol, não diria de moralizar, mas de trazer o maior rigor contra a indisciplina no âmbito sul-americano, e principalmente trazer mais segurança jurídica às partes. Como não havia um código disciplinar que previa as penas, o que acontecia é que não existia código, não existia previsão do que era infração e muito menos as punições devidas. Então um atleta que dava cotovelada no adversário poderia ser punido, mas não havia processo disciplinar, ele não podia fazer sua defesa e não sabia qual pena poderia ser aplicada. Só o Comitê Disciplinar decidia. Muitas vezes a pena não podia ser rigorosa o suficiente porque, como não havia previsão, não havia uma norma. O código ele veio no sentido de trazer a segurança jurídica que não existia. Por isso havia uma sensação de que a Conmebol era tolerante. O que se pretende é mudar, e acho que nós vamos conseguir, é implementar mais disciplina.

UOL Esporte: Nos últimos anos, a Conmebol tem reforçado a imagem de que é uma entidade desorganizada, com pouca transparência e uma comunicação precária com o público e a imprensa. Você teme que essa imagem possa atrapalhar, de alguma forma, o trabalho do Tribunal?
Caio Rocha:
Primeiro, eu não vou fazer avaliação sobre a questão de organização e desorganização da Conmebol porque realmente não conheço. Em relação ao Tribunal, a Conmebol tem dado todo o suporte que precisamos. É uma iniciativa da Conmebol de buscar o aprimoramento com a melhor implementação da justiça desportiva e ela tem nos dado todos os recursos para exercermos nossa atividade com tranquilidade. E o Tribunal é um órgão da Conmebol. São pessoas novas, mas é um órgão da Conmebol. A pergunta é se a imagem da Conmebol pode se confundir com a do órgão, mas ele é parte dela. O que eu espero é que possa acontecer o contrário. É que o tribunal possa mudar essa imagem de desorganização, se é que ela existe.

UOL Esporte: No dia em que estava marcado o julgamento do Corinthians, o porta-voz da Conmebol chegou a dizer à Rádio ESPN que não havia julgamento nenhum agendado. Minutos depois, todos souberam que, na verdade, a reunião só não aconteceu por um problema pessoal de um dos juízes. Não lhe parece um exemplo de como a Conmebol pode afetar a imagem do Tribunal?
Caio Rocha:
Ali o que houve foi um mal entendido. De fato, o julgamento estava marcado para um dia, houve um imprevisto e teve de ser adiado para o dia seguinte. Eu não estava sabendo porque não participaria, então entrei em contato com o vice-presidente e ele me explicou. Isso poderia ser evitado com uma melhor comunicação. Não houve prejuízo para nenhuma das partes, mas é claro que quando ela recebe a informação ela fica apreensiva. De minha parte, houve sempre extrema boa vontade de transmitir a informação que eu tinha. Houve uma mudança em cima da hora e assim que soube fiz questão de transmitir. Talvez com a criação da figura deste porta-voz do Tribunal, que é uma iniciativa que se cogita já para agora, isso possa ser evitado.