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Como economia virou arma do rival do Atlético-MG para cativar brasileiros

David Mercado - 06.jul.2017 / Reuters
Imagem: David Mercado - 06.jul.2017 / Reuters

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

09/08/2017 13h54

Adversário do Atlético-MG nas oitavas de final da Copa Libertadores desta temporada, o Jorge Wilstermann venceu o primeiro duelo por 1 a 0 em 5 de julho, em Cochabamba (Bolívia), e construiu vantagem para a partida de volta. Pesou em favor dos mandantes a altitude, é claro (a cidade em que a partida foi realizada fica a 2.574 metros do nível do mar, algo bem diferente dos 852 metros de altitude de Belo Horizonte). Talvez até em decorrência disso a apresentação do time até então comandado por Roger Machado foi ruim. No entanto, há outro fator que ajuda a explicar a boa campanha dos bolivianos na principal competição de clubes do continente: a economia. Foi graças à realidade financeira do país que eles conseguiram se tornar opção viável para jogadores brasileiros e construíram seu referencial técnico.

O caso mais evidente é o de Alex Silva, 32, zagueiro que foi campeão brasileiro com o São Paulo em 2006 e 2007 e que no ano seguinte obteve medalha de bronze com a seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de Pequim. O defensor também acumulou passagens pela equipe nacional principal – foi campeão da Copa América de 2007 – e hoje é um dos pilares da defesa do Wilstermann, que o contratou no início deste ano.

Não foi uma trajetória linear, é verdade. A ascensão de Alex Silva em âmbito nacional foi acompanhada por uma série de polêmicas extracampo. Em 2008, por exemplo, o zagueiro foi acusado de se envolver em um conflito em Indaiatuba (SP) e agredir o atendente Luís Fernando Alves, que na época tinha 20 anos. Seis anos mais tarde, foi detido sob suspeita de fugir da polícia em uma blitz na rodovia Dom Pedro 1º, entre os municípios de Valinhos e Campinas, no interior de São Paulo. Estava embriagado após uma festa e teve de pagar fiança de R$ 7.000 para ser liberado. Teve medo de morrer naquele episódio.

Conhecido como Pirulito pelo biotipo (80kg espalhados por 1,92m), Alex Silva sempre gostou da vida noturna. Admitiu ter treinado embriagado em muitos momentos da carreira, mesmo quando vivia auge técnico, mas a situação degringolou após malfadada passagem pelo Flamengo (entre 2011 e 2013, com um empréstimo igualmente malsucedido ao Cruzeiro). Nos anos seguintes, acumulou problemas fora de campo e passagens por times como Boa Esporte (MG), São Bernardo (SP), Brasiliense (DF), Rio Claro (SP) e Hercílio Luz (SC).

Foi a partir da blitz na rodovia Dom Pedro 1º que Alex Silva começou a mudar. Abraçou a religião, abandonou hábitos boêmios e aboliu a vida noturna. Também se afastou de outro fantasma na carreira: as lesões.

Esse período de reconstrução ofereceu novas oportunidades profissionais ao defensor. Alex Silva chegou a negociar com o Guarani em 2017, mas acabou indo parar num destino que nunca havia cogitado: em janeiro, estreou no Jorge Wilstermann com gol em jogo-treino contra o San Simon.

"Claro que nunca passou pela cabeça jogar no futebol boliviano, mas a proposta apareceu e veio de uma grande equipe do país. O Jorge Wilstermann é um dos times com mais torcedores aqui e tem certa história, o que me encantou bastante. É um desafio novo", contou Alex Silva ao UOL Esporte.

"Costumo dizer que para as pessoas parece ser estranho, mas depois que o jogador chega aqui na Bolívia e começa a se adaptar ele não quer mais sair. Eu estou muito feliz aqui e fui muito bem recebido. Cochabamba é uma grande cidade e tem muitos brasileiros que cursam medicina aqui. Eu não esperava isso e não esperava encontrar um time tão grande e respeitado", completou.

A primeira surpresa de Alex Silva ao ser sondado pelo Jorge Wilstermann foi a questão salarial. Segundo ele, que não falou em valores, o time boliviano ofereceu uma remuneração maior do que a média paga por muitos times no Brasil. O outro fator positivo o jogador só descobriu quando chegou a Cochabamba: por causa da economia e da diferença cambial, esse montante representava um poder de compra muito maior do que ele tinha no país natal.

"Hoje, se você parar para pensar, com R$ 300 mil não dá para comprar uma casa de classe alta no Brasil. Aqui, com R$ 300 mil você compra uma mansão, digamos assim. Para você ter uma ideia, US$ 2.000 aqui são 13 mil bolivianos, o que é muito bom. Você gasta pouco. Aluguel também não se compara: com R$ 1.200 você aluga um apartamento de classe alta em Cochabamba, que é onde eu moro. Eu moro muito bem por U$ 350 (R$ 1.100) mensais. As coisas são muito baratas: roupas, mercado, táxi. Aqui, se você guardar US$ 2.000 (R$ 6.400), vive bem. O resto você pode enviar para o Brasil aplicado. Aqui você compra um carro por US$ 20 mil a US$ 23 mil (R$ 64 mil a R$ 73 mil). Com esse valor você encontra um carro bonito, lindo, importado, coisa que nunca ocorreria no Brasil", relatou o Pirulito.

A economia transformou o Wilstermann em destino atraente também para outros brasileiros. Thomaz, 31, foi destaque da equipe no início da Libertadores e fez com que o São Paulo desembolsasse US$ 80 mil (R$ 255 mil) para contratá-lo em março. Carlinhos, volante com passagem pelo Macaé, e Serginho, meia egresso do Botafogo-SP, foram adicionados ao elenco durante este ano.

O time boliviano ainda tentou contratar o volante Cristian, 34, que está encostado no Corinthians, mas não houve acerto financeiro. "Eles gostam muito de jogadores brasileiros. Principalmente os que já vestiram a camisa da seleção", disse Alex Silva, cujo contrato termina em dezembro deste ano. "Acredito que minha performance pode abrir as portas para outros aqui", completou.

A Copa Libertadores é a prioridade do Jorge Wilstermann na atual temporada. Como venceu o Atlético-MG por 1 a 0, o time boliviano precisa apenas de um empate (ou de uma derrota por um gol de diferença, desde que balance as redes) para avançar às quartas de final – o confronto de volta será realizado nesta quarta-feira (09), em Belo Horizonte. O desafio, porém, é o calendário: a equipe boliviana entrou de férias depois da vitória e terá de administrar a queda de desempenho durante o hiato até o duelo decisivo.

Para conseguir um feito histórico, o time boliviano aposta fortemente nos brasileiros. Além de Alex Silva, pilar da defesa, Serginho é atualmente a grande arma ofensiva do Jorge Wilstermann. Há outros representantes do país na história do clube, como Jairzinho, Túlio Maravilha, Fábio Mineiro e Célio da Silva, mas essa transição nunca foi tão viável para os atletas. Se a economia mantiver esse panorama, é possível que essa lista aumente consideravelmente nas próximas temporadas.