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Herói após década de sofrimento no Grêmio, Grohe conta segredo do "milagre"

Goleiro foi testemunha de anos difíceis no Grêmio e se tornou herói na semifinal - Washington Alves/Reuters
Goleiro foi testemunha de anos difíceis no Grêmio e se tornou herói na semifinal Imagem: Washington Alves/Reuters

Jeremias Wernek

Do UOL, em Porto Alegre

22/11/2017 12h00

Marcelo Grohe não precisa nem esperar a final da Libertadores para definir 2017 como um ano espetacular. A satisfação pela caminhada gremista, antes mesmo de saber se o maior título do continente vai sair, diz muito sobre o jeito Grohe de ser. E isso tem a ver com tudo que ele já viveu vestindo a camisa do Tricolor. 

Herói diante do Barcelona-EQU, em Guayaquil, Grohe é testemunha ocular de uma década sofrida. De uma história de reconstrução que deságua nos dois jogos contra o Lanús-ARG.

Marcelo Grohe fica no chão após efetuar defesa em Grêmio e Barcelona-EQU - Lucas Uebel/Grêmio - Lucas Uebel/Grêmio
Marcelo Grohe fica no chão após defesa histórica contra o Barcelona-EQU
Imagem: Lucas Uebel/Grêmio

No time principal do Grêmio desde 2005, Marcelo Grohe assistiu de perto à Batalha dos Aflitos. Acompanhou a final da Libertadores dois anos depois, contra o Boca Juniors. Saiu da sombra de Victor para amargar o banco com Dida. Sofreu com as dificuldades financeiras do clube e as campanhas frustrantes. Penou com a pressão da torcida pelo jejum de títulos. Desafiou a si próprio e chegou à seleção brasileira. Conviveu (e ainda convive) com críticas crônicas. Mas agora, dias antes da grande semana de sua carreira, já está feliz.

“Um ano espetacular. Tirando o Gauchão, chegamos em todos os campeonatos. Não poderia ser melhor”, resume o camisa 1.

Em entrevista ao UOL Esporte, Marcelo Grohe relembra as agruras vividas no Grêmio, a retomada desde a chegada de Renato Gaúcho e conta o "segredo" para a defesa que marcou sua carreira e chegou a ser cogitada como a "melhor da história". 

"Ali foi o Pietro [sorri ao mencionar o filho]. Ele está com 16 kg e eu tenho de segurar no braço. Vai fazer dois anos e meio em dezembro. Eu vi o Ariel [atacante do Barcelona] sozinho e me joguei. Firmei o braço e me joguei. Deu tudo certo, tudo certinho. Ela pegou bem no braço, pegou onde tinha que pegar. Foi bonito também pelo voleio. Foi roteiro perfeito", disse o goleiro. 

Veja, abaixo, os principais trechos do papo com o titular gremista:

Testemunha ocular da história e sobrevivente de uma década dura

Eu lembro que estivemos várias vezes na Libertadores, pelo menos dois vices no Brasileiro, mas nunca brigamos pelo título ali (no Campeonato Brasileiro). Chegamos na semifinal da Copa do Brasil com o Renato, em 2013, mas não teve momento de chegada mesmo, aquela hora de ganhar. Essa escassez de título gerava um peso muito grande. Incomodava muito, demais. E a cada ano aumentava o fardo. E já na pré-temporada começava… Na rua, no restaurante, a gente sentia a tristeza e a angústia do torcedor. E um torcedor que ganhou tudo na década de 1990, né? Mas o clube deu uma virada com essa conquista do ano passado. Tirou esse peso, essa responsabilidade, que carregávamos. A gente até conversou no vestiário sobre isso, imaginando o jogo com o Botafogo em casa se não tivesse o título do ano passado, na Copa do Brasil. A pressão seria enorme… Quartas de final, Botafogo, Arena. A pressão com aquele ‘será que vai?’. A gente venceu, foi natural. Não teve pressão externa. Foi natural pelo sonho da conquista da América, do tri, e não para tirar o peso. A conquista ano passado nos ajudou muito.

O ano mais difícil desde que virou profissional

(Pausa) O ano mais difícil, e mais importante, foi 2013. O Victor saiu em 2012, joguei quase todo o Brasileiro e fomos à Libertadores. Achei que ia ter sequência e aí vem o Dida. Eu volto para condição de reserva. Foi um momento muito difícil, ter de voltar para o banco. Mas olhando para trás, me fortaleceu demais. Foi determinante na minha vida. Em 2014, quando voltei, pensei ‘esse é o meu ano’. Fiz uma pré-temporada boa, muito focado, e as coisas começaram a acontecer.

O segredo de Renato Gaúcho 

A gente chegou em um momento de confiança zero, com sete ou oito jogos sem vitória. Aí teve a saída do Roger e o Renato veio… A primeira coisa que ele fez foi destensionar o vestiário, tirar a pressão que estava em cima da gente. E ele é especialista nisso. Ele passa confiança, deixa o jogador à vontade. É algo dele, nem tem como explicar. O Renato se diferencia por ter autoridade, por manter hierarquia, só que brincando. Ele dá liberdade, mas o respeito segue sem ele nem pedir. Todo mundo sabe o ponto de brincar. Ele passou confiança, as coisas começaram a mudar e passamos de fase na Copa do Brasil. Ganhamos moral e deu no que deu. Não sei dizer se iríamos ganhar com o Roger, mas a chegada do Renato foi importante. O Roger é um grande treinador, mas o Renato deu novo ânimo.

Diferença de viver esse momento sabendo do que passou antes

Estar na final da Libertadores é fantástico. Eu tive a oportunidade de chegar em 2007 e agora viver isso de novo, jogando, é algo único. Não sei quando vou ter outra chance dessas, então isso torna o ano positivo ao máximo.

Lembranças do time e da campanha de 2007

Era um grupo forte, focado. Com gente experiente, outros jogadores subindo. Jogadores que vieram até desacreditados, desconhecidos, e [um time] que deu liga. Infelizmente cruzamos com um Boca Juniors difícil de ganhar. Não digo que era impossível, mas eles tinham nomes consagrados e que venceram várias vezes. Se fosse outro time, quem sabe o tricampeonato tivesse vindo. Mas o grupo do Grêmio era bem unido, parecido com esse de agora.

Time atual mais forte e preparado na comparação com 2007

É, aquele ano chegaram vários no começo do ano. O nosso grupo de agora vem com uma base desde 2014, 2015. São pelo menos três temporadas. E é um grupo que passou por tudo aqui dentro, cara. Passou por eliminação em Gauchão, Libertadores, Copa do Brasil. Essas frustrações foram nos amadurecendo, nos transformando em um grupo mais forte. Foi moldando o grupo para nos trazer até aqui. Ano passando ganhando a Copa do Brasil e agora vivemos esse momento. É um grupo maduro, preparado. Muito consciente. Esse grupo não sente o tamanho, o peso, de uma decisão por essa construção de longo prazo.

O treinador que mais mudou o Marcelo Grohe

Sinceramente? Não tenho preferência por nenhum treinador, me dei bem com todos. Tive boa relação com todos. Sem problemas. Acho que o Mano me subiu, foi com quem comecei. Ele me botou para jogar. O Renato foi o treinador na minha maior conquista aqui no clube. Aprendi muito com o Luxemburgo. As pessoas até pensam que tenho algo contra ele, por ter trazido o Dida, mas não. Não mesmo. Aprendi mesmo.

O lance contra o Barcelona de Guayaquil, na semifinal 

Cara, foi tudo muito rápido… Sinceramente, não tinha ideia da dimensão que ia tomar. Na hora, durante o jogo, pensei que tinha sido um lance difícil. Mas nem imaginei na repercussão. Rodou o mundo! No jogo pode acontecer de tudo, tanto bom quanto ruim, mas foi positivo. Sou bem tranquilo, tenho pés no chão e não me deslumbro com nada.

Sinais de um título e o controle da euforia no vestiário

A gente pegou três adversários duros, duríssimos, no mata-mata. O jogo contra o Godoy Cruz lá foi barra pesada. Campo encharcado, duro. Chuva, frio. Depois o Botafogo, com uma grande atuação nossa lá e uma partida muito complicada aqui. E ainda o Barcelona… A gente fez 3 a 0 e parece que foi uma barbada, moleza, mas não foi. Um adversário complicado. A gente chegou com mérito até a final e agora é deixar tudo contra o Lanús. Mas a gente sabe que não ganhou nada, que precisamos coroar o trabalho do ano com o título. Mas a equipe está muito focada, concentrada. Com um nível de maturidade. Não vejo o time deslumbrado. Vejo o time muito interessado em ganhar.

Planos para aposentadoria

Não sei… É uma boa pergunta. Eu já pensei em muita coisa. Não sei se tenho vontade de ser treinador. Presidente do Grêmio não, não… Mas o futuro a Deus pertence. Não tenho nem ideia agora… Só que eu quero jogar um tempo ainda. Eu estou com 30, minha ideia sempre foi jogar até os 35. Ali eu quero chegar bem, depois a gente vê como o corpo vai estar.