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Fim de uma era? Técnico há 21 anos no Arsenal protagoniza jogo na Champions

Técnico Arsène Wenger durante a partida entre Arsenal e Bayern de Munique - Sven Hoppe/dpa via AP
Técnico Arsène Wenger durante a partida entre Arsenal e Bayern de Munique Imagem: Sven Hoppe/dpa via AP

Do UOL, em São Paulo

07/03/2017 04h00

Não é exagero dizer que Arsène Wenger, 67, mudou a história do Arsenal. O treinador francês assumiu a equipe londrina em 1996, amealhou 15 títulos (três taças do Campeonato Inglês, duas da Copa da Inglaterra e seis da Supercopa da Inglaterra) e incutiu no clube um jeito diferente de encarar o futebol, distanciando a cultura vigente do que ele chamava de “kick and rush” (“chutar e correr”, em tradução livre), expressão que carregava um somatório de jogo duro, posicionamento engessado e profusão de lances como chutões e cruzamentos. Nesta terça-feira (07), os torcedores do time inglês têm uma chance de acompanhar o que pode ser um capítulo extremamente relevante no ocaso dessa trajetória: praticamente eliminado, o Arsenal receberá o Bayern de Munique às 16h45 (de Brasília), no Emirates Stadium, e pode fazer a última partida de Liga dos Campeões com o treinador.

Na primeira partida contra o Bayern, na Alemanha, o Arsenal foi goleado por 5 a 1. Não há registro na história da Liga dos Campeões de um time que tenha perdido por quatro ou mais gols de diferença e conseguido avançar à fase seguinte. No caso dos londrinos, esse é apenas um dos elementos que fazem do remonte um cenário improvável: é fundamental considerar o poderio dos bávaros, donos de um dos elencos mais estrelados do futebol europeu, e a própria fase do grupo comandado por Arsène Wenger. O treinador tem contrato até o fim da atual temporada, ainda não deu qualquer indício sobre renovação e atravessa um de seus piores momentos no clube.

Um exemplo é a situação do Arsenal no Campeonato Inglês, torneio que não conquista há 14 anos. O time londrino perdeu por 3 a 1 para o Liverpool no último sábado (04), em duelo válido pela 27ª rodada, e estacionou nos 50 pontos. Figura atualmente na quinta posição, fora da zona de classificação para a próxima edição da Liga dos Campeões da Uefa. Em 21 anos sob Wenger, foram 18 participações consecutivas na principal competição de clubes do Velho Continente (não fica fora desde a temporada 1997/1998). Apenas o Real Madrid frequenta o torneio ininterruptamente há mais tempo.

Também pesa contra Wenger o desgaste na relação com o elenco. No sábado, deixou no banco de reservas o chileno Alexis Sánchez, 28, e o atacante foi flagrado por câmeras de TV dando risada quando o brasileiro Roberto Firmino abriu o placar para o Liverpool. Sánchez entrou no segundo tempo, ajudou o Arsenal a ter mais volume de jogo e ainda deu um passe para Welbeck balançar as redes – o jogo acabou 3 a 1 para o Liverpool.

O próprio Wenger admitiu ter cometido um erro ao barrar Sánchez. “Acho que todas as pessoas chegarão a essa conclusão”, disse o treinador depois da partida. O que chamou atenção, contudo, foi a reação do chileno. “Sou forte o suficiente para aguentar o impacto dessa decisão”, finalizou o comandante.

O “caso Sánchez” virou enorme polêmica na Inglaterra, a ponto de o nome do Arsenal ter sido o termo mais recorrente em âmbito mundial na rede social Twitter durante a tarde do último sábado. Até o italiano Carlo Ancelotti, técnico do Bayern de Munique, foi questionado sobre o episódio em entrevista coletiva: “Wenger é um treinador muito experiente, e eu estou certo de que ele vai conseguir levar essa situação. Acontece com todo treinador, e as críticas fazem parte do jogo. Tenho boa relação com ele como pessoa e simpatizo com ele como treinador. Não é qualquer um que faz por um clube o que ele fez”.

Como Wenger mudou a história do Arsenal

Wenger fez história no Campeonato Inglês - Clive Mason/Getty Images - Clive Mason/Getty Images
Wenger fez história no Campeonato Inglês
Imagem: Clive Mason/Getty Images

O que Wenger fez pelo Arsenal foi alterar o papel que a equipe ocupava na história do futebol inglês. O técnico havia sido campeão nacional pelo Monaco, mas não tinha extenso currículo quando foi contratado. Antes de assumir a equipe inglesa, passou duas temporadas no Nagoya Grampus (Japão). O jornal “Evening Standard” chegou a publicar uma manchete que depois se tornou um clássico: “Arsène Who?” (“Arsène Quem?”, em tradução livre).

Naquela época, Alex Ferguson já tinha começado a construir carreira vitoriosa no Manchester United – o treinador assumiu em 1986. O Arsenal estava longe de ser o principal concorrente, e um dos primeiros feitos de Wenger foi incluir a equipe londrina novamente na briga pelos primeiros lugares na tabela de classificação do Campeonato Inglês.

“Quando Wenger chegou, o Manchester United era o atual campeão e o Newcastle era o principal rival. O Arsenal tinha sido quinto colocado na temporada anterior com [o técnico] Bruce Rioch, e a grande conquista de Wenger foi trazer troféus e uma consistência que garantisse que o nível jamais caísse de novo”, escreveu o jornalista John Cross no livro “A história interna do Arsenal sob Wenger”.

Depois, Wenger simbolizou uma ruptura cultural. Com ele, o Arsenal criou um novo estilo de jogo e se consolidou como a escola de futebol que jamais havia sido. O treinador sempre baseou suas ideias em conceitos como troca de passes, movimentação rápida e ofensividade. Colocou a bola no chão em um time que havia se acostumado a chutões e cruzamentos e abraçou a proposta. Prova disso é que em 2015, quando o time londrino figurava na sexta posição do Campeonato Inglês, os jogadores pediram uma reunião com o francês. Segundo relatos, o zagueiro alemão Mertesacker, porta-voz do grupo, pediu a adoção de um estilo mais conservador no restante da temporada. Com 13 vitórias em 18 jogos, o Arsenal foi o terceiro colocado daquele certame.

O comportamento no mercado também passou a ser um aspecto indelével na figura Wenger. Durante o período em que comandou o Arsenal, o francês consolidou uma linha: mesmo com dinheiro em caixa, o foco dos londrinos no mercado sempre esteve direcionado a jogadores jovens ou que estivessem em baixa em suas equipes. Foi assim com o francês Thierry Henry, que deixou a Juventus, time em que atravessava fase ruim, para ser um dos maiores ídolos do clube inglês. Cesc Fàbregas, Robin van Persie e Patrick Vieira são outros exemplos de atletas contratados antes da consolidação no cenário global.

Wenger tornou-se uma espécie de refém da própria postura no mercado. Nos primeiros 20 anos em que comandou o Arsenal, segundo o site “Transfermarkt”, o time somou 802 milhões de euros em reforços. No mesmo período, os quatro principais rivais superaram a marca bilionária: o Chelsea investiu 1,6 bilhão, o Manchester City colocou 1,4 bilhão, o Manchester United gastou 1,3 bilhão e o Liverpool destinou 1,1 bilhão a contratações.

Liga dos Campeões: o grande asterisco na trajetória de Wenger

Wenger sofreu com expulsão de goleiro na decisão da Champions - Laurence Griffiths/Getty Images - Laurence Griffiths/Getty Images
Wenger sofreu com expulsão de goleiro na decisão da Champions
Imagem: Laurence Griffiths/Getty Images

A Liga dos Campeões da Uefa talvez seja o principal motivo para dúvidas em torno da passagem de Wenger no Arsenal. O time comandado por ele chegou à decisão na temporada 2005/2006, é verdade, mas aquela derrota para o Barcelona foi um ponto fora da curva. Nas últimas seis temporadas, foram seis eliminações nas oitavas de final.

O Bayern de Munique já foi algoz do Arsenal de Wenger em três edições do torneio. Os alemães eliminaram os ingleses em 2004/2005, 2012/2013 e 2014/2015. “Tivemos más experiências contra eles”, admitiu o treinador francês.

Há futuro para Wenger além da atual temporada?

Qual será o futuro de Arsene Wenger? - Michael Regan/Getty Images - Michael Regan/Getty Images
Qual será o futuro de Arsene Wenger?
Imagem: Michael Regan/Getty Images

Há vários indícios de que o jogo desta terça-feira pode ser o último de Wenger como treinador do Arsenal na Liga dos Campeões. O francês ainda não renovou o atual contrato, que vai até o fim da atual temporada, e o jornal “Sunday Express” publicou no último fim de semana que a diretoria já tem um acerto com Maximo Allegri, atual comandante da Juventus.

Segundo a publicação, Allegri já até elaborou uma lista de reforços que gostaria de ter na próxima temporada. E os nomes, evidentemente, representariam uma ruptura de estilo técnico e econômico em relação ao período Wenger.

Na última segunda-feira, o “Telegraph” publicou outra informação sobre o futuro do comando do Arsenal. De acordo com o jornal, Thierry Henry, que já teve experiência como treinador nas categorias de base do clube, é o preferido de Josh Kroenke, proprietário da equipe, e já tem uma negociação encaminhada para substituir o atual técnico.

Enquanto pululam nomes de possíveis substitutos, Wenger não fala sobre o futuro. Na última segunda-feira (06), em entrevista coletiva, o treinador admitiu que pode esperar até o fim da temporada para decidir: “Você não toma essa decisão com base em um ou dois resultados ruins. É importante olhar para o quadro todo”.

Wenger também disse que não se sente encurralado pelos resultados recentes ou pela crise de confiança da torcida do Arsenal em seu trabalho. Tampouco considerou a crise com o elenco. “Não acho que escolher o treinador seja uma função dos jogadores”, avisou.