Iniesta volta, e inovação tática do Barcelona vira dilema em duelo com PSG
Passou por uma mudança tática uma das melhores apresentações do Barcelona na atual temporada, no último sábado (04), quando os catalães bateram o Celta por 5 a 0 em duelo válido pelo Campeonato Espanhol. Em sua primeira partida depois de ter anunciado que sairia no meio deste ano, o técnico Luis Enrique, 46, apostou numa formação mais fluida, com linha de quatro defensores nos momentos em que a equipe estava sem bola e uma espécie de 3-4-3 nas fases ofensivas, com o brasileiro Rafinha, 24, aberto pela direita.
O "problema": esse desenho só foi possível porque o espanhol Andrés Iniesta, 32, foi poupado. Nesta quarta-feira (08), contra o Paris Saint-Germain, pela Liga dos Campeões da Uefa, o camisa 8 voltará a figurar nos 11 iniciais do Barcelona. E isso transformou a solução encontrada pelo treinador em um enorme dilema.
O Barcelona perdeu o primeiro duelo contra o Paris Saint-Germain, em Paris, por 4 a 0. Na história da Liga dos Campeões, jamais houve uma virada dessa proporção – o registro mais próximo aconteceu em 2004, quando o Deportivo La Coruña venceu o Milan por 4 a 0 na Espanha após ter sofrido um 4 a 1 na partida de ida. Na tentativa de obter um feito inédito, portanto, Luis Enrique terá de escolher entre um dos pilares de sua equipe e o modelo que funcionou contra o Celta.
Iniesta é produto e produtor de um dos momentos mais prolíficos da história do Barcelona. Moldado nas “canteras” catalãs desde os 12 anos, destacou-se em todas as equipes inferiores e chegou ao profissional em 2002, sob comando do holandês Louis van Gaal. Foi usado inicialmente no setor ofensivo, nos lados do campo, como opção a jogadores como Giuly e o brasileiro Ronaldinho.
Em 2006, o Barcelona que bateu o Arsenal na decisão da Liga dos Campeões da Uefa tinha Edmilson, Mark Van Bommel e Deco no meio-campo. Iniesta, 22 anos na época, participou da decisão (entrou no lugar de Edmilson), mas a presença do jogador no meio-campo ainda era mais exceção do que regra. Na Espanha, era comum a crítica dizer que ele e Xavi não tinham o poder de marcação de Edmilson ou Van Bommel e que tampouco atacavam como Deco.
A ascensão de Iniesta e Xavi, portanto, é muito mais do que uma simples tomada de posição. Os dois subverteram conceitos e se tornaram símbolos de um novo modelo de meio-campista. Num futebol que havia se afeiçoado a limitar volantes e meias, mostraram que é possível ter uma abordagem mais sistêmica. Criaram uma simbiose que alicerçou um Barcelona vitorioso e levaram o sucesso também à seleção espanhola – a equipe nacional venceu duas edições da Eurocopa (2008 e 2012) e uma Copa do Mundo (2010).
O futebol talvez leve décadas para compreender a exata relevância de Xavi, o armador, e Iniesta, o toque refinado, autor do gol que deu à Espanha o título mundial de 2010. São jogadores parecidos, com dinâmicas similares, e ao mesmo tempo complementares. São talento, valorização da posse de bola, soluções em espaço curto. São tudo que serviu como base para o Barcelona de Pep Guardiola e que virou característica indelével do próprio time.
Iniesta também virou resposta ao imediatismo. Deslanchou depois dos 24 anos, em função e posição diferentes do que desempenhava no início da carreira. Teve uma resiliência rara no ambiente em que estavam inseridos. “Em anos anteriores a isso, Messi, Xavi e Iniesta não teriam sido sequer aceitos numa escola de futebol. Havia um critério de buscar jogadores mais prontos e fisicamente mais fortes”, exemplificou o ex-atacante francês Christophe Dugarry em um programa da TV “SFR Sport”.
Nos anos seguintes, o Barcelona passou a ser o time de Xavi, Iniesta e Messi. Pensar na equipe catalã sem o tripé passou a ser algo tão difícil quanto imaginá-la sem o azul e o vermelho do uniforme.
Saída de Xavi e declínio de Iniesta
Xavi deixou o Barcelona em 2015. O meio-campo catalão passou a ser apenas de Iniesta, que recebeu a braçadeira de capitão e a responsabilidade de representar a identidade que o clube havia construído. Em 2016, o camisa 8 ultrapassou Puyol e se tornou o segundo atleta com mais partidas com a camisa da equipe espanhola – perde justamente para Xavi.
A questão é que o próprio Iniesta entrou em declínio. O jogador que chegou a distribuir 16 assistências na temporada 2012/2013 do Campeonato Espanhol deu apenas três passes para gol na soma das três últimas edições. Outrora dono do meio-campo, passou a conviver com problemas físicos e se distanciou da velocidade que apresentava no início da carreira.
A saída de Xavi e o declínio de Iniesta foram movimentos de desconstrução do Barcelona das últimas temporadas. A derrota para o Paris Saint-Germain nas oitavas de final da Liga dos Campeões talvez tenha sido o ápice nesse processo. Os catalães se classificaram ao menos para as quartas nas últimas nove edições do torneio europeu.
Depois daquele revés, o Barcelona emplacou quatro vitórias consecutivas. Anotou 15 gols e sofreu apenas dois. Mais: mostrou que a reação é possível. “Podemos marcar seis gols no Paris Saint-Germain”, avisou o técnico Luis Enrique em entrevista coletiva antes da partida.
Em três desses triunfos, Iniesta não figurou entre os titulares do Barcelona. Foi assim contra o Celta, por exemplo – o camisa 8 entrou na etapa final e disputou apenas 23 minutos.
Para Luis Enrique, o jeito mais simples de reconduzir Iniesta ao time titular seria a saída do brasileiro Rafinha. Entretanto, isso obrigaria o espanhol a jogar aberto para não alterar a estrutura que o time teve contra o Celta, e o camisa 8 não tem mais a explosão muscular que o permitia atuar assim no início da carreira.
Segundo o jornal catalão “Mundo Deportivo”, Luis Enrique considera ao menos sete opções de montagem de time para o jogo contra o PSG. Nem todas dependem de peças diferentes – em algumas, apenas o posicionamento é alterado. O maior dilema do treinador, no entanto, não é como o Barcelona vai se posicionar. Em busca da maior virada da história da Liga dos Campeões, o que ele precisa é escolher entre o bom momento e a história.
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