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Narciso venceu o câncer. Hoje é o técnico de time destaque do Paulistão

Luis Augusto Símon

Do UOL, em São Paulo

04/03/2014 06h00

O jogador consagrado, com carreira no Santos e seleção brasileira, volta a jogar, depois de três anos parado. Tem apenas 29 anos e todos eles passam pela cabeça, naqueles dez segundos em que deixa o vestiário, entra em campo e cumprimenta a torcida. Os aplausos são muitos. São em dobro. Vêm de todo o estádio Couto Pereira, em Curitiba. O seu nome é gritado pelas duas torcidas, e ele é, o que nunca foi na vida, uma unanimidade.

E ele chora. Lembra do início de 2000, quando, após exames de rotina, foi avisado que sofria de leucemia mielóide. Câncer no sangue, na linguagem mais clara. A partir daí, a luta foi pela vida e não pela bola. Cinco meses parado, até o tranplante de medula óssea, graças à irmã, Nilza. Dois anos e meio de recuperação e, então, a volta. Na entrada em campo, se lembra de Leão,  o treinador, que lhe deu todo o apoio, que repetiu várias vezes que seu lugar estava garantido. Mas, é hora de parar de chorar. Estava ali para jogar, com a mesma raça de sempre. E ainda faria isso até 2005, antes de virar treinador.

A história de superação está aí para quem quiser usar com seus jogadores. Narciso, treinador do Penapolense, líder do grupo A do Paulistão (à frente do São Paulo) não usa. “Para motivar meus jogadores, prefiro falar de Ayrton Senna, Oscar ou Hortência. Não vou usar a minha própria história porque fica muita apelação, muita demagogia”. Há outro motivo ainda, explica Narciso. “Quando a gente busca motivar um elenco, não pode exagerar na emoção, senão vira uma choradeira só. Imagina eu falando que tive câncer e só me salvei porque a minha irmã me deu a medula? Ia abalar os meninos”.

A doença lhe deu parâmetros que usa no futebol,  sem muita exposição. O foco, por exemplo. “Quando eu fiquei ruim, deixei de pensar em futebol. Só queria me salvar e continuar vivendo ao lado da minha família. Futebol, era pra depois. É como agora, com o Penapolense: o primeiro passo era não cair. Conseguimos. O segundo é a classificação. Faltam duas vitórias. Depois, o resto, a gente vê.”

Empate parece palavra proibida no Penapolense. Foram seis vitórias e quatro derrotas. A maior alegria, uma goleada de 4 a 1 no Santos. “Se eu fosse jogador e marcasse um gol no Santos, nunca iria comemorar, mas os 4 a 1 eu vibrei muito porque os garotos mereciam. E eu, como profissional do futebol, também”.

O Penapolense é o segundo time profissional que Narciso dirige. O primeiro foi o Sergipe, por seis jogos apenas, em 2011. “Foi muito legal porque lá é meu estado natal e todas as torcidas me queriam, me incentivavam. Saí porque recebi um convite para trabalhar na base do Corinthians”.

Antes, havia sido o Santos. Depois, seria o Palmeiras. A experiência o levou ao cargo de diretor técnico do Penapolense. Com a saída de Luciano Dias, assumiu o cargo de treinador, duas semanas antes do Paulista. E , se não recorre ao sofrimento para motivar alguém, faz questão de lembrar a todos que tem 266 jogos e 13 gols pelo Santos. Que fez 19 jogos e um gol pela seleção. Todos ficam sabendo que jogou bola e que tem um currículo.

“Não faço isso para humilhar ninguém e nem para dizer que todo mundo pode chegar longe. É apenas para mostrar que eu posso ensinar alguma coisa. Digo isso olho no olho, o jogador sabe que aqui não tem nenhum marrento, apenas alguém que tem algo para dar”, diz Narciso. Que sonha apenas em ser espelho. 

O time tem conceitos táticos bem definidos. É defesa forte, é volante que sabe jogar e três meias servindo um atacante. Vamos aos nomes. “O Washington é um volante muito rápido e o Liel tem um passe excelente. Eles conseguem fazer a bola chegar com qualidade na frente. O Guaru é meu armador central, muito técnico. O Petrus e o Créu são meias agressivos e o Douglas Tanque nem precisa explicar,né? Além disso, a defesa é boa, tem o Gualberto, muito técnico, que se machucou agora”.

E o treinador Narciso escalaria o quarto-zagueiro Narciso como volante, como outros fizeram. “Com a maior tranqüilidade. Eu era um zagueiro que saía para o jogo, com a bola dominada. Volante tem de ser assim, é a base do futebol de hoje. Transformei muito meia em volante por causa disso”.

À frente do São Paulo, o Penapolense depende de si para disputar a vaga para a semifinal em casa. Precisa terminar na frente, mas Narciso se faz de desentendido. Nem pensa no assunto. “Nós ainda não classificamos. E nem quero saber do São Paulo. Nossa briga é com Atlético Sorocaba, Comercial, Linense, times do mesmo nível”. 

Também com Ituano, Botafogo e São Bernardo. Desses quatro, com quase total certeza , sairão dois para disputar a Série D do Brasileiro. Uma chance para Narciso continuar a carreira de treinador. Ou ele sonha com desafio maior? “Não sonho. Sofri muito e não fico sonhando, não fico prevendo. Faço o dia a dia. Se continuarmos bem no Penapolense, haverá outro trabalho em seguida. E eu vou fazer com amor”.

E explicando sempre como um tal Narciso disputava a bola, como subia para cabecear, como saía jogando. E nunca como venceu a tal leucemia mielóide. “Mesmo porque o mérito foi da Nilza, minha irmã”.