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Projeto de VLT é mais caro e contraria todos os estudos técnicos, mas foi o escolhido

Projeto de VLT é mais caro e contraria todos os estudos técnicos, mas foi o escolhido

07/07/2011 - 07h01

Políticos ignoram técnicos e manobram para emplacar trem bilionário em Cuiabá

Vinícius Segalla
Em São Paulo

Um político de Cuiabá (MT) que responde a mais de 50 processos por improbidade administrativa está levando a cidade a construir uma linha de trem que vai custar mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos e que, de acordo com laudos técnicos e opinião de especialistas em transporte urbano, absolutamente não é necessária na cidade. Pior: para fazê-lo, o deputado José Riva (PP), presidente da Assembleia Legislativa do Mato Grosso, fez a cidade abrir mão de um financiamento da Caixa Econômica Federal de R$ 451 milhões para a construção de três corredores de ônibus (ou BRT, Bus Rapid Transit), esta sim a solução de mobilidade urbana apontada por técnicos como a ideal para as necessidades e proporções de Cuiabá.

Na semana retrasada, os políticos locais anunciaram a construção de uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) orçada inicialmente em R$ 1,1 bilhão. O valor é equivalente a todo o montante de investimentos para a Copa que o Ministério do Esporte previa para Cuiabá, incluindo obras no aeroporto (R$ 88 milhões) e a construção de um estádio (R$ 597 milhões). Estudos técnicos de universidades e empresas contratadas recomendavam a construção do BRT, ao custo de R$ 489 milhões. Caciques políticos do Mato Grosso encabeçados por Riva, porém, preferiram fiar sua decisão em um "estudo" de dez páginas encomendado a uma empresa que constrói sistemas para trens e optaram pelo modal mais caro.

 A decisão foi anunciada em junho pelo órgão estadual criado pelo governo para gerir as obras da Copa: a Agecopa (Agência Estadual de Execução dos Projetos da Copa do Mundo do Pantanal) . A escolha representa uma reviravolta nos projetos de mobilidade urbana para a Copa da cidade-sede, enviados ao Ministério do Esporte em setembro de 2009 e que previam a construção de três corredores integrados de ônibus. Agora, enquanto o Ministério do Esporte computa que as obras do BRT estão a pleno vapor desde maio deste ano, com previsão de entrega para novembro de 2013, a Agecopa corre para desenvolver e apresentar um novo projeto e, assim, pleitear a manutenção do financiamento que já havia sido aprovado e assinado pela Caixa Econômica Federal para os corredores de ônibus. Até agora, o órgão estadual não apresentou nenhuma explicação técnica que ampare a troca tardia de projetos.

É que os motivos que levaram as autoridades matogrossenses a escolher o VLT, segundo o UOL Esporte apurou, não foram técnicos. A decisão foi precedida por um embate político em que se confrontaram deputados e secretários de estado, favoráveis ao metrô de superfície, e técnicos e especialistas em transporte, que recomendavam o BRT. Os primeiros venceram.

  • Divulgação

    O deputado estadual José Riva (PP): defesa convicta do VLT e mais de 50 processos na Justiça

A disputa começou no segundo semestre de 2009. À época, Cuiabá tinha que apresentar um projeto de mobilidade urbana para o governo federal. Se aprovada, a obra seria financiada pelo "Programa Pró-Transporte", com recursos do FGTS e operacionalizado pela Caixa Econômica Federal. A prefeitura, então, resolveu contratar uma empresa ou entidade que montasse um projeto de mobilidade urbana. A UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso) voluntariou-se, mas foi preterida por uma empresa do mercado. "Não escolheram nosso projeto, mas a empresa contratada apresentou um estudo muito sério, tanto que obteve o financiamento federal", conta o professor da UFMT Luiz Miguel de Miranda, doutor em engenharia de transportes.

O estudo fornecido à prefeitura contém centenas de páginas e se aprofunda nas questões urbanísticas e econômicas da capital matogrossense. Um software de engenharia de tráfego (Transcad) foi utilizado para determinar os fluxos de transporte da cidade. "O estudo levou em consideração quantas viagens são feitas na cidade por dia, qual o tamanho médio dos deslocamentos, os horários de maior demanda e as previsões de crescimento dessas variáveis ao longo dos anos", explica Miranda.

A conclusão técnica foi a de que Cuiabá não precisaria de um sistema de transporte que pudesse transportar mais do que 20 mil pessoas por hora. Com o projeto de BRT sugerido à prefeitura, é possível transportar até 30 mil pessoas por hora. Já o VLT transporta até 40 mil pessoas por hora. As linhas de BRT somariam 33 quilômetros e teriam 32 estações, ligando o centro da cidade ao aeroporto e ao estádio que está sendo construído. Já o VLT ainda não tem itinerário e comprimento definidos. "Pelas projeções técnicas, Cuiabá não tem necessidade de um VLT pelo menos pelos próximos 20 anos", diz o professor. "O caso foi estudado por autoridades em transporte da prefeitura e do estado, além de engenheiros da UFMT, da USP (Universidade de São Paulo) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Não houve uma voz que não dissesse que o BRT é o modal adequado a Cuiabá", completa.

  • Divulgação

    O chefe da agência da Copa no MT, Eder Moraes: assumiu o cargo e aprovou o VLT em um mês

O projeto foi aprovado e entrou na programação oficial do governo brasileiro de obras da Copa. Uma voz dissonante, porém, surgiu na Assembleia Legislativa do Mato Grosso já em 2009. Trata-se do presidente da Casa, deputado José Riva (PP). O parlamentar até hoje se orgulha de ser o maior defensor do VLT em Cuiabá. Advogado por formação e político por natureza, Riva tem a firme convicção, vinda não se sabe de onde, de que o VLT é o meio de transporte perfeito para a cidade.

Deputado estadual desde 1994, o parlamentar é um dos maiores caciques do estado, com enorme força política e folha corrida. Riva responde na Justiça do Mato Grosso a mais de 50 processos movidos pelo Ministério Público por improbidade administrativa. No STF (Supremo Tribunal Federal), é reu em, pelo menos, mais cinco. Em julho de 2010, sua mulher, Janete, foi presa pela Polícia Federal com mais 91 pessoas (muitas delas funcionárias do governo do MT) acusadas de derrubar ilegalmente o equivalente a 1,5 milhão de metros cúbicos de madeira desde 2008. 

Em abril deste ano, a disputa se intensificou. O advogado e deputado José Riva passou a defender ostensivamente o VLT, acusando a Agecopa de fazer lobby junto aos empresários do setor de transporte de Cuiabá a favor do BRT. O então presidente da Agecopa, Yênes Magalhães, era quem rivalizava com o parlamentar. Quadro técnico do governo estadual, Magalhães é engenheiro especialista em sistemas de transporte. Já foi secretário municipal de Transporte de Cuiabá e secretário de Planejamento do Mato Grosso. Ele foi à Assembleia Legislativa em mais de uma oportunidade, munido de estudos que mostravam que a implantação da linha férrea do VLT não se daria a tempo de estar funcionando na Copa, e que a tarifa economicamente viável do VLT não poderia ser inferior a R$ 4,35, enquanto o BRT poderia se sustentar com uma passagem na casa dos R$ 2.

O deputado montou trincheiras na Assembleia a favor do VLT, e começou a pressionar o governador Sival Barbosa (PMDB) a substituir o presidente da Agecopa. No dia 15 de abril, Yênes Magalhães foi retirado do cargo e substituído por Eder Moraes, atual ocupante do cargo. Político experiente e de confiança de Sival Barbosa, Moraes era secretário-chefe da Casa Civil do governo do Mato Grosso. Antes, havia sido assessor especial do ex-governador Blairo Maggi, em 2003. Jamais pisou em uma escola de engenharia. Não tem nenhuma experiência na área de transporte.

Em maio, a fim de inteirar-se sobre o assunto que agitava a Agecopa, foi à cidade do Porto, em Portugal, conhecer o sistema de VLT que o município possui. Em sua companhia foram os deputados José Riva (advogado), Sérgio Ricardo (PR), que é jornalista, e Guilherme Maluf (PSDB), que é médico. Todos voltaram convencidos de que o VLT seria a melhor solução para o transporte de Cuiabá. Há duas semanas, veio o anúncio da substituição do modal. Agora, a Agecopa corre para preparar um projeto, encontrar uma parceira privada e convencer a Caixa Econômica Federal que a verba que seria emprestada para o BRT deve ser entregue para construir o VLT, embora nenhum estudo tenha sido até agora enviado ao banco estatal.     

CUSTO DAS OBRAS DE MOBILIDADE URBANA NAS SEDES DA COPA

Cidade Investimentos previstos (em milhões de R$) População (em milhões de pessoas)
São Paulo 2.860 11,2
Manaus 1.689 1,8
Rio de Janeiro 1.610 6,3
Belo Horizonte 1.466 2,4
Cuiabá 1.100 0,6
Recife 885 1,5
Salvador 570 2,7
Fortaleza 562 2,5
Porto Alegre 480 1,4
Curitiba 464 1,7
Natal 441 0,8
Brasília 380 2,6
  • Cuiabá é a menor cidade entre as sedes da Copa do Mundo de 2014 e tem a quinta maior previsão de gastos com transporte
  • Fontes: Ministério do Esporte e IBGE

O ex-presidente da Agecopa, Yênes Magalhães, agora é diretor de planejamento do órgão estadual. O UOL Esporte tenta colher sua opinião sobre a mudança de projeto desde segunda-feira de manhã (4/7). Inicialmente, ele afirmou, por meio de sua assessoria, que não iria comentar o assunto. Depois da insistência da reportagem, disse que atenderia ao portal na terça-feira. Na data marcada, porém, sua assessoria informou que Magalhães não se encontrava no escritório. Indagada se o diretor não poderia atender a reportagem ao celular, sua assessora informou que Magalhães tem problema de ouvido e não consegue falar com um telefone móvel.

Também na segunda-feira de manhã, o UOL Esporte procurou a Agecopa, a fim de saber se o órgão possui algum estudo que identifique o VLT como a melhor opção de transporte para Cuiabá, entre outras questões de caráter técnico. A reportagem, porém, foi informada que apenas o presidente da entidade, Eder Moraes, teria condições de dar qualquer informação a respeito do VLT, e que o mesmo encontra-se na Rússia até a próxima sexta-feira (8/7). A Agecopa possui uma estrutura com sete diretorias e dezenas de gerências.   

Já o deputado José Riva atendeu à reportagem. "Encomendei um estudo que mostra que o VLT é a melhor opção para Cuiabá. Estou plenamente convicto desta ideia", declarou. O UOL Esporte teve acesso ao estudo referido pelo deputado. Ele foi feito pela empresa TTrans, de São Paulo, que fornece sistemas metroviários de energia, controle e material rodante. A análise possui dez páginas tamanho A-4 e nenhuma referência à realidade específica de Cuiabá, metodologia de cálculos ou contexto econômico. Contra um estudo científico de centenas de páginas e a opinião unânime de especialistas em transporte urbano, o deputado forma sua convicção por meio de um relatório de dez páginas produzido por uma fornecedora de sistemas metroviários.

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