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Renato Mauricio Prado

Serpentes encantadas

AFP PHOTO / Benjamin CREMEL
Imagem: AFP PHOTO / Benjamin CREMEL

07/07/2018 16h44

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Vinte e quatro horas após a eliminação do Brasil em mais uma etapa de quartas de final de Copa do Mundo fico me lembrando das desclassificações em outros Mundiais e, exceção feita a mais traumática de todas, ocorrida em 1982, na Espanha, não consigo ver grandes diferenças entre o que aconteceu agora e o ocorrido nas demais ocasiões.

E por que busco essas reminiscências? Porque me incomoda esse discurso de Tite e de sua comissão técnica, bem como dos jogadores e de boa parte da imprensa, de que “caímos de cabeça em pé, o trabalho foi muito bem feito, é digno de orgulho, pois o aleatório decidiu o jogo” e por aí vai.

É verdade que, sob o comando de Tite, a seleção fez uma excelente campanha nas eliminatórias sul-americanas. Mas, com Dunga, antes da Copa de 2010, também fez. E ambos acabaram eliminados, rigorosamente, nas mesmas quartas de final do Mundial. Tite caiu diante da Bélgica, Dunga, diante da Holanda.

E não me venham falar agora de “desempenho” e de oportunidades criadas, no dia da desclassificação, pois o primeiro tempo do Brasil, diante dos holandeses, em 2010, beirou a perfeição e o jogo poderia ter sido liquidado ali, não fosse excepcional defesa do goleiro adversário, em chute de curva de Kaká.

Essa história de que “amassamos” os belgas, na segunda etapa, me lembra outro “amasso”, até mais incisivo, ocorrido na Copa de 90 (nas oitavas), quando a equipe dirigida por Lazaroni também dominou amplamente a Argentina, mandando até bolas na trave etc. e terminou perdendo num lance genial de Maradona, que culminou com o gol de Cannigia (jogada até um pouco semelhante a que Lukaku fez no gol de De Bruyne).

Em resumo, o que me parece – e esse é o ponto central da questão – é que a simpatia por Tite (corretamente apelidado de “encantador de serpentes”), em contraste com a justificada antipatia por Lazaroni e Dunga, por exemplo – é que faz com que muita gente seja bem mais condescendente agora do que foi em Copas passadas.

Por favor, não estou comparando Tite com Lazaroni e Dunga. Eu o considero bem superior aos dois. E acho que deve continuar à frente da seleção, para cumprir um ciclo de quatro anos até o Catar e, com a experiência dos erros atuais, lá chegar com chances bem maiores de conquistar o título.

O que não dá para dizer é que ele não errou na Rússia e que tudo foram flores na campanha brasileira, até a derrota para a Bélgica. Errou, sim, na convocação (por exemplo: o que Taison foi fazer na Rússia?), ao insistir com Gabriel Jesus, com Paulinho, com Willian e com Fernandinho, que considera um “baita jogador”, mas na seleção nunca conseguiu justificar tal fama e por aí vai.

Errou ao demorar a reagir, quando foi surpreendido pelas mudanças táticas feitas pela Bélgica, desarticulando todo o seu plano inicial de jogo. Errou ao custar a fazer substituições que, enfim, melhoraram o time, mas não a tempo de evitar a derrota e a desclassificação. Errou até na administração tolerante do temperamento mimado de seu craque maior, Neymar.

Brasil e Bélgica fizeram um grande jogo? Fizeram. Mas a seleção não vinha jogando, até então, nem metade do futebol que se esperava dela. Diante de adversários de segundo escalão, foi mal no empate com a Suíça, patinou diante da Costa Rica (os gols só saíram nos acréscimos!), ganhou da Sérvia alternando bons e maus momentos e chegou a levar um sufoco do México, nos primeiros vinte minutos de jogo.

Se fizer um severo exame de consciência, avaliar com frieza o que aconteceu na Rússia, e souber reconhecer seus equívocos - até de comportamento, como a demagógica mania de levar seus auxiliares para responder perguntas nas entrevistas coletivas – Tite poderá, sim, fazer um trabalho bem melhor e eficiente com vistas à próxima Copa.

Até lá, o que tem na mão é um resultado tão frustrante quanto foram o de Telê, em 86, Lazaroni, em 90, Parreira, em 2006 e Dunga, em 2010. O resto é papo de serpente encantada.

Renato Mauricio Prado