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Copa 2018

Frustração e mágoa com médico: atletas relembram cortes na seleção

Careca (abaixo, no centro) em amistoso contra a Irlanda, antes da Copa de 82 - Fernando Santos/Folhapress
Careca (abaixo, no centro) em amistoso contra a Irlanda, antes da Copa de 82
Imagem: Fernando Santos/Folhapress

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

12/05/2018 04h00

A alegria por fazer parte de uma lista de convocados para a Copa do Mundo pode ser comparada, proporcionalmente, à tristeza por estar tão perto dela, mas na última hora acabar cortado por conta de uma lesão. Somente quem viveu essa situação pode tentar expressar em palavras o que viveu desde o momento em que se machucou até a confirmação de que, realmente, não estaria presente no Mundial. O mais recente drama ocorreu com Daniel Alves, que não será convocado após ser constatada uma lesão no joelho.

O UOL Esporte conversou com alguns jogadores brasileiros que voltaram no tempo para relatar o duro momento do corte e reviver o que aconteceu para que o sonho da Copa do Mundo deixasse de ser uma realidade. Ainda magoado e chateado com o técnico Luiz Felipe Scolari pelo corte em 2002, o ex-volante Emerson (que acabou substituído por Ricardinho) foi o único dos procurados que preferiu não falar com a reportagem. Confira:

CARECA (1982)

Ainda no Guarani, primeiro clube de sua carreira, Careca já dava demonstrações do grande jogador que se tornaria. Ficou bem perto de ir à Copa de Mundo de 1982, na Espanha, mas rompeu o adutor da coxa durante um treinamento com a seleção brasileira, na Espanha. Deu lugar a Roberto Dinamite, mas voltaria a defender o Brasil nos Mundiais de 1986 e 1990.

Alegria por ser lembrado antes da Copa

Como eu posso dizer? Uma alegria em parte por ter sido lembrado numa fase legal, com 21 anos, jogando pelo Guarani e ser lembrado pela comissão técnica, pelo Telê. Eu tinha trabalhado com o Telê em 81, em Toulon, no sub-23, ele era o supervisor, e para 82 o Telê me convocou. Então de um lado aquela alegria; eu, moleque, com 21 anos, estava numa grande fase e a seleção era maravilhosa, tanto é que mesmo sem ganhar o título é lembrada até hoje, uma das melhores que existiu. E a decepção maior foi o momento em que eu me machuquei, a tristeza foi grande.

“Eu não tinha condição”

Careca, ex-jogador da seleção brasileira - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images
Fiz todo o trabalho e não tinha como ficar economizando, tinha que treinar porque um treinamento bom dava a garantia para você jogar, o Telê era assim. E neste treino eu lembro que levantei a perna direita e a perna esquerda ficou no chão, estourou, rompeu o adutor da coxa esquerda. Se fosse hoje era cirúrgico, com a medicina mais moderna, mas antigamente não, você ficava esperando. Eu fiquei três meses parado, sem fazer porra nenhuma, então por uma parte era um sonho jogar na seleção brasileira e disputar o meu primeiro Mundial e por outro lado a tristeza de deixar o grupo. Eu não tinha condição e tive que voltar para casa, e infelizmente fiquei de fora desse grande time.

Como foi a lesão

Eu me lesionei em um treino em Carmona, na Espanha, perto de Sevilha. O Edinho meteu uma bola para mim, eu entrei nas costas dos zagueiros, a bola passou por cima do Oscar, foi longa demais, e aí eu estiquei a perna lá em cima para dominar e a outra ficou no chão, e na velocidade deu o estalo e rompeu o adutor. Infelizmente me machuquei, é uma coisa da profissão, mas joguei em 86 e 90.

TONINHO CEREZO (1986)

Substituído por Valdo, Toninho Cerezo ainda não se conforma de ter sido cortado da Copa de 1986, no México. Especialmente pelo fato de ter jogado 15 dias depois do corte e ter feito um gol decisivo na Copa da Itália, atuando pela Roma – antes de acertar com a Sampdoria.

Gol decisivo pela Roma logo após o corte

Estrelas brasileiras reunidas: Cerezo e Falcão pela Roma, Zico pela Udinese - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução
Eu acreditava [que dava para ir]. Eu e o Gilberto Tim [preparador físico], ele acreditava que eu poderia jogar, mas por outro lado eu fiquei chateado porque todo atleta ficaria chateado. Fui cortado, mas depois de 15 dias eu estava jogando a final da Copa Itália pela Roma, contra a Sampdoria. Fiz o gol da vitória e ganhamos o jogo, e aí a Sampdoria veio e me contratou. Eu entrei faltando cinco minutos e fiz o gol de cabeça; aí os caras viram que eu estava bem e fui para a Sampdoria, fiquei mais seis anos lá. Mas eu sou um cara que nasci com aquilo para a lua. Lá (na Sampdoria) nós ganhamos tudo e depois eu ainda voltei com o Telê no São Paulo, para você ver como são as coisas, né? Tive a sorte enorme de pegar um time muito bom e encaixou bem. 

Como foi a lesão

Eu tive uma lesão no adutor na coxa. Eu fiquei aqui na Toca da Raposa três meses tratando, e depois desses três meses eu já comecei a treinar com o time lá no México, mas tinham quatro jogadores: eu, Dirceu, Zico e Sócrates, e na época eles optaram pela minha saída e do Dirceu.

Corte o fez perder muito dinheiro

Toninho Cerezo conseguiu a façanha de ser campeão italiano com a camisa da Sampdoria em 1991 - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução
Eu senti porque eu tinha um contrato com o Milan e ia ganhar um milhão de dólares com o contrato. Seria um contrato de três anos com o Milan e o contrato estava amarrado porque eu teria que jogar a Copa do Mundo, e quando me cortaram da Copa de 86 eu perdi. Mas eu fui para a Sampdoria... Não fui ganhando tudo isso, fui ganhando menos, mas ganhei mais títulos na Sampdoria.

Médico foi o responsável

Quem me cortou praticamente foi o Neylor Lasmar, pessoa que eu conheço dentro do Atlético-MG já há muitos anos, e principalmente na direção do Telê... Agora eu fiquei chateado porque qualquer um ficaria chateado, né? Mas com o passar do tempo você vê que são pessoas sérias, principalmente o Telê, que é um cara que eu devo muito.

RICARDO GOMES (1994)

Ricardo Gomes durante jogo do Brasil contra a Itália na Copa do Mundo de 1990  - David Cannon/Allsport - David Cannon/Allsport
Imagem: David Cannon/Allsport
Entre os entrevistados pelo UOL Esporte, Ricardo Gomes certamente foi o que se mostrou mais conformado com o corte - em 1994. O próprio ex-jogador, que havia participado da Copa de 90, admite que não tinha condições de disputar a competição mundial. Com a lesão na coxa, Ronaldão ganhou a chance de fazer parte do grupo que foi tetra nos Estados Unidos.

Como foi a lesão

A minha lesão foi no posterior da coxa e também uma lesão no joelho que já era antiga. Mas não foi por causa do joelho; o joelho eu tinha limitação, amplitude do joelho, e isso acarretou nessa lesão na coxa posterior. Você pode dizer o seguinte: ‘Você jogou com esse joelho muito tempo com limitação, mas não daria véspera da Copa de 94’? Não, não tinha como, a lesão na coxa me tirou do Mundial. A recuperação pede aí de 20 a 30 dias para voltar a começar a treinar.

Qual o sentimento?

O sonho de um jogador é ir para uma Copa do Mundo, e ser cortado no momento de ir à Copa não foi nada agradável. A comissão técnica me informou sobre o corte, o médico era o Dr. Lídio Toledo. Mas o mais importante é que o Brasil foi campeão.

MÁRCIO SANTOS (1998)

Titular na conquista do tetra, Márcio Santos ficou perto de disputar a Copa do Mundo seguinte, na França. Porém, uma fisgada na coxa o fez ser cortado da seleção; na opinião do ex-zagueiro, de forma totalmente injusta, uma vez que ele entrou em campo normalmente dias depois. Ele aponta o já falecido médico Lídio Toledo como grande responsável pela sua ausência em 1994 – André Cruz foi o seu substituto, mas também se machucou logo depois da convocação.

Culpa da lesão foi do hino nacional?

Márcio Santos, Zé Maria, Zé Roberto, Ronaldo e Giovanni participam de treino da seleção brasileira em Oslo, na Noruega (30/05/97) - Arquivo/Folhapress - Arquivo/Folhapress
Imagem: Arquivo/Folhapress
A lesão foi uma fisgada na coxa, na final do Paulistão [São Paulo 3x1 Corinthians]. Foi aos dez minutos do segundo jogo da final e, se não me falha a memória, foi a primeira vez que começou a cantar o hino nacional brasileiro nos jogos, e naquele dia nós aquecemos bem, só que estava um pouco de frio em São Paulo e, para gente ser campeão, precisávamos ganhar por dois gols de diferença. Bom, nos aquecemos e quando eu fui para cantar o hino nacional eu estava frio. O jogo começou e em dez minutos o Corinthians não tinha passado do meio-campo ainda, e ainda fizemos o primeiro gol com o Raí. Aí o Marcelinho Carioca pega uma bola e enfia para o Mirandinha, e eu estava parado, estava frio, porque o Corinthians não tinha atacado ainda, e o meu primeiro pique 100% foi atrás do Mirandinha... Eu tenho certeza de que quem me tirou da Copa de 98 foi o hino nacional brasileiro [risos]. Nós cantamos o hino ali e esfriamos, e ficamos parados, eu e o Mirandinha, esperando o Corinthians atacar, e no meu primeiro movimento eu virei e tive a fisgada na coxa.

“Zico e Zagallo não queriam me cortar”

Aí eu vou entrar na parte principal. O que acontece? Não foi uma lesão grave, tanto é que acabou o jogo e eu fui dar a volta olímpica, eu era o capitão. A minha lesão foi bem simples. Em menos de uma semana dava para recuperar, foi só uma fisgada, ainda bem que eu parei na hora. E na terça-feira eu me apresentei novamente à seleção brasileira e me reuni com a comissão, das 7h até as 10h da noite, na sala de Teresópolis. E o Zico e o Zagallo não queriam me cortar de jeito nenhum, eles falaram: ‘A gente precisa do Márcio em 20 dias’, e eu falei: ‘Essa lesão no máximo até sexta-feira, sábado, eu estou jogando, estarei normal de novo, é só para eu me recuperar, eu me conheço bem’, e eu raramente tive lesão na carreira, não era uma lesão grave.

“O culpado foi o Dr. Lídio”

Estava o [Paulo] Paixão, preparador físico na época, e ele falou: ‘Eu não sei, não, ele vai perder alguns dias de treinamentos, vamos ter que chamar gente em Teresópolis para completar treinos’... Ele jogou água no meu chopp, cantou, né? E o Zico falou: ‘A gente precisa do Márcio daqui a 20 dias, para a Copa, não é agora que a gente vai precisar dele. Porque naquela semana a gente ia treinar no Rio de Janeiro e, na semana seguinte, ia começar a treinar em Paris. Aí deixaram a última palavra para o Dr. Lídio Toledo, e ele falou: ‘Não sei gente, vai ter que trazer outro’, e definiu me cortar porque ele era a última palavra, do médico. Foi precipitação do Dr. Lídio, e ele foi mal, entendeu? O Zagalo e o Zico não queriam me cortar de jeito nenhum. O culpado é o falecido Dr. Lídio, ele quem deu a palavra final.

Novo convocado também se machucou

Márcio Santos - Brasil - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images
Pela comissão técnica não queriam cortar, e o principal é o seguinte, tem mais um adendo aí: O que acontece? Convocaram o André Cruz para o meu lugar, lembra? E aí o André Cruz tinha feito a operação de hérnia de disco três meses antes, ele jogava na Bélgica na época, e ele se apresentou na França... E nos primeiros treinos lá ele travou as costas e não conseguiu mais treinar, e o Brasil ficou com três zagueiros só na Copa de 98: o Gonçalves, o Júnior Baiano e o Aldair. Depois eu não tive mais papo com o Dr. Lídio, eu fiquei muito chateado com ele. Eu poderia ter jogado mais uma Copa do Mundo sem problema nenhum. E em 98 o Brasil tomou dez gols na Copa. Em 94 levou três gols, e eu estava voando baixo no São Paulo antes da Copa de 98. Eu fui cortado na terça-feira e no final de semana eu joguei um torneio no Mato Grosso, com o São Paulo. É brincadeira? Eu podia ter jogado a Copa de 98 fácil, eu e o Aldair juntos. Nesse torneio tinha o Coritiba também, e eu joguei normalmente. Vai entender, né?

EDMÍLSON (2006)

Titular do Brasil na conquista do pentacampeonato, Edmílson poderia ter disputado também a Copa do Mundo de 2006. Mas uma lesão no menisco do joelho direito impediu de ir à Alemanha, dando lugar a Mineiro. Assim como Ricardo Gomes, vê como justa sua ausência.

“Entramos num consenso e fui cortado”

Jogadores da seleção brasileira lamentam gol da Bolívia em jogo válido pelas Eliminatórias para a Copa de 2002 - AFP PHOTO/Antonio SCORZA - AFP PHOTO/Antonio SCORZA
Imagem: AFP PHOTO/Antonio SCORZA
Eu tive uma lesão no menisco da perna direita. Havia uma possibilidade de eu perder os três primeiros jogos e a partir das oitavas de final ficar à disposição do Parreira... Na época não se fazia ressonância se estava sentindo dores, o joelho estava travando, e a gente foi com o Dr. Rodrigo Lasmar fazer ressonância e ele até viu a possibilidade de se fazer artroscopia, que era uma coisa simples, e em 15 dias já estaria em processo de estar participando, mas aí houve uma reunião e eu também achei que não seria justo ficar com o time sem poder ter condições. Aí entramos num consenso e eu acabei sendo cortado, e entrou o Mineiro.

Sentimento de frustração

O sentimento foi de frustação, porque logo que eu cheguei no Barça eu fiquei oito meses parado, aí eu voltei e esse time de 2006 estava encaixadinho, ganhou a Copa América, Copa das Confederações, e nós fomos campeões espanhóis, da Liga dos Campeões, e foi quando o Parreira me convocou... Então foi frustrante. Eu fiquei machucado e lutei muito para conquistar a convocação, que não foi fácil, e depois eu fui cortado logo no começo. Foi angustiante porque eu tinha a vontade participar de mais uma Copa do Mundo. Eu estava numa fase boa porque eu estava experiente. Em 38 jogos eu joguei 34; na Champions foram 12 jogos, eu joguei 10. Eu estava numa fase excelente, experiente, tinha a experiência de ter jogado o Mundial de 2002, foi uma fase importante que eu estava.

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