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Copa 2018

Adaptações e 'lesões fake': os efeitos do Ramadã na preparação para a Copa

Técnico Nabil Maaloul alimenta atletas da seleção tunisiana durante amistoso contra a Turquia, no último dia 1º - AFP PHOTO / Fabrice COFFRINI
Técnico Nabil Maaloul alimenta atletas da seleção tunisiana durante amistoso contra a Turquia, no último dia 1º Imagem: AFP PHOTO / Fabrice COFFRINI

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

10/06/2018 04h00

A preparação para a Copa do Mundo exige foco, treinamento e controle de ansiedade. Além disso, para seis das seleções classificadas ao Mundial na Rússia, exige também uma adaptação alimentar. Os convocados de Arábia Saudita, Egito, Irã, Marrocos, Senegal e Tunísia, países de população majoritariamente islâmica, têm feito jejum durante o dia devido ao Ramadã. Equilibrando-se entre o respeito ao Islamismo e a competição em alto nível, vale até uma malandragem para interromper as partidas.

Nesta semana o técnico da seleção da Tunísia, Nabil Maaloul, admitiu ter pedido ao goleiro Hassein que caísse no chão e fizesse um pouquinho de cera durante os amistosos contra Portugal e Turquia. A cena inusitada tem explicação: enquanto Hassein ficou no gramado, os companheiros tiveram tempo de ir ao banco de reservas comer alguma coisa.

A estratégia tem tudo a ver com o Ramadã, o mês do calendário islâmico em que os adeptos da religião jejuam. Em 2018, o período começou em 16 de maio e dura até quinta-feira (14), data de abertura da Copa do Mundo na Rússia. Nestas semanas os muçulmanos comem antes de o sol nascer e, depois disso, apenas após o pôr do sol. Ambos os amistosos disputados pela Tunísia começaram no início da noite, e a alimentação acabou sendo feita durante as partidas mesmo.

Maior astro muçulmano da atualidade, o egípcio Mohamed Salah enfrentou o dilema de jejuar ou não há poucas semanas, na ocasião da final da Liga dos Campeões da Europa. De acordo com o fisioterapeuta do Liverpool, Ruben Pons, o craque optou por se alimentar sem restrições na véspera e no dia da partida - o que sugere que tenha respeitado o Ramadã nos outros dias e ainda o faça.

Além de Salah, nomes importantes da Copa do Mundo são muçulmanos e podem estar de jejum durante a preparação: Sami Khedira e Mesut Ozil (Alemanha), Sadio Mané (Senegal) e Marouane Fellaini (Bélgica) são alguns deles. Adversário da seleção brasileira na estreia, no dia 17, o suíço Granit Xhaka também está nesta lista.

Por tratar-se de uma ocasião do porte da Copa do Mundo, os atletas islâmicos têm uma espécie de salvo-conduto no Ramadã. De acordo com Kamal Chahin Mohamed, coordenador do Centro de Divulgação do Islã para a América Latina, algumas interpretações da religião permitiriam que os jogadores adiassem o período de jejum por estarem longe de casa.

“Essa regra existe há muito tempo, de quando os viajantes atravessavam desertos. Por isso permitia-se ao viajante não fazer o jejum e repor depois”, explica Mohamed. “Hoje, se a pessoa está apta a jejuar, se não tem problema de saúde, então deve fazer. Mas eles [jogadores] poderiam não fazer com base nessa ressalva.”

Fisiologicamente, o Ramadã tem consequências. Segundo Antonio Herbert Lancha Jr., mestre e doutor em nutrição pela Universidade de São Paulo (USP), o jejum influencia diretamente o desempenho do atleta. “O desempenho em jejum será sempre inferior ao potencial do jogador quando bem alimentado”, afirma.

Ele explica que geralmente aumenta-se o consumo de carboidrato à noite, para o atleta criar uma reserva energética. Isto enquanto durar o Ramadã, porque, assim que ele termina, vale a pena readaptar a alimentação. “É preciso ter o atleta com reserva de carboidrato, para que comece a competição sem prejuízo. Depois vem a readaptação, e aí vão conseguir equiparar. Se for muito bem feita, os atletas não sentem”, diz Lancha Jr.

No calendário da Copa do Mundo, o primeiro jogo de cada seleção muçulmana é bastante importante nesta readaptação à alimentação diurna. A Arábia Saudita abre o torneio contra a Rússia na quinta-feira (14), justamente o último dia do Ramadã. No dia seguinte são mais três em campo: pelo mesmo grupo, o Egito pega o Uruguai; no grupo B, Marrocos e Irã se enfrentam. A Tunísia, que fez cera durante amistosos para os atletas comerem, só enfrenta a Inglaterra na segunda (18); enquanto Senegal encara a Polônia na terça (19).

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