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Crise da seleção espanhola reflete tensão política e rixa Barça x Real

Do UOL, em São Paulo

13/06/2018 22h00

A demissão do técnico Julen Lopetegui a dois dias do primeiro jogo da seleção da Espanha na Copa do Mundo da Rússia está longe de ser só uma questão de orgulho de Luis Rubiales, presidente da Federação Espanhola incomodado com o anúncio da ida do treinador para o Real Madrid após o Mundial. Ela reflete indícios da tensão política que ronda historicamente a seleção por conta da relação controversa entre madridistas e catalães. Mais especificamente, entre Real Madrid e Barcelona.

Um sinal desta rixa é notado nas duas únicas declarações públicas de jogadores da Espanha após o episódio: Sergio Ramos, do Real Madrid, e Piqué, do Barcelona. Pelo Instagram, o madrilenho escreveu: "Somos a seleção, representamos um escudo, cores, uma torcida, um país. A responsabilidade e o compromisso é com vocês e por vocês. Ontem, hoje e amanhã, juntos", enquanto o catalão fez uma referência histórica: "Universidade de Michigan. Basquete. 1989. Campeão da NCAA. Não seria a primeira vez que acontece. Todos unidos, agora mais do que nunca."

A referência de Piqué à temporada 1989 do basquete universitário americano diz respeito a um treinador que anunciou pouco antes do início do campeonato que estava acertado com outra universidade para a temporada seguinte. O técnico foi demitido, o time de Michigan foi campeão sob o comando do antigo auxiliar e uma frase entrou para a história: "Michigan será dirigido por um treinador de Michigan, não do Arizona."

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Sergio Ramos, de acordo com relatos da mídia espanhola, foi o único que defendeu de forma enérgica a permanência de Lopetegui na seleção, mesmo após a divulgação do acordo com o Real. O jogador do próprio time da capital alegava critérios esportivos, mas foi rebatido pelo discurso de princípios, ordem e orgulho ferido que impediam a permanência do técnico. Ramos não engoliu a justificativa, mas notou que sua posição não tinha muitos defensores internamente e adotou o discurso de união nacional. O barcelonista Piqué, como indicado em sua postagem, era contrário à permanência do técnico após a "traição".

Julen Lopetegui - AP - AP
Lopetegui está no centro de polêmica que reflete relações políticas na Espanha
Imagem: AP

As divergências de opinião entre atletas de Real Madrid e Barcelona em assuntos da seleção espanhola não são novidade. O Real é visto como time que representa a coroa espanhola e, para o Barça, símbolo da opressão que há sobre os catalães. A Catalunha, da mesma forma que o País Basco e a Galícia, por exemplo, foi anexada pelo Estado espanhol e perseguida por ter cultura, língua e tradições distintas do "oficial", ameaçando a identidade espanhola imposta durante a ditadura de Francisco Franco. O campeonato regional de futebol da Catalunha foi extinto, e isso fortaleceu a identidade regional anterior ao nacionalismo espanhol.

O convívio harmônico entre os pensamentos dissonantes sempre foi uma meta - nas conquistas recentes, alcançada, como nas edições de 2008 e 2012 da Eurocopa e na Copa do Mundo de 2010, com os técnicos Luis Aragonés e Vicente Del  Bosque. Nesta época, a Fúria possuía dois principais líderes no elenco: o goleiro Casillas, do Real, e o meio-campista Xavi, do Barcelona.

O grupo de jogadores era talentoso e competitivo, mas era necessário afastar a tensão entre os jogadores dos dois maiores clubes. Os líderes do elenco se dedicaram a isso, tanto que foram agraciados lado a lado com o "Prêmio Príncipe das Astúrias do Esporte" por simbolizarem "união e amizade acima das rivalidades": "Apesar da nossa rivalidade em termos de clubes, a amizade não falha porque na seleção estamos unidos", declarou Xavi naquela oportunidade. Os objetivos da seleção eram mais importantes do que rixas clubísticas e uniram a dividida Espanha.

Piqué e Sergio Ramos - Sergio Perez/Reuters - Sergio Perez/Reuters
Defensores de Barcelona e Real Madrid são alguns dos líderes atuais da seleção espanhola
Imagem: Sergio Perez/Reuters

Atualmente o cenário é diferente. Casillas e Xavi não fazem mais parte da seleção e as lideranças são justamente Sergio Ramos e Piqué, de pontos de vista mais radicais e figuras mais públicas. Piqué, por exemplo, é partidário ferrenho da independência da Catalunha, crítico da violência policial contra manifestantes e já foi vaiado e chamado de "chorão" durante um treino da seleção espanhola por conta de seu posicionamento a favor da separação da Espanha.

Ex-companheiro de Piqué no Barcelona e na seleção, Xavi mostrou pensamento concordante em relação à demissão do técnico: "A decisão de Lopetegui me pareceu inoportuna, inesperada e precipitada. Foi uma surpresa para todos, mas Rubiales reagiu muito bem. Pensou na Federação, que deve estar sempre acima de qualquer pessoa", disse, ao diário Marca.

Lopetegui está no centro de uma polêmica que faz menção à conturbada relação histórica entre Real Madrid e Barcelona que poderia se traduzir no seguinte: a Espanha precisa ser dirigida por um treinador da Espanha, não do Real Madrid.

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