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À sombra de Guerrero, Farfán quer provar que pode ser ídolo do Peru

Jefferson Farfán, da seleção peruana - Lars Baron - FIFA/FIFA via Getty Images
Jefferson Farfán, da seleção peruana
Imagem: Lars Baron - FIFA/FIFA via Getty Images

Bruno Grossi

Do UOL, em São Paulo (SP)

16/06/2018 04h00

Jefferson Farfán já foi a maior fonte de esperanças da seleção peruana. E fracassou. Mas, desta vez, ele promete não decepcionar. Aos 33 anos e no país onde ressurgiu no futebol, o atacante promete sair da sombra do amigo Paolo Guerrero para que o sonho do Peru não seja breve na Copa do Mundo na Rússia. 

Neste sábado, às 13h (de Brasília, os peruanos estreiam no Mundial diante da Dinamarca. Talvez o jogo mais importante do Grupo C. Com a França favorita e a Austrália apontada como time mais frágil, somar pontos diante dos dinamarqueses se torna primordial na luta por uma vaga nas oitavas de final. E Farfán, como camisa 10, deve ter a maior das responsabilidades na equipe, já que Guerrero, sem ritmo, pode começar na reserva.

Os atacantes carregam quase duas décadas de uma amizade muito próxima. São quase irmãos. Dividiram aventuras na Alemanha, momentos de depressão por não terem chegado à Copa de 2014 e, agora, planos de recolocarem a seleção peruana em evidência, depois de 36 anos longe dos Mundiais.

Jefferson Farfán, do Peru, faz homenagem a Guerrero - Leonardo Fernandez/Getty Images - Leonardo Fernandez/Getty Images
Atacante usou camiseta em homenagem a Guerrero em amistoso contra a Escócia
Imagem: Leonardo Fernandez/Getty Images

Gol decisivo e lágrimas para Guerrero

Para chegar à Rússia, o Peru precisou encarar a repescagem nas Eliminatórias. Após um empate sem gols com a Nova Zelândia na Oceania, o Estádio Nacional de Lima explodiu quando Farfán marcou um belo gol e ajudou a construir a vitória por 2 a 0 que garantiria a vaga na Copa. O atacante correu em direção ao banco já aos prantos, buscou uma camisa da seleção com o número 9 e dedicou o feito histórico a Guerrero.

O amigo passava por um drama que só terminou a dez dias do Mundial. Um exame anti-doping em duelo contra a Argentina fez com que o atacante do Flamengo fosse suspenso, justamente no momento mais crucial para os peruanos. Guerrero havia feito o gol que levou o time para a repescagem, mas não poderia seguir defendendo o sonho de um país inteiro. Farfán fez questão de representá-lo naquele dia: "É por você, Paolo!".

Guerrero chegou a ser liberado neste ano, jogou pelo Flamengo, mas novamente foi punido nos tribunais e não pôde ser convocado pelo técnico Ricardo Gareca. A punição que parecia definitiva mobilizou capitães de outras seleções latinas, mas caiu às vésperas do fim das inscrições para a Copa. Guerrero estava livre e Farfán, aliviado. Como todos os peruanos.

Histórias cruzadas

As trajetórias de Farfán e Guerrero se cruzam. Ambos nasceram em 1984, deixaram a base do Alianza Lima ainda jovens para atuar na Europa e tiveram bons momentos no futebol alemão. Pela seleção, demoraram a entregar o que se esperava. Mas tudo mudou a partir de 2011. Ali, na Copa América disputada na Argentina, Guerrero deu um passo à frente ao ser artilheiro. Mas, de forma surpreendente, mudou o rumo de sua carreira no ano seguinte ao aceitar proposta do Corinthians.

Farfán não havia encantado seu próprio país, mas parecia ter vida mais sólida na Alemanha. O Schalke 04 em que jogou era um time forte e contava com Manuel Neuer, Rafinha e Ivan Rakitic, por exemplo. Um tinha um horizonte na Europa, o outro escolhia voltar ao mercado sul-americano, o que podia ser visto como um retrocesso, apesar do Corinthians ostentar ali o posto de campeão da Libertadores. O jogo virou completamente. Guerrero brilhou na equipe paulista e fez o gol do título mundial de 2012, diante do Chelsea.

"Guerrero pegou um time top, em uma hora boa, com um treinador bom como o Tite e em um momento crucial do Corinthians. As decisões às vezes da gente são complicadas, mas para ele deu tudo certo. Tudo naquele contexto deu certo. O Farfán, não. Ele teve alguns problemas,  lesões, foi para o mundo árabe... Mas como joga muito, é persistente, ambicioso e gosta de ganhar, deu a volta por cima como sempre e está fazendo um grande papel novamente", relata o ex-zagueiro Bordon, que jogou com Farfán no Schalke 04.

Schalke 04 de novembro de 2008, com nomes como Farfán, Bordon, Kuranyi, Rafinha, Neuer e Rakitic - Jasper Juinen/Getty Images - Jasper Juinen/Getty Images
Schalke 04 de 2008, com nomes como Farfán, Bordon, Kuranyi, Rafinha, Neuer e Rakitic
Imagem: Jasper Juinen/Getty Images

Perder a Copa de 2014 virou um pesadelo

O desempenho individual de Guerrero fez os peruanos acreditarem que seria possível disputar a Copa de 2014, no Brasil. Farfán ainda vivia o fim de seus dias de glória na Alemanha, enquanto o amigo se estabelecia como herói nacional. Mas tudo ruiu em 2013, com um tropeço em Lima diante do Uruguai. O Peru não se classificou para o Mundial e a cabeça de suas estrelas entrou em parafuso, desencadeando em momentos turbulentos na carreira, principalmente para Farfán.

"É um país que sofria por ficar muito tempo sem se classificar. Os peruanos não têm tantos jogadores assim de alto nível, mas são um povo unido, que se gosta muito. E qualquer um que não se classificasse, ainda mais ele sabendo que as chances seriam menores com o passar do tempo, ficaria triste. Agora, tudo mudou. Eles conseguiram e Farfán foi decisivo. A emoção agora é outra", exalta Bordon, que assegura ter festejado muito o feito do amigo no fim de 2017.

Sem foco e longe da melhor forma

No Brasil, Guerrero chegou a flertar com um quadro depressivo. Farfán passou por cenário semelhante, mas não reagiu com a mesma velocidade e força que o amigo. Em 2015, Guerrero se transferiu para o Flamengo e foi artilheiro de mais uma Copa América. Farfán trocou o Schalke, que já não tinha a mesma força de antes, pelo Al Jazira, dos Emirados Árabes Unidos. 

Foi a pior fase do atacante. Em campo, jogou e marcou pouquíssimas vezes, atrapalhados por lesões e falta de adaptação. Coincidência ou não, foi o único momento da carreira em que Farfán abandonou uma de suas maiores virtudes: o foco. O rendimento caiu de forma abrupta e o afastou até mesmo da seleção. Ricardo Gareca não o via na mesma rotação dos companheiros. E no Peru teorias eram criadas para tentar justificar essa queda, como aparições excessivas em eventos sociais após iniciar namoro com uma celebridade local.

"Ele sempre foi muito rápido, forte e disciplinado. Não reclama de nada. Se é pra treinar, tomar pontapé, se tem treino demais, de menos. Se estava muito frio ou muito calor. Nunca vi ele reclamar ou chegar triste a um treino. Nunca deixou de se dedicar ao máximo. Tinha a personalidade forte, mas sempre foi centrado. Não se envolvia em problemas fora de campo e era disciplinado dentro dele. São escolhas e é complicado se adaptar ao futebol árabe", alega Bordon.

Farfán pelo Lokomotiv - Epsilon/Getty Images - Epsilon/Getty Images
Farfán renasceu justamente no país da Copa do Mundo de 2018 ao ser campeão pelo Lokomotiv
Imagem: Epsilon/Getty Images

Rússia viu renascimento do atacante

Para sorte dos peruanos, Farfán resgatou sua melhor versão. E quis o destino que isso acontecesse justamente no país onde a Copa do Mundo seria disputada e no momento em que Guerrero saiu de cena pelo caso de doping. A cabeça do atacante se transformou. Ele buscou apoio em amigos e integrantes de seu estafe - alguns trabalham com Guerrero também - e foi acolhido pelos russos no Lokomotiv.

A retribuição veio após um ano e meio. Na última temporada, marcou 14 gols em 32 partidas e foi o grande nome de um feito histórico. O Lokomotiv não era campeão russo desde 2004 e vinha de anos de sofrimento pela diferença de investimento em relação aos rivais Spartak e Zenit.

Bordon vibra e aposta: "Quando ele chegou ao Schalke, já tinha jogado na Holanda, pelo PSV, e tinha certo nome. Era uma promessa. Na época tínhamos um time muito bom, formado já, e ele conseguiu crescer muito. E não à toa agora foi campeão na Rússia, sendo um dos melhores do campeonato. Realmente tem feito a diferença e é citado como o melhor. O Lokomotiv não ganhava o campeonato há muito tempo e conseguiu com ele. O bichinho está cheio de moral para a Copa".

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