Topo

Islândia

Comemoração com a torcida mostra o tamanho do feito da Islândia na Rússia

Demétrio Vecchioli

Do UOL, em São Paulo

16/06/2018 17h35

Um dos países com melhor índice de desenvolvimento humano no mundo, a Islândia tem mais ou menos um dentista para cada cerca de 1.200 habitantes. Some-se essa estatística à de que 66 mil islandeses solicitaram ingressos para assistir à Copa do Mundo na Rússia e é possível concluir que cerca de 240 clientes de Heimir Hallgrimsson estão na Rússia ou irão viajar para lá. Hallgrímsson, no caso, é o técnico da seleção.

Imprensa internacional culpa Messi por empate da Argentina na estreia
Copa de 2018 já tem mais pênaltis perdidos do que edição de 2014
Por que goleiro da Argentina ficou de costas para Messi durante o hino?

A estatística banal ilustra de alguma forma a proximidade notável entre a seleção islandesa e seus torcedores, registrada pelos fotógrafos depois do empate em 1 a 1 com Argentina, neste sábado, em Moscou. Na arquibancada não estavam apenas fanáticos distantes, que se identificam com os jogadores por terem nascido no mesmo país. Ali estão esposas, mães, pais, filhos, primos. São dentistas, médicos, padeiros, professores, motoristas ou pescadores, milhares de pessoas que têm alguma relação com os jogadores que têm a honra de serem os primeiros islandeses a disputar uma Copa do Mundo.

Hallgrimsson talvez seja o grande exemplo dessa proximidade. Quando assumiu a seleção, adotou uma prática impensável no futebol profissional. Antes de todo jogo, ele faz uma preleção para a torcida no pub ao lado do estádio nacional. A Islândia, que ficava fora do Top 100 do ranking da Fifa, chegou à Copa do Mundo sem encerrar a tradição. A diferença é que mais gente apareceu para ouvir o que ele tinha para dizer antes dos jogos, como mostrou o UOL Esporte em maio.

Com cerca de 332 mil habitantes, a Islândia é o menor país a chegar a uma Copa do Mundo. Tem menos de um quinto da população de Trinidad & Tobago, uma ilha caribenha, e um quinto do tamanho que tinha a Irlanda do Norte, então recordista entre os europeus, ao ir para o Mundial de 1982.

Na comparação com o Brasil, a população islandesa é equivalente à da cidade São Vicente, no litoral de São Paulo, e um pouco menor do que Mogi das Cruzes, onde o craque nasceu. É como se cada uma dessas cidades, de uma só vez, tivessem não um, mas 23 jogadores em um Mundial.

Com a grande diferença de que Neymar, como grande parte de seus colegas de seleção, é uma estrela desde a juventude. Não toma café na padaria, não frequenta a quermesse do bairro, não toma cerveja na praia. Enquanto isso, os islandeses foram, ou são, atletas semi-profissionais, dividindo o futebol com outras atividades profissionais. O técnico dentista é o exemplo mais bem acabado disso.

O natural sucesso da seleção fez com que os jogadores islandeses passassem a cavar espaço em outros mercados e, hoje, todos os 23 atletas do elenco que foi à Rússia são profissionais em outros países. O que não diminui a proximidade deles com os torcedores. Herói do empate, uma vez que pegou um pênalti de Messi, o goleiro Halldórsson jogou na Islândia até os 29 anos, trabalhando concomitantemente como diretor de comerciais.

Não que qualquer jogador islandês tenha conseguido grande destaque. Halldórsson joga no segundo pior time do Campeonato Dinamarquês. Já Finnbogason, que marcou o gol do empate, defende o modesto Augsburg, da Alemanha, e é considerado o mais valioso do elenco. Vale cerca de 10 milhões de euros, segundo o site Transfermarket. Messi ganha isso por mês.

Ligação com a torcida

Para se entender essa proximidade, é necessário considerar o fato de a Islândia ser um país de pequenas cidades. A capital, Reykjavík, tem apenas 120 mil habitantes - é do tamanho de Atibaia, por exemplo. Há ainda outras duas cidades com cerca de 30 mil moradores, tamanho já considerado de cidade pequena no Brasil. As demais são menores do que bairros de grandes municípios brasileiros. A cidade natal do atacante Boovarsson, por exemplo, tem apenas 7 mil moradores.

A tudo isso soma-se o fator cultural. A Islândia é um país único, onde, mais do que em qualquer outro país, a igualdade de gênero é realidade. Por ser uma ilha isolada no Atlântico Norte, a cerca de 800 km da Grã-Bretanha, a nação não é tão afetada pelo intercâmbio cultural e populacional quanto outros países europeus.

Por fim, há a questão esportiva. Após a vaga inédita na Eurocopa, a simples participação da Islândia na Copa do Mundo de futebol é o maior feito do esporte do país. Em Jogos Olímpicos, por exemplo, o país tem apenas quatro medalhas, uma única em esportes coletivos - a prata no handebol masculino em Pequim.

Parar Messi coloca Islândia em outro patamar

Até este sábado, o grande feito desta seleção da Islândia havia sido a Euro de 2016, quando a equipe surpreendeu Portugal na primeira fase e eliminou a Inglaterra no começo do mata-mata. O sonho acabou contra os anfitriões, nas quartas, mas o desempenho de time e torcida fizeram da pequena ilha a "Cinderela" do futebol mundial. 

A temporada de sonhos desembocou em uma Eliminatória quase perfeita para a Copa do Mundo na Rússia. A Islândia conseguiu vaga direta para o torneio como primeira colocada no Grupo I das Eliminatórias Europeias. A segunda colocada foi justamente a Croácia, rival na disputa do Grupo D, com uma vitória para cada seleção nos confrontos diretos.

O empate suado contra a Argentina de Messi coloca, quem diria, a pequena Islândia na briga por uma vaga no mata-mata do maior palco de todos. Com Croácia e Nigéria pela frente, a ilha nórdica depende apenas dela mesma para manter vivo o sonho dos cerca de 60 mil compatriotas que foram até a Rússia abraçar seus heróis em campo. 

Islândia