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Como é ser gay na Rússia? Brasileira do handebol relata temor no dia a dia

Goleira Mayssa Pêssoa encara a homofobia em Rostov-on-Don, palco da estreia da seleção brasileira na Copa da Rússia - AFP PHOTO / FRANCK FIFE
Goleira Mayssa Pêssoa encara a homofobia em Rostov-on-Don, palco da estreia da seleção brasileira na Copa da Rússia
Imagem: AFP PHOTO / FRANCK FIFE

Danilo Lavieri, João Henrique Marques, Pedro Ivo Almeida e Ricardo Perrone

Do UOL, em Rostov-on-Don (Rússia)

16/06/2018 21h00

Palco da estreia da seleção na Copa do Mundo, Rostov-on-Don tem recebido muito bem os turistas brasileiros que viajaram até o local para o jogo contra a Suíça, neste domingo, às 15h (horário de Brasília). Pernambucanos faziam festa pelo aeroporto e cariocas bebiam cerveja no centro, todos muito à vontade, em clima de festa para ver Tite e companhia. O cenário, no entanto, nem sempre é esse. Goleira do Rostov-Don, o time de handebol da cidade, a goleira Mayssa  Pessôa relata como é viver com medo por conta de sua orientação sexual, sua nacionalidade e seu estilo de vida.  

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“Não é fácil, não. É machismo, preconceito, tudo. Olham torto por eu ser estrangeira, por ter tatuagem, por ser lésbica”, diz a atleta de 33 anos, nome importante do handebol brasileiro, campeã mundial em 2013 e presente em dois Jogos Olímpicos, que já soma mais de sete anos vivendo e competindo na Europa.

“Tenho medo de estar sozinha. Não saio só. Não vou, por exemplo, a um bar sem alguém comigo. Quando entro em um Uber, em algum transporte, já fico séria, tento me impor. Eles são abusados”, descreveu Mayssa.

Homofobia do dono do time

Um dos pontos de tensão na vida de Mayssa está dentro do seu clube. Alexander Scriabin, presidente e dono do Rostov-Don Handball, não esconde sua rejeição a opções de homossexuais. E ainda que trate bem a brasileira, acaba sendo uma sombra, afetando seu comportamento.

“Eu só fui para Rostov porque eles realmente queriam muito, muito mesmo como atleta. O dono do clube não gosta de homossexual. Não esconde isso. Já falaram para eu nem pensar em me envolver com alguém. Ainda assim, ele aprendeu a me respeitar. Me trata bem, pergunta, manda mensagem para saber como estão as coisas. Vamos aprendendo, mas ele realmente não gosta de homossexuais. E tenho sempre que me preservar na rua, não pode sair uma notícia que fiz algo que desagrade eles. Sei que não posso me envolver com pessoas nos bares, nos locais públicos. Posso ter problemas”.

Gritos de macaca e cuspe na cara

Mayssa Pessôa, goleira brasileira de handebol - AFP PHOTO / ATTILA KISBENEDEK - AFP PHOTO / ATTILA KISBENEDEK
Mayssa Pessôa defende o Rostov-Don Handball
Imagem: AFP PHOTO / ATTILA KISBENEDEK

Em sua primeira passagem pelo país, quando atuou no Dínamo Volgogrado entre 2012 e 2014, a goleira já sentiu que não seria fácil.

“Me vaiaram e me xingaram de macaca. Acabei vendo na internet depois, imitavam o som do bicho. Isso justamente em um jogo contra o Rostov”, disse, citando seu atual clube. “Também sofri com isso na Romênia, lá em Bucareste, onde também cuspiram na minha cara. Um homem me chamou no bar, gritou ‘Pessôa, Pessôa’, e cuspiu. Eu corri atrás dele. Não aceito”, recordou, citando a passagem pelo CSM entre 2014 e 2016.

Ainda assim, ela faz questão de ressaltar que a realidade na cidade que receberá a estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo mudou após se tornar uma atleta local, em 2017. Ao menos no ambiente de treinos e jogos.

“Não tenho nenhum problema atualmente em treinos e jogos. Todos sabem de tudo e me respeitam. A torcida é sempre muito querida, os outros dirigentes, minhas companheiras de time. E sempre me ajudam quando preciso. Gosto muito”, pontuou.

Mas é só. Quando precisa sair à rua como mais uma moradora de Rostov, o cenário muda.

“Onde eu vou, quando não me reconhecem, seja em um shopping, no bar, as pessoas já ficam me olhando. Julgam por causa das tatuagens. São bem preconceituosos com isso. Na rua, se pergunto algo e eles percebem que não falo russo, já tratam diferente. São chatos. Olham torto para você, desconfiado, com cara de reprovação”.

Companheira em Rostov não sofre

Ana Paula Belo em ação pela seleção brasileira de handebol, contra a Noruega, na Olimpíada do Rio - AP Photo/Matthias Schrader - AP Photo/Matthias Schrader
Campeã mundial pela seleção em 2013, Ana Paula também joga em Rostov
Imagem: AP Photo/Matthias Schrader

O tratamento com sua companheira de time, Ana Paula, é diferente. Com currículo semelhante ao de Mayssa, sua contemporânea na maior geração do handebol brasileiro, a outra brasileira do Rostov é tratada como celebridade nas ruas e elogia o carinho dos russos.

“Claro que tem um lado frio, mas eles são muito legais. Não tenho muito o que falar, de dificuldades assim, até porque sempre estamos com as meninas. Na língua, a gente se vira como dá. Coloco samba para as meninas escutarem no vestiário, funk, e vamos nos entendendo. É uma linguagem meio universal”, contou Ana Paula.

"Aprendi a lidar"

Entre cuspidas, medo, rejeição e ataques na internet, Mayssa não se intimida mais. E diz que não pensa em deixar a Rússia, mesmo prevendo que o comportamento abusivo não irá mudar na região.

“Me atacaram muito no Instagram já, muito. Xingavam. A maioria eram homens. Eu simplesmente bloqueava. Recentemente hackearam minha conta. Tive que começar tudo de novo. Os russos ainda têm a cabeça muito fechada. E sinto que isso não vai mudar. É uma coisa antiga, cultural. Aprendi a lidar”, diz ela.