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Russo saiu da Sibéria para ver 12 jogos da Copa e curtir praia peladão

Sergey Turis, russo da Sibéria, na praia de nudismo de Dune - Felipe Pereira/UOL
Sergey Turis, russo da Sibéria, na praia de nudismo de Dune Imagem: Felipe Pereira/UOL

Felipe Pereira

DO UOL, em São Petersburgo

19/06/2018 04h00

Tomando sol esparramado em uma toalha azul colocada sobre a areia da praia, Sergey Turis, 44 anos, passou protetor em cada centímetro do corpo. Literalmente. Branco como se espera de alguém que encara 50 graus negativos no inverno, o cara saiu da Sibéria para duas coisas: acompanhar 12 jogos da Copa do Mundo e, principalmente, curtir peladão a praia de nudismo mais tradicional da Rússia.

A praia de Dune é a Copacabana dos nudistas russos. Fica a 43 quilômetros do centro de São Petersburgo e foi adotada pelos naturistas em 1960. Colocada em uma lista das praias mais bonitas do mundo em 2008 por um site americano, atrai gente de todos os cantos da Rússia, além de finlandeses e estonianos.

A fama é tamanha que, há 10 anos, Sergey viaja quase 3 mil quilômetros entre Uray, cidade que mora na Sibéria, e São Petersburgo. Russo com jeitão de brasileiro (gosta de praia e futebol), esteve em Dune ano passado durante a Copa das Confederações. Se falam que os anfitriões não ligam para o Mundial, não estão se referindo a ele.

“Lembro de um jogo há uns 30 anos em que chorei porque a Rússia perdeu. Mas agora futebol é motivo de alegria. Tirei um mês de férias para aproveitar a Copa. Visitarei seis cidades para ver 12 jogos. Só em ingresso gastei quase 200 mil rublos [R$ 11,7 mil]. Fui na abertura, Marrocos e Irã, e hoje vou acompanhar o segundo jogo da Rússia, que é contra o Egito. Vou ver Salah.”

Sergey ressalta que com este dinheiro poderia conhecer o Brasil. E desembesta a falar de Pelé. Sabe os placares de todas as finais de Copa e quer saber o que doeu mais: o Maracanaço ou o 7 a 1. Conhecedor dos principais jogadores da seleção, acha que Neymar não está no nível de Ronaldo, nem de Ronaldinho Gaúcho. E volta a falar de Pelé, a quem considera um Deus.

“Li uma biografia escrita por uma jornalista russa. Ele é o maior de todos.”

Praia de nudismo de Dunes, perto de São Petersburgo - Felipe Pereira/UOL - Felipe Pereira/UOL
Imagem: Felipe Pereira/UOL

Paixão de infância

O amor pelo futebol vem desde criança, quando jogava bola com o irmão. Começou como goleiro e jura que não fazia feio. Mas como cresceu pouco, os companheiros de time escolheram outro para posição. A infância acabou, mas Sergey joga até hoje e explica que na cidade em que mora tem futebol ao ar livre e indoor. "Até 15 graus negativos, nós jogamos no campo mesmo. Passando disso, só em lugar fechado".

Mas ele não considera que pegar 50 graus negativos seja algo extremo. Conta que em muito lugar da Rússia a temperatura chega a -60º. Mas Sergey prefere o sol e os incríveis 25 graus que está fazendo na praia. Desde que planejou ir ao Mundial, São Petersburgo estava no roteiro por causa de Dune.

O torcedor fala que, como bônus, ainda está conhecendo outras culturas e se declara positivamente surpreso com a liberdade das mulheres iranianas que estiveram em São Petersburgo para o jogo com o Marrocos. Ele está animado com a possibilidade de encontrar brasileiros na cidade porque acha os latinos em geral muito animados.

Nesta hora, recorda que o goleiro do time de sua região é brasileiro. E volta a dizer que Pelé é maior do que Maradona. Sergey vira entrevistador e quer saber mais sobre o Brasil, inclusive se existem praias de nudismo no país. Conta que prefere estar no mar sem roupa porque sente liberdade. “Também gostaria de jogar beach soccer. É assim que vocês chamam, né? Nós não jogamos futebol na praia por aqui. Só vôlei”.

Jogo de vôlei na praia de nudismo de Dune, em São Petersburgo - Felipe Pereira/UOL - Felipe Pereira/UOL
Imagem: Felipe Pereira/UOL

Praia de Dune correu risco

Por fim, o torcedor da Sibéria diz que a primeira vez que foi a praia de São Petersburgo ela era mais bonita. A observação faz sentido porque forças econômicas colocaram o local em risco. Dmitriy Zajarov, 55 anos, explica que há cinco anos apareceram caminhões carregando pedras e mais pedras. Foram atrás para descobrir o que era. Um resort familiar estava nos planos de um grupo hoteleiro.

Houve revolta e mobilização dos naturistas. Ao mesmo tempo, um clube de golfe começou a pressionar porque gostaria de uma praia privada para seus frequentadores. O cabo de guerra começou. O espaço dos naturistas foi salvo, mas não integralmente. Um canal foi construído limitando o espaço deles com o dos hóspedes do hotel.

“Pelo menos do clube de golfe a gente conseguiu se defender. Eles não têm, nem terão, a saída para a praia que desejavam e que nos expulsaria daqui. Sem Dune, a praia de nudismo mais perto ficaria a 150 quilômetros de São Petersburgo.”

 Anna Bolshakova, 65 anos, admite que o lugar perdeu parte do encanto. Ela não colocaria mais Dune entre as mais bonitas do mundo. Mesmo tendo areia fina, algo comum aos brasileiros, mas que não é regra na Europa.

“Quiseram fechar porque é um local muito valioso, a praia mais limpa de São Petersburgo. Perdemos um pedaço da praia, existe um canal artificial agora, mas ainda é nosso lugar. Meus filhos foram criados aqui. Venho mesmo no inverno, quando a água está congelada.”

Dune fica no Golfo da Finlândia e isto cria um monte de peculiaridades. Os frequentadores podem “caminhar sobre as águas”, que estão congeladas, e muitos fazem buracos no gelo para pescar. Nestas ocasiões, lógico, estão vestidos. Mas Anna ressalta que eles não têm nada contra as roupas. Tanto que o local não é destes em que só se pode entrar nu.

Há pessoas vestidas andando entre os pelados e a quadra de vôlei tem atleta que combina uma camiseta com a proteção no joelho direito. Sergey viajou tanto para ficar nu porque se sente mais livre assim. Mas nesta terça-feira, estará com uma camisa que gosta muito de usar: a da Federação Russa.

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