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Copa 2018

Amigos usam as mãos pra narrar jogo, e surdocegos sentem a Copa pela 1ª vez

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

03/07/2018 04h00

Um grupo de seis pessoas surdocegas – que não enxergam e não escutam – se reuniu em São Paulo para assistir ao jogo do Brasil contra o México, na segunda-feira (2). Para saber o que acontecia na partida, eles contaram com a ajuda de oito guias-intérpretes, que moviam suas mãos sobre campinhos para mostrar o movimento da bola e dos jogadores.

Os intérpretes-narradores usaram também a chamada comunicação háptica, “desenhando” nas costas do surdocego o número do jogador que estava com a bola. Como não dispõe da audição e da visão, os surdocegos precisam desenvolver formas de comunicação únicas. Alguns deles, por exemplo, usam o tadoma, uma maneira de entender o interlocutor com o tato, tocando seu rosto para sentir a vibração das cordas vocais e o movimento dos lábios.

Na maioria dos casos, porém, os surdocegos se valem de Libras táteis, uma adaptação da linguagem brasileira de sinais para quem não enxerga.

A animação desses torcedores na Copa se tornou popular depois que um vídeo viralizou há uma semana meia. Na ocasião, o massoterapeuta Carlos Júnior, de 31 anos, surdocego desde a adolescência, acompanhou a vitória do Brasil sobre a Costa Rica se valendo de um campinho adaptado por seu guia.

surdocegos - Nunno Fonseca/UOL - Nunno Fonseca/UOL
Imagem: Nunno Fonseca/UOL

A ideia ganhou uma escala diferente quando Carlos e seus amigos foram ao Memorial da Inclusão, na zona leste de São Paulo, para torcerem juntos pelo Brasil.

Um telão mostrava a partida para seus parentes e amigos videntes. Os intérpretes traduziam cada ação na Rússia em forma de sinais e movimentos nos campinhos que os surdocegos traziam sobre as pernas. A cada gol do Brasil, eles vibravam articulando sons abafados na própria boca, tocando tambores e agitando bandeiras.

Alguns sentiram a emoção instantânea de um jogo de futebol pela primeira vez, desde que perderam a visão. André Luiz Siqueira saiu de Ribeirão Preto (a 315 km da capital) para sentir a Copa com os amigos paulistanos. “Antes minha mulher descrevia os lances do jogo, mas sem o campinho fica mais difícil”, disse ele.

Após a vitória da seleção brasileira e o avanço às quartas de final da Copa, eles se reuniram para comentar a partida, em uma animada conversa que fluiu em silêncio, de uma mão à outra.

“Com o campinho e a interpretação dos guias, eu consigo construir a partida na minha cabeça e sentir a mesma emoção que os outros milhões de brasileiros que enxergar normalmente”, afirmou Carlos Júnior à reportagem. 

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